SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em um cenário de insegurança alimentar com a pandemia, restaurantes lançam mão de diferentes estratégias para evitar o desperdício. Além de fazer doações, chefs aproveitam partes de ingredientes antes descartadas e usam sistemas de gestão para minimizar perdas.

Cerca de 931 milhões de toneladas de alimentos disponíveis para o consumo em residências, no varejo e em serviços de alimentação foram para o lixo no mundo em 2019, segundo o Índice de Desperdício de Alimentos, documento divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em março deste ano.

Desse volume, a estimativa é que 26% seja desperdiçado pelo food service, o setor de alimentação fora do lar. Ainda que o relatório não aponte dados específicos sobre o segmento no Brasil, Luiz Rebelatto, analista de competitividade do Sebrae, lembra que reduzir essa perda em restaurantes é uma necessidade. “É uma questão ambiental, social e compromete o retorno econômico da empresa.”

No caso do 31 Restaurante, que abriu há nove meses na região central de São Paulo, a criação de receitas enfatizando o aproveitamento integral de ingredientes é uma saída para diminuir o desperdício. Na casa, que trabalha com menus vegetariano e vegano (R$ 140, o completo), são usadas técnicas para aproveitar partes que seriam jogadas fora ou ampliar o tempo de vida dos alimentos.

Quando viu que o restaurante descartava uma grande quantidade de casca de cebola, o chef Raphael Vieira, 27, desidratou e processou o item até obter um pó, que é utilizado para dar um sabor defumado à canjiquinha com tomate verde assado.

Já as flores de rabanete são transformadas em picles, conferindo acidez no lugar de vinagre ou limão, e os talos dos cogumelos, em molho rico em umami, o quinto gosto do paladar.

Segundo Raphael, hoje a operação do negócio gera 10 litros de lixo por dia —o que inclui os resíduos do banheiro. Mas, para que as perdas de fato diminuíssem, foi preciso alinhar os procedimentos com a equipe, afirma o chef.

Uma grande fatia do desperdício de um restaurante vem da operação da cozinha, já que mesmo a forma de cortar vegetais e de limpar carnes pode produzir mais ou menos lixo, diz Pedro Drudi, docente do curso de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi.

“O cliente vê um prato bonito e não o relaciona com o desperdício. Mas, para se chegar a esse resultado na alta gastronomia, em que há grande exigência e padrões estéticos, provavelmente houve muita perda”, afirma Raphael.

Também é essencial evitar que produtos vençam na prateleira e calcular as porções de modo adequado, reduzindo sobras de comida no prato. Para isso, é possível contar com a ajuda de sistemas de gestão, orienta o professor.

Além de ser negativo para o ambiente, o desperdício faz com que o cliente pague mais caro, diz Jun Sakamoto, 55, à frente de um endereço em Pinheiros, São Paulo, que leva seu nome, e mais duas casas.“Se você não controlar o estoque, tem muita chance de jogar mercadoria fora, comprando mais do que deveria. Fui entendendo que tenho que comprar e processar corretamente e, para administrar tudo isso, é necessário uma ferramenta”, diz.

No seu caso, um programa gerencia o fluxo de mercadorias e gera relatórios com indicadores que ajudam a fazer ajustes. Por exemplo, na hora de emitir etiquetas de controle em geladeira para um molho, o sistema entende que aquela preparação foi feita e dá baixa dos ingredientes no estoque —e registra a quantidade de molho disponível. Cada sistema oferece funcionalidades diferentes, mas é preciso e aprender a operá-lo e alimentá-lo para que os resultados apareçam, diz o chef.

Se, mesmo assim, um restaurante se deparar com um acúmulo de alimentos que não será usado, pode fazer uma doação. É possível recorrer a iniciativas como o Comida Invisível, que conecta pessoas e empresas com organizações que precisam de apoio.

Com a chegada da Covid, cresceu a demanda do projeto, que trabalha com alimentos in natura, prontos para consumo e industrializados dentro do prazo de validade. Segundo Daniela Leite, 47, fundadora, o tempo que uma oferta de doação fica na plataforma até ser aceita é de aproximadamente 8 minutos.

Cerca de 115 estabelecimentos comerciais atuam em parceria com o Comida Invisível. Entre eles, está a Confeitaria Marilia Zylbersztajn, em Pinheiros, São Paulo. A proprietária, Marilia, 38, doa 20 litros de claras de ovos orgânicos por semana —usadas, em geral, como proteína da alimentação servida a moradores de rua. Ela tem de aceitar um termo de responsabilidade de que o ingrediente foi manuseado de forma segura.

“Funciona bem. A oferta é aceita de forma simples e a organização vem buscar. Muitas vezes, não entendemos como aquele alimento será usado, mas há muita gente que consegue fazer isso rapidamente.”