SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nos últimos meses, casas paulistanas com valor arquitetônico reconhecido têm deixado de pertencer só ao circuito de iniciados na área e aberto suas portas para receber outros públicos, num movimento ainda tímido que aponta para a formação de novos espaços dedicados às artes visuais na cidade.

Se antes era preciso aprender numa escola de arquitetura sobre a casa Millán, um projeto de Paulo Mendes da Rocha no bairro Cidade Jardim, ou conhecer a família do designer Jorge Zalszupin para poder adentrar sua residência escondida atrás de uma grande árvore centenária no Jardim Europa, agora ambas as casas sediam exposições abertas a todos --e se tornam elas mesmas parte do show.

"É muito pouca gente que conhece essas casas ao vivo porque até hoje elas sempre foram simplesmente casas unifamiliares", afirma Guilherme Wisnik, curador das mostras em ambas as residências. O ambiente doméstico traz uma experiência diferente para o público, acostumado aos espaços mais frios e anódinos de galerias e museus, acrescenta ele.

De frente para o parque Alfredo Volpi, uma casa de concreto dos anos 1970 desenhada por Mendes da Rocha traz um projeto com uma radicalidade impressionante até hoje --a construção não tem janelas para a rua nem paredes até o teto. A iluminação se dá por claraboias e as janelas dos quartos se abrem para dentro; como os cômodos não são totalmente fechados, é possível ouvir um casal transando e sentir o cheiro quando alguém vai ao banheiro.

"A ideia do Paulo era ter uma espécie de comuna na casa. A funcionária podia escutar a ópera do dono e o dono escutar o radinho de pilha da funcionária", diz o galerista Eduardo Leme, proprietário da casa. Mendes da Rocha tentou trazer a cidade para o espaço doméstico e questionar o fetiche burguês do lar, de "se fechar num canto só seu, cheio de pelúcias e almofadas confortáveis", acrescenta Wisnik. Originalmente, o piso do térreo era de asfalto, como se a avenida para carros do lado de fora adentrasse a sala de estar.

Tendo isso em vista, a mostra "Janelas para Dentro" --organizada pelas galerias Leme e Central-- reúne 29 artistas contemporâneos com uma pegada urbana em suas obras. Há um trabalho de Marcelo Cidade formado por três caixas de plástico usadas por trabalhadores da construção civil para misturar cimento exposto na parede da sala, uma instalação de madeira de Rodrigo Sassi presa ao teto da garagem e uma espécie de escada de cimento de C. L. Salvaro posicionada de modo a dialogar com uma escada da casa na parte externa. É tudo um pouco bruto.

O cinza plúmbeo da casa-bunker de Mendes da Rocha é o oposto da clareza orgânica da residência do arquiteto e designer de móveis Jorge Zalszupin, aberta para receber o público pela segunda vez --a primeira foi em junho. A construção de teto ondulado de pinho de riga, dois jardins internos e generosas entradas de luz foi a casa onde o modernista morou por seis décadas, até morrer, no ano passado.

Agora, a loja de móveis Etel, que reedita seus móveis, e a galeria Almeida e Dale alugaram o imóvel pelos próximos dois anos, período no qual vai receber uma série de mostras unindo artes plásticas e design, constintuindo assim o Instituto Jorge Zalszupin, de acordo com um site do local que entrou no ar de maneira discreta há pouco.

Monotipias de Mira Schendel sobre a lareira e uma escultura de vidro e ferro de Túlio Pinto a meio caminho das salas de estar e jantar estão expostas ao lado de poltronas, sofás e mesas de centro do escritório de design Branco & Preto, crucial para o desenvolvimento do móvel brasileiro da metade do século passado. Todas as obras de arte da mostra "Ritmo. Rigor. Razão.", boa parte das décadas de 1950 e 1960, são pretas e brancas, numa brincadeira formalista com o nome do estúdio, ou então trazem só a cor dos materiais dos quais são feitas.

Embora haja interesses comerciais envolvidos na abertura dessas casas para exposições, já que afinal os espaços são vinculados a galerias e a uma loja de móveis, não a entidades institucionais, Wisnik diz achar positivo que o público possa visitar casas pouco conhecidas. Além disso, ele lembra que, no caso da residência de Zalszupin, se cria um espaço onde o design está em diálogo direto com as artes plásticas, com peças de ambas as áreas colocadas lado a lado.

Do ponto de vista do público, há o risco de que a majestade das casas termine por empalidecer as mostras, "engolindo" as obras de arte ali expostas. Um dos atrativos de um programa desses é conhecer essas joias da arquitetura paulistana e enteder por que são importantes, afinal, e não necessariamente ver esculturas ou fotografias que também podem ser vistas em outros lugares. O desafio talvez seja convidar artistas para projetarem trabalhos específicos para esses locais.

Diferentemente da casa de Zalszupin, por ora não há um programa de exposições previsto para a de Mendes da Rocha, mas Eduardo Leme, o dono, afirma querer "dar vida" para essa residência nos próximos tempos.

Essas mostras trazem à memória outras exposições em casas-fetiche, como uma realizada pelo curador suíço Hans Ulrich Obrist na Casa de Vidro de Lina Bo Bardi há alguns anos, dando destaque à morada da arquiteta no Morumbi e, em outra escala, também remetem ao movimento de revalorização da vila modernista de Flávio de Carvalho nos Jardins.

O conjunto de casas projetado pelo arquiteto e artista plástico nos anos 1930, na alameda Lorena, vem sendo reformado e ocupado por galerias de arte desde 2019, trazendo agito cultural para um local não tombado pelo patrimônio e que, até pouco tempo atrás, funcionava só como um estacionamento dos comércios ao redor.

JANELAS PARA DENTRO

Quando até 10 de outubro; sábados e domingos, das 11h às 17h

Onde Rua Circular do Bosque, 628, Cidade Jardim

Preço grátis; necessário agendamento

Link: https://calendly.com/lemegaleria/janelas-para-dentro?month=2021-09

RITMO. RIGOR. RAZÃO.

Quando até 9 de outubro; segunda à sexta, das 10h às 16h; sábado, das 10h às 14h

Onde endereço fornecido após o agendamento

Preço grátis

Link: https://www.casazalszupin.com