SÃO PAULO, SP (FOLHARPESS) - Rosely Ferrante, 55, cresceu no meio do samba. Na verdade, em frente, já que a porta da casa onde ela cresceu, no Bexiga, região central paulistana, dá de cara com a sede da Vai-Vai. "O batuque do axé fala com a minha alma. É uma paixão mesmo", resume ela. Não à toa, ela tinha o sonho de passar o Carnaval em Salvador. O sonho não só se concretizou, como ela coleciona 28 carnavais na capital baiana.

Além de curtir a folia, Ferrante tem um bloco de rua chamado Vem Dançar e uma confecção há mais de 20 anos. Chamada Rainha do Abadá, a empresa se concentra em produtos de Carnaval e ela calcula que produziu, em 2020, mais de 250 mil abadás.

"Me especializei em Carnaval e esse mercado de fornecimento de camisetas é pequeno", diz. Segundo ela, as festas de rua de São Paulo e Minas Gerais vêm crescendo nos últimos oito anos, porém os fornecedores não acompanharam.

Com o mercado em alta, a sua produção na véspera do feriado chegava a 10 mil abadás por dia. E, para dar conta da alta demanda, nas semanas antecedentes ao Carnaval, sua equipe é dividida em três turnos e trabalha durante 24 horas.

Porém, com a pandemia, tudo começou a mudar. Ela lembra que sentiu os efeitos da Covid-19 no pós-Carnaval, quando pedidos prontos e pagos para eventos começaram a ser cancelados. Em meio às incertezas econômicas e notícias do avanço da pandemia no Brasil, Ferrante pensou em fechar a fábrica, negociar o aluguel e mandar todos os funcionários para casa.

Mas, quando recebeu a ligação de uma funcionária terceirizada, que estava sem dinheiro para comer e precisava vender sua máquina de costura para comprar remédio para seu filho de dois anos, Ferrante decidiu que poderia tentar se reinventar e começou a produzir máscaras de pano na sua empresa.

"Produzimos, e eu corri para vender. Na época, ninguém tinha máscara ainda", diz ela, que calcula que depois de dois meses, a concorrência de máscaras de pano ficou forte e, então, decidiu inovar mais uma vez.

A solução foi começar a fabricar máscaras descartáveis. Ela criou uma nova empresa, chamada Rainha Med, em que produz outros itens hospitalares, além de máscaras, como avental, macacão, touca e propé.

Mesmo com o novo negócio, o Carnaval não ficou de lado. No ano passado, quando o Brasil passava pelo pior da pandemia e as restrições para grandes eventos eram mais rigorosas, ela calcula que vendeu cerca de 20% do total de 2020, ou seja, mais ou menos 50 mil abadás.

Em 2021, a maioria da suas encomendas foram de empresas que enviaram kits para os funcionários curtirem o feriado em casa. Para este ano, sem blocos de rua, avalia que não chegará aos 250 mil abadás que produziu em 2020, mas deve produzir 60% da época pré-pandemia.

Ferrante atribui a alta da produção, majoritariamente, às festas fechadas que devem acontecer nas próximas semanas, uma vez que os blocos de rua foram cancelados pela Prefeitura de São Paulo.

Isso porque o abadá, nos eventos particulares, funciona como ingresso de entrada, diferente das festas de rua. "No Carnaval de rua de São Paulo, não existe corda, então para que o folião vai comprar abadá para o bloco? Não precisa, não é obrigado e quem tem vai pular Carnaval igualzinho a quem não tem."

Ferrante tinha esperança de 2022 ser a volta do Carnaval nas ruas e chegou a inscrever o seu bloco Vem Dançar na prefeitura. "Eu me inscrevi, mas disse que só colocaria mesmo na rua se estivesse segura. Por isso, eu ia cancelar minha inscrição agora em janeiro, mas a prefeitura cancelou antes", diz ela.

O grande retorno do Carnaval ficou para 2023, prevê. "Já temos vacinas e alguns eventos já estão acontecendo, mas Carnaval, particularmente, é terra de ninguém, o pessoal vai para rua, aglomera, beija na boca, bebe e não sabe o que tá acontecendo", diz. Ela admite que, apesar de se tratar de seu negócio, não era a favor das festas neste ano.

Agora, a empresária deposita as fichas para o ano que vem: "Vai ter e vai ser o maior evento do planeta".

Enquanto a Rainha do Abadá se mostra otimista com o futuro, o gestor da empresa concorrente Rei do Abadá parece mais cauteloso. "Os negócios ficaram abalados, tivemos uma acentuada queda nos pedidos", diz Edson Jakmiu, à frente da empresa que existe há dois anos.

Para ele, o Carnaval era o equivalente ao Natal para os shoppings, ou seja, época em que as vendas disparavam. Porém, isso mudou na pandemia.

Jakmiu notou um aumento de cotações em relação a 2021 em cerca de 80%, mas os clientes estão inseguros em concretizar os pedidos. "Os pedidos são lentos", diz. Na sua empresa, ele afirma que não nota pedidos expressivos como antes. Agora, o que predomina é uma variedade de pequenos grupos de bairros, amigos, vizinhos e colegas de faculdade.

Ele acreditava que as coisas voltariam ao normal neste ano. "Tudo encaminhava para ir bem, e a esperança é a última que morre, né? Daí, veio a ômicron", lamenta ele. "Nada mais é igual a antes."