BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após semanas de investidas da Marfrig, que comprou aos poucos ações da BRF, a nova rodada de aquisições no setor de carnes parece ter atraído a atenção de um antigo peso-pesado, a JBS, uma estrategista no que se refere a aquisições. A JBS foi de um pequeno açougue em Goiás a gigante global comprando empresas.

A informação sobre o interesse da JBS circulou no setor nesta sexta-feira (11) e ganhou força após ser reforçada por nota do colunista Lauro Jardim, de O Globo. A reação do mercado foi rápida. As ações da BRF dispararam 14% no início do pregão na B3 com o possível interesse da JBS em tomar o controle da BRF.

A iniciativa seria um contra-ataque da empresa dos irmãos Batista sobre a Marfrig, na tentativa de frear o avanço da rival. Desde o final de maio, a Marfrig vem comprando ações na BRF até se tornar a sua principal acionista individual, hoje com 31,66% do capital da dona das marcas Sadia e Perdigão.

O montante coloca a Marfrig no limite de 33,33% para acionar as "poison pills" (pílulas de veneno) na BRF, o que a obrigaria a fazer uma oferta a todos os acionistas para assumir o controle da companhia.

Ao final do dia, porém, as ações da BRF se acomodaram e fecharam com alta de 3,94%, a R$ 29,05, diante da leitura de que a compra pela JBS não é nada simples.

Especialistas ouvidos pela reportagem duvidam que o eventual interesse da JBS sobre a BRF prospere, especialmente por conta dos entraves junto ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). "A JBS é dona de marcas como Seara e Swift, que concorrem diretamente com Sadia e Perdigão. Seria muita sobreposição de mercado", diz Sérgio Berruezo, analista da Ativa Investimentos.

Em casos recentes envolvendo grandes operações de fusão e aquisição, o Cade se mostrou mais rigoroso do que já foi no passado. "A operação entre Kroton e Estácio em 2017, por exemplo, foi reprovada", lembra.

Leonardo Alencar, analista da XP Investimentos, concorda. "Acho difícil este negócio acontecer", diz ele. "Não tem a complementariedade de BRF e Marfrig, pelo contrário, só sobreposição. A elevada participação de mercado que a nova empresa teria em várias categorias tornaria inviável a aprovação do Cade".

Uma eventual venda de Seara, para atender a regulação, também não faria sentido, segundo Alencar. "Eles iriam pagar caro pela BRF para se desfazer de ativos na sequência", diz o analista da XP, para quem a notícia é especulação.

Além disso, diz Berruezo, a JBS teria que fazer um desembolso de caixa enorme, pagando um prêmio sobre o valor de mercado da BRF. Procurada, a JBS disse que não comenta especulações de mercado. Marfrig também não quis se pronunciar.

Já a BRF informou, por meio da sua assessoria de imprensa, não ter recebido qualquer informação oficial sobre o tema e não comenta especulações.

"A companhia reforça que segue avançando em sua estratégia de crescimento sustentável prevista na Visão 2030, na qual prevê investimentos na ordem de R$ 55 bilhões nos próximos 10 anos, para se consolidar como uma empresa global de alimentos de alto valor agregado, ancorada em inovação, alta qualidade e disciplina financeira", diz, em comunicado.

"A BRF tem metas bem ambiciosas de crescimento, mas está com uma alavancagem muito alta, o que deixa o mercado cético quanto à sua capacidade de realização", diz Berruezo, referindo-se ao nível de endividamento da companhia, que hoje está em 2,96 vezes o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização).

Por outro lado, as duas candidatas à tomada de controle estão bem menos alavancadas: empatadas em 1,76 vezes o Ebitda, afirma Berruezo.

A JBS é a maior produtora de proteínas do mundo e segunda maior empresa de alimentos , só atrás da Nestlé. Além de Swift e Seara, tem marcas como Friboi e Maturatta no portfólio. A Marfrig é uma das maiores produtoras de proteína do mundo, com foco em carne bovina, e tem 70% das suas receitas na América do Norte.

A BRF, por sua vez, é a maior exportadora de carne de frango do país, com um portfólio concentrado em frangos e suínos - daí a complementariedade com a atuação da Marfrig. "Faz muito mais sentido a Marfrig ficar com a BRF", diz uma fonte, que já fez parte do grupo de comando da companhia. "Para a JBS conseguir uma posição na BRF que a possa levar a ser controladora da companhia é uma briga e tanto, bem difícil".

Seja qual for o player, o caminho é a diversificação do portfólio e da presença geográfica, diz Alencar, da XP. O analista chama a atenção para a estratégia que seria necessária para a JBS entrar de maneira expressiva na BRF.

Como o capital da BRF é muito pulverizado, a JBS teria que comprar ações em circulação no mercado (free float) e ainda negociar com grandes fundos a formação de um "block trade", ou ordem em bloco. Neste tipo de operação, uma mesma oferta coloca na bolsa uma quantidade alta de ações para ser vendida, de uma única vez.

Depois da Marfrig, dona de 31,66%, os principais acionistas individuais da BRF são a Petros (fundo de pensão de funcionários da Petrobras), com 9,90% de participação, o banco JP Morgan (7,15%), a Previ (fundo de pensão de funcionários do Banco do Brasil), com 6,20%, e a Kapitalo Investimentos (5,02%).

"Se JBS avançar sobre a BRF, certamente algum dos minoritários vai acionar o Cade", diz Ricardo Schweitzer, sócio fundador da casa de análise de investimentos Nord Research. Neste caso, diz ele, o órgão regulador tende a limitar o acesso a informações sigilosas ou impedir a participação da JBS no conselho da BRF. O mesmo pode acontecer com a Marfrig, se ela tentar indicar membros para compor o conselho.

"Tivemos um exemplo semelhante no passado no setor de siderurgia, quando a CSN se tornou acionista da Usiminas", lembra. "A CSN queria indicar conselheiros na companhia, mas o Cade vetou, porque a empresa passaria a ter acesso a dados estratégicos e poderia influir nas tomadas de decisão da concorrente".