SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A repercussão das falas de cunho sexista do deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei (Podemos-SP), terá impacto no projeto político do MBL (Movimento Brasil Livre), do qual ele é um dos principais líderes. A nova crise se soma a uma série de reveses que o grupo sofreu nos últimos anos.

Além da retirada de sua pré-candidatura a governador de São Paulo, anunciada horas após a revelação dos áudios com conteúdos ofensivos a mulheres na guerra na Ucrânia, o episódio interferiu na relação do movimento com o presidenciável Sergio Moro (Podemos), que tenta se descolar do escândalo.

O MBL promoveu uma série de adaptações de discurso e imagem desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), que recebeu forte apoio do grupo, e vinha traçando um ambicioso plano para a próxima década, que passava pela eleição e fortalecimento de quadros em São Paulo.

Depois de romper com o atual governante em 2019 e fazer um mea-culpa sobre sua parcela de responsabilidade na radicalização do debate público no país, a entidade vive um momento agudo de "cancelamento" na opinião pública e de indefinição sobre o futuro imediato de seus líderes.

Com o reposicionamento, a ideia era figurar como catalisador de setores contrários simultaneamente ao bolsonarismo e ao petismo. Não à toa, o congresso anual do MBL, em novembro, virou uma ode à terceira via na corrida presidencial, com a presença de postulantes da centro-direita.

A maré negativa já estava em andamento desde o mês passado, depois que o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) se envolveu em controvérsia ao dizer, em entrevista a um podcast, que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo. Sob pressão de Moro e aliados, pediu desculpas.

A adesão do MBL à candidatura do ex-juiz, até então tratada como um trunfo na aproximação com o eleitorado jovem e na estratégia de mobilização das redes, acabou se tornando uma dor de cabeça para o presidenciável.

Como parte do acordo, a organização alojou algumas de suas principais lideranças, inclusive Arthur, no Podemos. Apesar da estratégia de marketing para valorizar sua dimensão, o MBL já tinha dado mostras de perda de fôlego com o fiasco de um protesto pelo impeachment de Bolsonaro em setembro de 2021.

Entre uma metamorfose e outra, o movimento perdeu um de seus integrantes mais midiáticos, o vereador da capital Fernando Holiday (Novo), que anunciou sua saída em janeiro de 2021. Ele, que é gay, cobrava mais espaço para a pauta LGBTQIA+.

Apesar de tropeços aqui e ali, o grupo vinha demonstrando força no âmbito eleitoral. Com seus principais cabeças abrigados dentro de partidos --como DEM e, mais recentemente, Patriota, até o desembarque em peso no Podemos--, colheu resultados significativos, como os 9,8% dos votos válidos de Arthur na disputa para prefeito da capital paulista em 2020.

O desempenho era tratado pelos principais articuladores como indício de que o grupo estava no caminho certo em sua trajetória de expansão.

Sob pressão, com pedidos de cassação do mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo e de expulsão do partido por parte de alas rivais e correligionários escandalizados com o teor das mensagens, Arthur desistiu da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em boa medida, para preservar Moro.

O MBL tenta agora emplacar outro de seus líderes, o vereador da capital Rubinho Nunes, como o candidato do Podemos no estado. Ele, que inicialmente seria lançado para deputado federal, não quis falar sobre o episódio envolvendo Arthur --limitou-se a divulgar nota do movimento repudiando as falas.

Pré-candidato do Novo a governador, o deputado federal Vinicius Poit diz que tem visto nos últimos dias uma migração na direção dele de eleitores que pretendiam votar no membro do MBL. "Acho que posso posso alcançar nas próximas pesquisas de 4% a 5% das intenções", afirma.

Para Poit, ele e Arthur navegam "em uma raia muito parecida do eleitorado", por isso a saída do rival do páreo o fortalece. "Somos a única candidatura que vai contra o sistema e não usa o fundo eleitoral."

O prefeito de Itapevi, Igor Soares (Podemos-SP), que largou a presidência estadual do partido por discordar da candidatura de Arthur, diz que sempre foi crítico do estilo do deputado youtuber e que agora o movimento está sendo vítima de campanha semelhante às que promoveu.

"O MBL sempre tratou suas decisões com radicalismo e muito ataque. Fizeram assim com Bolsonaro e a esquerda. Precisam respeitar para serem respeitados."

Ele e outros quatro prefeitos da legenda em São Paulo enviaram ao comando da sigla um pedido de expulsão de Arthur. Para Soares, que defende apoio a Rodrigo Garcia (PSDB), a proposta de ter Rubinho Nunes como o postulante ao governo não deve prosperar internamente.

"Temos que ter uma candidatura com experiência, e ele está no seu primeiro mandato de vereador. É um egoísmo por parte do MBL. Está parecendo que não é um projeto para melhorar o estado, mas um projeto de poder deles."

O futuro político de Arthur se tornou incerto. A cúpula do movimento, porém, minimiza as especulações sobre o fim de seu projeto político e diz que o MBL não se alimenta de eleições e tem condições de encarar as críticas vindas de membros do Podemos, por exemplo.

Há uma ponta de ressentimento pelo fato de Moro ter condenado a atitude do ex-aliado sem nem ouvi-lo, já na sexta (4). Apesar disso, porta-vozes compartilham a impressão de que o "cancelamento" de Arthur pode durar pouco --em torno de uma semana.

A prioridade agora, dizem, é restabelecer a verdade, ou seja, esclarecer que o deputado não fez turismo sexual na Ucrânia e que é uma pessoa honesta. O deputado pediu desculpas aos colegas e até cogitou deixar o MBL para não prejudicar ainda mais o grupo. A questão, contudo, não foi deliberada.

Desafeto de parlamentares da esquerda à direita, Arthur pode ter dificuldade para atenuar uma punição na Casa.

Nesta terça (8), o movimento deve se reunir para tratar do tema. Arthur e Kataguiri, por enquanto, tendem a submergir temporariamente. No período eleitoral, devem ganhar espaços, além de Rubinho, nomes do grupo como Renato Battista e Amanda Vettorazzo, que miram a Assembleia de São Paulo.

Os integrantes do movimento que já se manifestaram sobre o caso da Ucrânia seguem o exato roteiro da nota oficial do MBL. Criticam as falas do deputado, mas ressaltam as doações realizadas no país, motivo principal da viagem.

RAIO-X

MBL (Movimento Brasil Livre)

Ano de fundação: 2014

Histórico: Surgido como um movimento em defesa do liberalismo, convocou protestos contra o PT e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Desde 2016 tem braços na política institucional, com membros eleitos com o apoio do grupo

Principais líderes: Kim Kataguiri, Renan Santos, Arthur do Val

Membros com mandato: Quatro vereadores, entre eles Rubinho Nunes (Podemos-SP); um deputado estadual, Arthur do Val, o Mamãe Falei (Podemos-SP); um deputado federal, Kim Kataguiri (União-SP)