PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) - No mundo restrito da moda de luxo europeia é raro ver nos bastidores das grandes casas de moda um nome com origem que soe ao menos familiar para o lado de baixo da linha do Equador. A estilista uruguaia Gabriela Hearst quebrou essa lógica ao assumir, um ano atrás e em pleno isolamento da pandemia, o comando criativo da grife Chloé, um dos destaques desta quinta-feira na Semana de Moda de Paris.

Não foi à toa que seu nome atraiu o grupo Richemont, dono da marca e também de Cartier e Montblanc. Além de uma bem-sucedida carreira com sua etiqueta homônima, que hoje enche as vitrines das lojas de departamentos exclusivas de Nova York, ela representa uma nova geração de designers comprometidos com o tema da crise climática e cujas ideias oferecem soluções factíveis para a indústria sem cair no marketing verde, o chamado "greenwashing".

Assim como fazem grifes como Bottletop e Stella McCartney, Gabriela é rigorosa com os materiais que usa em suas coleções e só topou o novo trabalho se o conglomerado aceitasse seus termos de, por exemplo, usar materiais reciclados, fechar parceiras com comunidades de artesãos e pôr em evidência soluções para o descarte têxtil.

E tem mais. Organizações sem vínculo com o grupo deveriam passar a medir o impacto ambiental das peças. Esse inverno 2023 desfilado agora, de acordo com o levantamento, reduz em 56% o nível de agressão ao ambiente em relação aos métodos convencionais.

Na passarela montada em uma caixa de vidro no meio do Parque André Citroën, tecidos costurados em parcerias com mulheres indígenas da Amazônia brasileira --entre as 24 líderes, havia também colombianas, peruanas e equatorianas-- dividiam a atenção com tricôs suntuosos e casacos de cashmere, uma das matérias primas mais escassas e desejadas pelo luxo, que foram totalmente recicladas.

Um dos trunfos de Gabriela é não cair no ideal bege demais e apoiado apenas nas bases orgânicas. O couro finíssimo é vindo de fazendas certificadas e explorado à exaustão porque, sabe-se, comparado ao chamado "couro ecológico", entremeado de derivados do petróleo, essa matéria prima animal além de durar mais agride infinitamente menos o ambiente.

Nada na coleção cai nas imagens chamadas no século passado de "ecochatas". Longe disso. As pinturas manuais, por exemplo, revelam na parte da frente dos looks paisagens arrasadas pelo homem, enquanto que nas costas reluzem cores da natureza viva daquele mesmo retrato.

É como se a estilista avisasse sobre o futuro sombrio que aguarda o mundo sem os cuidados que ela tenta oferecer.

Detalhes de pedras naturais, a exemplo das ametistas e jasperes usadas nos acessórios, combinam com as cerâmicas usadas como talismãs e aviamentos de roupas.

Os paradigmas da Chloé, porém, estão intactos. A ideia de criar uma moda extremamente clássica e sem firulas permanece incrustada na alfaiataria bem cortada, com alguns longos casacos de couro cortados nas bases em ondas, e na combinação de tons terrosos e branco que é característica da história dessa grife consumida pela elite do alto luxo europeia.

Daí se explicam também os detalhes quase monásticos dos looks, alguns construídos com sobreposições de aventais transformados em segunda pele e um compilado de proporções que evidenciam ombros volumosos e silhuetas esguias. Não é uma moda difícil, mas de tão discreta pode soar monótona para mulheres acostumadas ao exibicionismo dos brilhos da noite. Há, claro, públicos de toda ordem.

Por isso também a marca é uma das mais caras do mercado de luxo, ao lado de outros medalhões como Chanel e Hermès. É como diz aquele ditado, apesar de haver um mundo melhor e, neste caso, mais justo com o planeta, ele continua sendo caríssimo.