BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (29) um projeto de resolução do Congresso Nacional que busca atender a decisão do Supremo Tribunal Federal, a respeito das emendas de relator.

No entanto o texto ainda manteve o controle da distribuição das emendas na cúpula do Congresso e também reforçou que as medidas de transparência valem apenas daqui para frente --ou seja, mantém secreto os parlamentares que indicaram as chamadas emendas RP9 em 2020 e 2021.

O relator da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI), incluiu em seu relatório um item para tentar limitar o volume das polêmicas emendas de relator. Ela estabelece que o valor máximo das emendas de relator será o total das emendas de bancada e individuais impositivas.

A proposta orçamentária encaminhada ao Congresso prevê R$ 5,7 bilhões para as emendas de bancada e R$ 10, 5 bilhões para as emendas individuais.

O texto foi aprovado pelos deputados federais por 268 sim votos, 31 votos não e uma abstenção. Agora o projeto de resolução será analisado pelo Senado, em sessão ainda nesta tarde.

O projeto de resolução é uma das apostas da cúpula do Congresso, para tentar reverter decisão do Supremo Tribunal Federal que barrou as emendas de relator.

Com exceção do teto incluído pelo relator, o texto aprovado é basicamente a proposta antecipada pelo jornal Folha de S.Paulo, que circulou entre líderes da Câmara nas últimas semanas e que era capitaneada pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL).

Na mesma linha do ato conjunto das mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, publicado na quinta-feira da semana passada, o projeto de resolução aprovado estabelece novos critérios de transparência para as emendas.

No entanto, novamente, parlamentares apontam que não atende a decisão da ministra Rosa Weber, depois confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Isso porque estabelece que as medidas de transparência passarão a valor apenas a partir da edição do projeto de resolução do Congresso Nacional - desconsiderando a distribuição de emendas dos últimos dois anos.

A proposta aprovada pelos deputados também não muda em nenhum ponto o atual poder do governo e da cúpula do Congresso de privilegiar determinados deputados em detrimento de outros, nem de patrocinar repasses em períodos de votação de grande interesse do governo.

"Eu não trato dessa questão na resolução, porque a resolução não é o lugar próprio para tratar disso. O lugar próprio para a gente tratar de equidade e critérios é no parecer preliminar. Então agora, nessa semana, na próxima semana nós vamos votar o parecer preliminar na comissão mista do orçamento que é a comissão composta para fazer o orçamento, que vai estabelecer as normas de como vai fazer e as normas de como executar", afirmou Marcelo Castro.

O texto do relator regulamenta as emendas de relator, ao acrescentar um dispositivo que autoriza o relator-geral do orçamento a apresentar emendas que tenham por objetivo "a inclusão de programação ou o acréscimo de valores em programações constantes do projeto, devendo nesse caso especificar o seu limite financeiro total, assim como o rol de políticas públicas passível de ser objeto de emendas".

No entanto, em seguida inclui uma "trava", para que esse valor máximo seja o correspondente ao total das emendas de bancada e individuais impositivas.

"No entanto, com vistas ao aperfeiçoamento da proposição sob exame, consideramos importante que se estabeleça regra permanente para a determinação do valor máximo até o qual o relator-geral poderá apresentar emendas à lei orçamentária anual", afirma Castro, em seu texto.

O relator rejeitou todas as emendas que foram apresentadas ao texto, sendo que algumas delas previam a extinção das emendas de relator.

Durante a sessão, a oposição tentou obstruir a votação, alegando que a proposta de resolução configurava uma ilegalidade pois desrespeitava a decisão do Supremo Tribunal Federal. Ainda argumentam que os prazos regimentais foram todos violados.

Em uma dura fala, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que a questão vai voltar a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal, pois se trata de uma votação inconstitucional e atacou Lira e Pacheco.

"Lamento muito ser vossa excelência [vice-presidente Marcelo Ramos] a presidir essa sessão. Sua biografia não é compatível com a presidência dessa sessão específica. Essa sessão é formalmente inconstitucional. A solução encaminhada pelo colega Marcelo Castro se mostra inconstitucional e está na base porque evidentemente temos neste caso uma emenda parlamentar não prevista na Constituição sendo utilizada para manobras políticas em valores absurdamente elevados. A nova resolução consagra isso". afirmou.

Vieira então citou o ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, que disse que todas as soluções estavam no "ivrinho", em referência à Constituição. E que essa dava como opção recorrer ao STF para casos de "abuso" como aquela votação.

