BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) requerimento de urgência do projeto que libera mineração em terra indígena, mas um acordo do presidente Arthur Lira (PP-AL) com a oposição adiou a votação do mérito do texto para abril, após a análise de um grupo de trabalho.

A votação ocorreu enquanto do lado de fora do Congresso era realizado o Ato pela Terra contra o que chamam de pacote da destruição, uma série de projetos criticados por ambientalistas.

A urgência foi aprovada por 279 a 180 —precisava da maioria absoluta de deputados para passar (pelo menos 257). Antes da votação, Lira anunciou a criação de um grupo de trabalho para debater a proposta, que deve ser votada em plenário até 14 de abril.

Durante a sessão, Lira disse que, desde terça (8), negociava um acordo com líderes da base e da oposição sobre a votação do projeto.

"Nós avançamos com relação à base e oposição. Como não temos instaladas comissões, nós iremos autorizar a formação de um grupo de trabalho, em tese, composto de 20 deputadas e deputados, na proporção de 13 membros da maioria e 7 membros da minoria, com um prazo acertado entre líderes da base e líderes da oposição em 30 dias, para que o projeto venha a plenário em meados da primeira quinzena de abril, mais ou menos entre os dias 12 e 14", disse.

Os membros do grupo serão indicados pelos partidos até sexta-feira (11).

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) criticou a aprovação da urgência. "A boiada passando mais uma vez. Começou a temporada de invasão de terras indígenas e uma nova corrida do ouro. Perdem o meio ambiente e os direitos humanos", disse.

Ainda que passe na Câmara, a expectativa é que o Senado segure a votação do projeto, a exemplo do que fez com outros textos controversos, como o que trata de regularização fundiária e o de licenciamento ambiental.

No ato de artistas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que não vai atropelar a discussão sobre os projetos. "Nenhum deles foi objeto, da minha parte, de um açodamento para se colocar no plenário do Senado Federal e assim não será", disse.

"Nenhum desses projetos será diretamente pautado no plenário do Senado Federal sem a apreciação e tramitação devida no âmbito das comissões permanentes e temáticas da casa."

Na avaliação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto é absolutamente desnecessário. Ele rechaça o pretexto oficial usado pelo governo para pressionar pela aprovação da urgência —uma eventual crise de fornecimento de fertilizantes provocada pela guerra na Ucrânia.

"Não existe nenhuma demanda real de fertilizantes que vá ser atendida por uma eventual mineração em terras indígenas. O que existe é um compromisso do governo Bolsonaro com os criminosos que trabalham com especulação imobiliária e grilagem de terras", disse.

"O meu estado de Sergipe tem todas as condições e é a única fábrica do Hemisfério Sul de potássio, em andamento. Você precisa investir lá, onde dano e risco ambiental já foram precificados. Abrir agora uma seara de implantação de minas na região amazônica sem nenhum tipo de estudo mais qualificado não tem nenhum efeito, a não ser esse, de especulação e destruição do meio ambiente."

O MPF (Ministério Público Federal) aponta "vício insanável", "falácia" e "patrocínio de conflito de interesses" no projeto e prevê contestação da lei, em caso de aprovação pelo Congresso, nas mais de dez ações movidas na Justiça Federal contra exploração de garimpo em territórios demarcados na Amazônia.

De interesse direto de Bolsonaro, o projeto foi apresentado ao Congresso pelo ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, e pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, hoje desafeto do presidente e pré-candidato à Presidência.

Procuradores da República com atuação na região da Amazônia afirmaram à reportagem que, caso o projeto de lei prospere, o MPF seguirá contestando iniciativas de mineração em terras indígenas.

Para isso, o procedimento previsto é uma arguição de inconstitucionalidade incidental, em que as ações apontariam a lei como inconstitucional, para que a Justiça, então, decida o mérito da causa.

O MPF já moveu ações civis públicas contra requerimentos de mineração em terras indígenas na Amazônia, protocolados na ANM (Agência Nacional de Mineração).

A prática da ANM é manter esses requerimentos suspensos, sem anulá-los, segundo o MPF. Há ações do tipo na Justiça Federal no Amazonas, Pará, Roraima e Amapá.

Outras ações contestam empreendimentos de mineração com impacto em terras indígenas vizinhas ou desenvolvidos em terras ainda não demarcadas.

Para o MPF, o argumento de Bolsonaro sobre a necessidade de terras indígenas para exploração de potássio –base para fertilizantes usados na agricultura em larga escala– não faz sentido, pois as minas com potencial de exploração ficam fora dessas áreas demarcadas.

"O estado de beligerância, de ameaça externa ou mesmo a declaração de guerra entre dois ou mais países não autorizam a diminuição do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, particularmente das minorias e de grupos vulneráveis", afirmam integrantes da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República).

O colegiado divulgou uma nota técnica na noite desta terça (8) em que aponta a inconstitucionalidade do projeto de lei.

Os subprocuradores-gerais que integram a câmara já elaboraram outras duas notas técnicas contra o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas, uma em 2020 e outra em 2021. O tom das duas notas também é de ampla crítica à proposta do governo Bolsonaro.

Segundo a câmara da PGR, há 4.000 procedimentos minerários que incidem em 216 terras indígenas. São basicamente pedidos para exploração por pessoas físicas e jurídicas, sem validade em razão da ilegalidade desse tipo de exploração.

O projeto de lei tratado como prioritário por Bolsonaro contém um "vício insanável", pois tenta regulamentar mineração em terras indígenas sem um prévio debate do Congresso sobre o interesse público da União, conforme o colegiado da PGR.

Falta uma lei complementar para isso, e por isso a proposta significaria um atropelo à Constituição Federal.

"Este projeto de lei patrocinou o conflito de interesses e direitos que estão pacificados no corpo da própria Constituição da República", afirmam os subprocuradores.

"Não pode o legislador ordinário baixar uma política minerária que derrogue todo um capítulo da Constituição, tornando letra morta dispositivos constitucionais que vieram a lume na Assembleia Nacional Constituinte, como instrumento de reparação de uma dívida histórica de séculos de opressão contra os povos indígenas no Brasil", dizem os integrantes da PGR.

O projeto de Bolsonaro parte de uma "premissa falsa" sobre a possibilidade de exercer a atividade econômica minerária em terras indígenas e se traduz em "falácia" ao fazer uma equivalência entre atividades econômicas e atividades estratégicas na mineração, argumentam.

Além de desrespeitar a Constituição, o projeto afronta a convenção número 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), uma vez que "não houve consulta prévia às comunidades indígenas afetadas", dizem os integrantes da PGR.