Calçadas são menores onde mais se anda a pé em São Paulo, diz estudo
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quinta-feira, 02 de setembro de 2021
WILLIAM CARDOSO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O pedestre que se aventura pelas calçadas da periferia de São Paulo anda, muitas vezes, no fio da navalha. O que separa o imóvel ou terreno do asfalto por onde passam os carros costuma ser uma tripa de concreto estreita, bastante acidentada e cheia de desníveis.
Nada mais distante do que os dois metros estabelecidos por decreto como uma largura segura para que a pessoa possa caminhar sem correr riscos.
Um estudo divulgado nesta semana pelo CEM (Centro de Estudos da Metrópole) mostra que as regiões onde há maior quantidade de deslocamentos feitos a pé são também aquelas com a menor largura das calçadas. Ou seja, onde se caminha mais é que as calçadas são mais estreitas. De forma geral, são bairros da periferia de São Paulo como Brasilândia (zona norte), Guaianases, Cidade Tiradentes, Sapopemba (todos na zona leste).
A realidade descrita em números é conhecida por quem precisa andar pela avenida Deputado Cantídio Sampaio, na Brasilândia. "Tem um cadeirante que vem direto e a gente precisa ajudar a atravessar, porque a calçada é estreita e tem um poste no meio. A gente para o trânsito para ele poder passar pela rua mesmo", afirma o comerciante Adriano Caetano, 33.
Ele já fez até um orçamento para melhorar, dentro do possível, a sua própria calçada, mas o pedreiro mais em conta cobrou R$ 15 mil para nivelar os 20 metros de comprimento. "Na pandemia, do jeito que as coisas estão, não é fácil", conta.
No bairro como um todo, o que o comerciante vê é aquilo que a lei não dá conta de cobrir. "Tem pedaço aqui que não tem nem 50 centímetros. Em outros, o pessoal faz o puxadinho da garagem ou a calçada está destruída mesmo", diz.
Líder comunitário das regiões da Cachoeirinha e Brasilândia, Henrique Deloste afirma que a prefeitura deveria ser mais dura no cumprimento das normas em relação às calçadas. "Exigir de quem tem condição e fazer para quem não tem, cobrando de outra forma depois. O importante seria resolver esse tipo de problema", afirma. "A Brasilândia é campeã nesse ponto. É um problema antigo, que já deveria ter sido resolvido", conta.
Como o crescimento da cidade se deu de forma desordenada e antigas ocupações acabaram se tornando bairros, a resolução do problema é complexa. "Alguns locais nem calçada têm, porque são irregulares mesmo. Mas, se o poder público quiser, ele mesmo pode entrar em ação e fazer", afirma Deloste.
O decreto nº 59.671, de 2020, define os critérios para a padronização de calçadas no município e determina que elas devem contar com uma largura mínima de aproximadamente 2,0 metros, sendo 1,20 m de faixa livre, 0,7 m de faixa de serviço (trecho onde são colocados o mobiliário urbano, como postes e bancos) e 0,15 m de guia. Isso para serem adequadas ao deslocamento seguro dos pedestres.
Tendo isso como base, os responsáveis pela nota técnica do CEM usaram a base de dados do Geosampa para traçar os comparativos. Foi assim que se chegou à conclusão de que grande parte das calçadas com mais de três metros de largura estão na região central, na zona oeste e em bairros mais ricos da zona sul, justamente onde menos se caminha na cidade.
Com os dados em mãos, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a prefeitura precisa atender às recomendações feitas pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo, de 2014, pelo PlanMob (Plano de Mobilidade), de 2015, e pelo Estatuto do Pedestre, de 2017.
De forma geral, eles estabelecem um aumento de responsabilidade por parte da prefeitura na gestão das calçadas, incluindo a ampliação de instrumentos para fiscalização. O PlanMob, por exemplo, determina que a periferia seja priorizada na construção, reforma e adequação das calçadas, por ter baixa renda e alto percentual de deslocamentos a pé.
Segundo os pesquisadores, o sistema de circulação de pedestres pode contar com parte dos recursos do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), dinheiro que poderia ajudar a resolver o problema em locais onde as pessoas não têm condições.
Professora de geoprocessamento da Poli-USP e coordenadora de desigualdades relacionadas ao transporte público, do CEM, Mariana Giannotti afirma que a prefeitura precisa melhorar a gestão de dados e as questões legais relacionadas às calçadas. A responsabilização precisa ser revista e a coleta de dados também. No fundo, isso é muito pouco olhado, diz.
O transporte ativo não pode ser interpretado como individual. O raciocínio é coletivo, diz o arquiteto e urbanista Fernando Gomes, que participou do projeto. Tem a ver com a democratização do espaço. É o mais autônomo dos meios, não depende de nada, de ninguém, afirma.
A prefeitura diz que definiu, em 2019, por meio do decreto nº 58.845, as rotas e vias a serem requalificadas pelo PEC (Plano Emergencial de Calçadas).
Segundo a administração municipal, trata-se de locais com grande circulação de pedestres em todas as 32 subprefeituras, como regiões de terminais de ônibus, ruas de comércio e pontos turísticos que hoje apresentam imperfeições, como desníveis e buracos.
A prefeitura afirma também que, para dar transparência ao plano, disponibilizou no segundo semestre de 2019 as informações com as regiões contempladas na plataforma GeoSampa o mapa digital da cidade.
Por meio do PEC, a Secretaria Municipal das Subprefeituras requalificou (reformas para deixar a calçada adequada ao uso), até dezembro de 2020, 1.651.813 m² de calçadas em toda a cidade, com investimento de R$ 140 milhões. "As obras contemplaram as 32 subprefeituras e os reparos impactam positivamente a população em toda a cidade, diminuindo a desigualdade. Também foram construídas 4.000 rampas de acesso.
Segundo a prefeitura, a região que mais recebeu os serviços de requalificação em calçadas foi a zona leste, com 790.913,12 m². Na zona sul foram 372.893,87 m²; na zona norte 260.785,90 m²; na oeste, foram 173.821,16 m²; e na região central foram 53.398,47.
"As rotas definidas pelo PEC identificaram calçadas públicas e privadas em toda a cidade. As obras atendem as especificações definidas pelo Decreto Nº 59.671/20 e o Decreto N° 58.611/19, que também prevê sinalização visual e tátil", diz a administração municipal, em nota.