"É um acinte imaginar que o presidente do Senado, o presidente da Câmara tenham se unido para mentir ao STF. Porque é mentira que não é possível identificar autorias dos pedidos das emendas que movimentaram mais de R$ 30 bilhões nos últimos dois anos", completou.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou esperar que o Supremo reverta os termos do projeto de resolução, que ele qualifica como uma tentativa de transformar em algo "legal" um texto inconstitucional.

"Esse projeto não garante a transparência para dentro e também não garante a transparência para trás. O texto do senador Marcelo Castro não garante que saberemos quem fez as indicações de emendas", afirmou.

"E não basta fazer com transparência uma coisa errada", completou.

Por 8 votos a 2, o Supremo decidiu no dia 10 de novembro suspender "integral e imediatamente" o pagamento das verbas a deputados e senadores, além de determinar que o Congresso dê "ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso públicos", a todos os documentos relacionados à distribuição dessas verbas em 2020 e 2021.

A decisão atingiu em cheio o mundo político, abalando um esquema de negociação de verbas públicas que tomou corpo em 2020 e 2021.

Todos os anos, deputados e senadores têm o direito de direcionar verbas do Orçamento federal para obras e investimentos em seus redutos eleitorais. Para isso, contam com as chamadas emendas parlamentares individuais (definidas por cada um dos 594 congressistas) e coletivas (de bancadas estaduais, por exemplo). Elas são divididas de forma equânime entre os parlamentares e a execução pelo governo é obrigatória.

A partir do Orçamento de 2020, porém, a cúpula do Congresso começou a colocar em prática uma manobra com o objetivo de manter o seu poder de moeda de troca --se aproveitando da fragilidade política do governo Bolsonaro, que foi obrigado a abrir mão de parte da execução dessa verba.

Essa manobra se materializou por meio do relator-geral do Orçamento: um deputado ou senador que na maior parte dos casos apenas empresta o nome para a divisão da verba, que é decidida, na prática, pela cúpula da Câmara e do Senado.

Também nesta segunda-feira (29), uma nota técnica da Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal divulgou uma nota técnica na qual se afirma que é possível atender a demanda para divulgar a listagem de parlamentares que indicaram as emendas RP9.

O documento contraria a versão dada pelos presidentes da Câmara e do Senado, Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que haviam editado ato conjunto na quinta-feira estabelecendo novas regras de transparência dessas emendas, mas apenas a partir dos próximos orçamentos. Pacheco chegou a afirmar que era "inexequível" divulgar a lista.A nota técnica foi emitida após solicitação do líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O documento afirma que a decisão da ministra Rosa Weber não pede apenas regras genéricas de transparência. Afirma que a decisão do Supremo adentra o "mérito" da questão, defendendo critérios impessoais para a distribuição de emendas.

"Pede-se [na decisão do STF], portanto, que os recursos de RP9 sejam executados segundo critérios impessoais, e além disso o sejam com transparência", afirma a nota técnica.

"A decisão não fala de execução da emenda, mas do processo decisório antes da alocação do recurso, das 'demandas que embasaram a distribuição do recurso', das "solicitações/pedidos de distribuição de emendas", completa.

A nota técnica também acrescenta que a decisão do STF é totalmente clara ao falar que a transparência em relação aos orçamentos 2020 e 2021. E por isso o ato conjunto da cúpula do Congresso descumpre a decisão do Supremo. "E o Ato Conjunto declara textualmente que somente pretende abrir algum tipo de informação para o que for executado depois de sua vigência (portanto, abrangendo menos de um mês e uma semana do total de vinte e quatro meses exigido na sentença). Desde logo, portanto, o normativo assume o descumprimento formal e ostensivo da decisão", completa.

O documento também rebate a versão da cúpula do Congresso, que afirma ser impossível dar publicidade total aos parlamentares que indicaram emendas de relator, pois há "milhares de demandas recebidas".

"Se houve 'milhares de demandas' e os relatores-gerais encaminharam-nas na forma de indicações, algum tipo de procedimento organizativo tiveram para fazê-lo, e algum registro documental ou informacional mantiveram para seu próprio controle; caso contrário, teriam agido sem saber o que estavam fazendo (o que evidentemente não é o caso)", afirma o texto.

"Nada, absolutamente nada, obsta que sejam publicadas essas informações. Não há "impossibilidade fática", porque o que manda a liminar não é estabelecer retroativamente um procedimento para registro de demandas, mas sim divulgar os elementos e documentos que já existem. É isso o que se faz em todas as organizações quando se reúnem e divulgam documentos relativos a fatos pretéritos, atividade corriqueira da gestão documental", completa.