SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A escalada de violência entre Israel e o grupo islâmico Hamas chegou ao décimo dia nesta quarta-feira (19) sem uma perspectiva de cessar-fogo, com a Faixa de Gaza mergulhada em uma crise humanitária e um saldo de ao menos 231 mortos.

Ainda na noite de terça-feira (18), 52 aviões da Força Aérea israelense lançaram 122 bombas em 25 minutos sobre cerca de 40 alvos subterrâneos que, segundo Israel, fazem parte do chamado "metrô" do Hamas --mais de 12 quilômetros de túneis por onde se deslocam os membros do grupo que controla a Faixa de Gaza e por onde Israel afirma que eles transportam munição.

De acordo com o porta-voz das Forças Armadas de Israel, Hidai Zilberman, ao menos 10 membros do Hamas e da Jihad Islâmica foram mortos durante a ofensiva militar nas cidades de Khan Younis e Rafah, de onde a maioria dos foguetes lançados até agora contra Israel teria sido disparada.

Ainda segundo os militares israelenses, aproximadamente 50 foguetes foram disparados da Faixa de Gaza em direção a cidades no sul do país, mas não houve relatos de danos ou feridos durante a noite.

Autoridades médicas palestinas disseram que 219 pessoas, incluindo 63 crianças, morreram nos dez dias de bombardeios aéreos que destruíram estradas, prédios inteiros e outras estruturas da Faixa de Gaza, o que agravou a escassez de alimentos, água potável e remédios, aumentou o risco de disseminação de Covid-19 e outras doenças e forçou mais de 52 mil palestinos a deixarem suas casas.

Do lado israelense, as autoridades contabilizaram 12 mortos, entre os quais há duas crianças. O país possui um avançado sistema de defesa contra mísseis e foguetes inimigos que, segundo os números oficiais, interceptou quase 90% dos mais de 3.750 projéteis disparados de Gaza e minimizou os danos do conflito. Em aspectos menos tangíveis, no entanto, os israelenses têm sofrido com a convivência com as sirenes de alerta de bombardeios e a subsequente correria para os abrigos antibombas.

"Estamos aterrorizados com o barulho das explosões, dos mísseis e dos aviões", disse Randa Abu-Sultan, 45, mãe de sete filhos, à agência de notícias AFP, acrescentando que tem passado as noites abaixada em um quarto com toda a família. "Meu filho de quatro anos diz que tem medo de dormir e encontrar todos mortos quando acordar."

Em entrevistas à mídia israelense, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu não fez menção a qualquer interrupção dos confrontos, a despeito dos crescentes esforços diplomáticos em nome de um cessar-fogo.

"Não estamos parados com um cronômetro. Queremos atingir os objetivos da operação. As operações anteriores duraram muito tempo, então não é possível definir um prazo", disse o premiê, segundo o qual a ofensiva militar tem dois caminhos a escolher: "seguir até o fim" ou "a dissuasão forçada" do Hamas.

Segundo a agência humanitária da ONU, quase 450 edifícios de Gaza foram destruidos ou seriamente danificados, incluindo seis hospitais e nove centros de saúde de cuidados primários. Por toda a cidade, crateras e pilhas de escombros mostram as consequências imediatas dos conflitos e aprofundam a preocupação com as condições de vida na região no longo prazo.

"Quem quiser aprender sobre a humanidade dos israelenses deve vir à Faixa de Gaza e olhar as casas que foram destruídas em cima daqueles que nelas viviam", disse à agência de notícias Reuters o professor universitário Ahmed al-Astal, ao lado dos destroços que restaram de sua casa bombardeada em Khan Younis.

Segundo ele, não houve aviso algum antes de sua casa ser destruída em um ataque aéreo ainda antes do amanhecer, embora Israel diga que emite alertas para a evacuação de edifícios que serão alvejados e que ataca apenas o que considera alvos militares.

A enviados estrangeiros, Netanyahu disse que Israel tenta atingir os inimigos com grande precisão, mas admitiu que a exatidão dos ataques nem sempre é alcançável.

"Por mais cirúrgica que seja uma operação, mesmo em uma sala cirúrgica de um hospital você não tem a capacidade de prevenir danos colaterais em torno dos tecidos afetados. E certamente em uma operação militar você também não consegue", disse.

O Hamas começou a disparar foguetes contra Israel no último dia 10 em retaliação ao que chamou de abusos dos direitos israelenses contra palestinos em Jerusalém durante o mês do ramadã, sagrado para os muçulmanos.

Os ataques com foguetes seguiram-se a uma série de confrontos entre as forças de seguranças israelense e grupos palestinos na mesquita de al-Aqsa e a uma decisão judicial em primeira instância que pode expulsar famílias palestinas de um bairro de Jerusalém Oriental alvo de disputas desde que foi anexado por Israel em 1967.

A sequência de violências entre Hamas e Israel é a mais grave desde 2014. O último grande confronto durou 51 dias e devastou a Faixa de Gaza, provocando as mortes de pelo menos 2.251 palestinos, a maioria civis, e de 74 israelenses, quase todos soldados.

O conflito atual também serviu de combustível para acirrar as hostilidades internas em cidades israelenses que antes eram vistas como símbolos da convivência entre árabes e judeus. Houve centenas de prisões e autoridades locais decretaram estados de emergência e toques de recolher.

Durante a quarta reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar da violência em Israel e Gaza na terça-feira, a França apresentou uma proposta de resolução para encerrar os conflitos e recebeu endosso de Egito e Jordânia, dois países que, além do importante peso no contexto regional, são vizinhos de Israel e dos territórios palestinos. Os Estados Unidos, no entanto, continuam se opondo a uma declaração pedindo o "fim da violência" por a considerarem inoportuna e ineficaz para acalmar a crise.

"Nosso objetivo é chegar ao fim deste conflito. Vamos avaliar dia a dia qual é a abordagem certa", disse nesta terça a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki. "Discussões silenciosas e intensas nos bastidores são, taticamente, nossa abordagem neste momento."

O presidente americano, Joe Biden, acusado por seu próprio partido de falta de firmeza com Israel, expressou na segunda-feira seu apoio a um cessar-fogo em um novo telefonema com Netanyahu, ao qual o premiê teria respondido com a afirmação de que a conduta de seu país seria "continuar atacando alvos terroristas".

Segundo informações do jornal The New York Times, no entanto, Biden foi mais duro na conversa privada com o premiê israelense do que tem demonstrado em público, sugerindo que consegue resistir por pouco tempo à pressão internacional para cobrar de Israel o fim dos ataques.

O noticiário da TV israelense N12, citando fontes palestinas não identificadas, relatou que o Egito, por meio de "canais secretos", propôs que a luta entre Israel e Gaza terminasse na manhã desta quinta-feira (20), mesmo dia em que a Assembleia Geral da ONU também discutirá os conflitos. Ezzat El-Reshiq, representante do braço político do Hamas baseado no Qatar, no entanto, negou que tenha havido algum acordo para o cessar-fogo.