SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo chinês estabeleceu uma meta de crescimento do seu PIB (Produto Interno Bruto) para no mínimo 6% em 2021, após o tombo histórico devido à pandemia do novo coronavírus, originada no país na virada de 2019 para 2020.

O número é modesto, na visão de analistas, e reflete a preocupação do governo de tentar arrumar suas finanças e reduzir o débito fiscal da segunda maior economia do mundo --com um PIB em 2020 de US$ 15 trilhões, a China só fica atrás do rival Estados Unidos, com US$ 21 trilhões.

Para comparar, o PIB brasileiro foi de US$ 1,42 trilhão, usando ao cotação média do dólar ao longo do ano passado, com queda de 4,1%. A economia chinesa é vital para o Brasil: o país asiático é seu maior parceiro comercial.

A prudência chinesa, segundo analistas, decorre das incertezas acerca da retomada da economia mundial, ainda sob impacto da Covid-19, e da renovada competição proposta pelos EUA em sua Guerra Fria 2.0.

Em 2020, devido à crise, o país abandonou sua meta de PIB. A China já vinha numa desaceleração, tendo crescido 6% em 2019, ante números que chegaram a mais de 14% no passado recente. Ao fim, expandiu-se 2,3%, o melhor dado entre as grandes economias.

Ainda assim, foi o menor índice em 44 anos. Mesmo com analistas acreditando que o país facilmente superará o crescimento de 8% em 2021, o premiê Li Keqiang afirmou que "nós levamos em conta a recuperação da atividade econômica".

Ele apresentou os dados no seu relatório de trabalho anual ao Congresso Nacional do Povo, que ocorre nas cerimoniais Duas Sessões, na qual o órgão legislativo reúne seus quase 3.000 delegados em Pequim para ouvir a voz do mestre, no caso o Partido Comunista.

A outra sessão é da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, uma entidade de assessoramento do governo.

O déficit chinês, por sua vez, entrou no foco. O país viu subir de 2019 para 2020 a proporção de endividamento em relação ao PIB de 246,5% para 270%. São números astronômicos, mas o tamanho da economia chinesa permite tais dívidas.

Mas o governo se diz preocupado. Assim, o déficit do governo central teve sua meta reduzida para 3,2% do PIB, ante os 3,7% registrados em 2020.

"O objetivo é mostrar que nós devemos focar em crescimento de melhor qualidade", afirmou um assessor de Li, Yao Jingyuan, à agência Reuters.

Com a meta mais modesta de crescimento, é aberto espaço para reformas mais paulatinas, algo semelhante ao que aconteceu durante a crise econômica mundial de 2008 --que era originária e centrada no Ocidente.

A estratégia apresentada por Li é a de aumentar anualmente, até 2025, em 7% o investimento em pesquisa e desenvolvimento de alta tecnologia no país.

Isso faz parte da corrida do 5G, em que a chinesa Huawei é uma das líderes, mas vem sendo contestada crescentemente pelas objeções políticas estimuladas pelos EUA em vários campos.

Um dos focos é a indústria vital de semicondutores, os chips que estão em tudo, de geladeiras a armas nucleares. A pandemia gerou um desabastecimento global desses produtos devido a interrupções nas cadeias de fornecimento.

A produção de itens mais sofisticados é centrada em Taiwan, ilha que Pequim considera uma província rebelde e promete reabsorver em algum momento.

Com isso, os EUA buscaram cercear o fornecimento de chips taiwaneses para a China, já que eles usam tecnologia americana.

O presidente Joe Biden, por sua vez, acaba de determinar um estudo para nacionalizar a produção deles. No caso de Washington, a falta de chips afetou principalmente a indústria automobilística.

Outro ponto que foi anunciado, como já era esperado, é a impopular reforma previdenciária do país. A ideia é elevar a idade de aposentadoria de 60 anos para homens e 55, para mulheres, até 2025.

Não há, contudo, uma meta anunciada. A demografia tornou-se um problema para os chineses devido à eficácia de seus programas de restrição de natalidade --com 1,4 bilhão de habitantes, é o país mais populoso do mundo, embora a Índia esteja prestes a ultrapassá-la.

A desaceleração colocou a fertilidade chinesa em níveis japoneses, criando um horizonte na janela demográfica do país: em 2025, chineses com mais de 65% serão 20% da população, quando eram 8% no ano 2000.

Com o foco anunciado no mercado interno, que segundo Li será estimulado no consumo e também por meio de inovação, é preciso esticar a vida produtiva dessas pessoas.

É o que o líder da ditadura comunista, Xi Jinping, chamou de "estratégia de circulação dual", um enigmático conceito que ao fim busca robustecer a economia doméstica e depender menos de exportações.

Com efeito, o gasto militar chinês, o segundo do mundo atrás dos EUA, será mantido no mesmo nível de expansão de 2020 --de 6,6% para 6,8%, nas contas chinesas. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, Pequim ainda gasta quatro vezes menos que os US$ 738 bilhões aplicados por Washington em defesa.

Analistas apontam outras questões subjacentes à decisão chinesa. Para Larry Hu, economista do banco australiano Macquarie Group, a meta fiscal aponta uma queda nos investimentos em infraestrutura de 3,4% do PIB em 2020 para 2% neste ano.

Parte do valor poderá ir para o plano de investimento em tecnologia, mas isso ainda é incerto, disse ele ao jornal honconguês South China Morning Post.