GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) - O arquipélago de Cabo Verde elegeu no último domingo (17) o ex-premiê de centro-esquerda José Maria Neves, 61, para a Presidência da República. Ativo na arena política cabo-verdiana desde que o país instituiu uma democracia parlamentar, em 1994, ele se torna o quinto presidente do país -e o quarto eleito pelo voto popular.

Com 99,4% das seções eleitorais apuradas, Neves, apoiado pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), de oposição, obteve 51,7% dos votos. Em segundo lugar ficou o também ex-premiê Carlos Veiga, 71, do Movimento para a Democracia (MpD), com 42,4%. Outros cinco candidatos, todos homens, disputaram o cargo.

No arquipélago africano -um dos nove membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa- é comum que o PAICV e o MpD se alternem no poder. O agora ex-presidente Jorge Carlos Fonseca, 70, pertencia à segunda legenda. Ele ocupava o cargo desde 2011, e a Constituição cabo-verdiana proíbe mais de dois mandatos consecutivos.

Conhecido por ter sido terreno fértil para a democracia, ainda que tenha se tornado independente de Portugal há apenas 46 anos, Cabo Verde lidera os Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) nos rankings mundiais de liberdades democráticas e não teve a posição abalada pela pandemia de coronavírus.

Um aspecto das eleições do último fim de semana, porém, despertou preocupação: a alta abstenção eleitoral. De acordo com dados oficiais, dos cerca de 396 mil inscritos para votar -as dez ilhas do arquipélago somam pouco mais de 589 mil habitantes-, apenas 190 mil (48%) compareceram às urnas. A abstenção foi elevada não apenas no território cabo-verdiano como também na diáspora, parte importante do país.

Dos cerca de 54 mil cabo-verdianos que vivem em outros países e estavam inscritos para votar, apenas 14 mil compareceram. No Brasil, quinta nação com mais imigrantes que se registraram para participar das eleições -atrás de Portugal, São Tomé e Príncipe, França e EUA-, 219 votaram, quando mais que o triplo estavam inscritos.

A missão da União Africana que acompanhou as eleições -foram 104 observadores internacionais, no total- elogiou o processo pacífico e organizado, mas aconselhou o novo governo a "trabalhar a abstenção para maior participação cívica" e "educar a população sobre seu papel", segundo informações do jornal local A Nação.

O novo presidente, José Maria Neves, terá o desafio de governar com um Parlamento com maioria do MpD, de centro-direita. Em abril, durante as eleições legislativas, a sigla renovou sua maioria por mais cinco anos e elegeu 38 deputados, contra 30 do PAICV e quatro da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID).

O atual premiê e presidente do MpD, Ulisses Correia e Silva, parabenizou Neves pela vitória e afirmou que irá trabalhar para "garantir a estabilidade política". No arquipélago, com regime semipresencial, o presidente é o chefe de Estado, eleito por voto popular. Já o primeiro-ministro é o chefe de Governo, responsável por escolher ministros e secretários.

Em seu primeiro discurso, Neves destacou o que chama de jornada cívica dos cabo-verdianos que, "nas ilhas e na diáspora, deram um grande exemplo de civismo". O recém-eleito presidente disse ainda estar ciente das dificuldades que enfrentará, a começar pelos impactos da pandemia.

Neves terá de guiar a retomada econômica do país, abalado pela crise sanitária. Antes da pandemia, o turismo era responsável por 25% das arrecadações de Cabo Verde, que teve de fechar as portas para estrangeiros. O PIB reduziu 14,8% ao longo de 2020, e muitos hotéis e restaurantes fecharam.

Desde o início da pandemia, o país acumulou 38 mil casos confirmados de Covid-19 e 347 mortes. Os números absolutos parecem irrisórios se comparados a países como o Brasil. Já a análise por milhão de habitantes mostra que, atualmente, o país tem média diária de 38 novos casos por milhão de pessoas -no Brasil, essa média é de 45, de acordo com dados da plataforma Our World in Data.

Ao todo, 30% da população do arquipélago está com esquema vacinal completo. A procura pelo imunizante aumentou em junho, quando foi anunciada a implementação de um certificado de vacina -o "nha card"- para acessar eventos públicos e espaços fechados.

O novo presidente tem laços com o Brasil -graduou-se em administração pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) na década de 1980. O movimento de cabo-verdianos migrando para estudar ou trabalhar no Brasil é comum.

Dados compilados pela Folha mostram que, nas últimas duas décadas, mais de 4.700 pessoas emigraram do arquipélago para cá, fazendo de Cabo Verde o quinto país de língua portuguesa com mais imigrantes registrados no Brasil no período. Somente nos últimos cinco anos, foram 824 novos cabo-verdianos registrados no país.

José Maria Neves foi deputado e vice-presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde de 1996 a 2000, presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina (na ilha de Santiago) de 2000 a 2001 e premiê, de 2001 a 2016.