SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Estamos há 15 quilômetros caminhando, faltam mais 15 para chegar até a fronteira", diz a brasileira Vitória Magalhães, que se reveza com o marido e um amigo para levar no colo o filho de três anos, Benjamin, e as bagagens.

Casada com Juninho Reis, jogador de futebol do time ucraniano Zorya Luhansk, ela postou nas redes sociais neste sábado (26) vídeos de sua tentativa de fuga do país em guerra. "Ainda faltam quatro horas de caminhada. A gente achava que eram 30 km, mas são mais. Não tem onde parar, não tem abrigo, não tem ajuda. O frio está bem intenso, se parar é pior, a gente não tem coberta. Vamos continuar."

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, na quinta-feira (24), Juninho e outros jogadores publicaram um vídeo que viralizou, pedindo ajuda para sair da cidade de Zaporizhzhya, onde moravam.

A última notícia que eles publicaram, no sábado à tarde no Brasil (noite na Ucrânia), foi de um café onde pararam para descansar, que fecharia às 22h. "Não temos para onde ir ainda, faltam três horas de caminhada, o frio está intenso, meu filho chora de frio, não sabemos o que fazer. Eu imploro por ajuda", escreveu Vitória.

Em outro vídeo postado nas redes sociais, o atacante Lucas Rangel, do Vorskla Poltava, também pediu ajuda neste sábado, na fronteira com a Polônia. "Paramos para comer alguma coisa. É a nossa primeira refeição do dia e aqui já são 17h15, depois de uma longa caminhada. Estamos com uma dificuldade muito grande para passar para o outro lado", disse Rangel. "Hoje de manhã fez menos 11ºC e não temos onde nos abrigar."

Surpreendidos pelos ataques russos por terra, mar e ar a várias regiões da Ucrânia e pelo confronto armado inclusive nas ruas da capital, Kiev, dezenas de milhares de civis deixaram suas casas às pressas e se deslocaram em direção às fronteiras, buscando segurança em outros países -especialmente a Polônia e a Romênia, membros tanto da União Europeia e da Otan, a aliança militar Ocidental.

Segundo a ONU e a Comissão Europeia, entre 100 mil e 120 mil pessoas se deslocaram na Ucrânia somente no primeiro dia da guerra, e ao menos 50 mil fugiram do país. Dependendo de como evoluir o conflito, estima-se que o êxodo possa chegar a 5 milhões.

Com o espaço aéreo fechado, a saída por terra é a única possibilidade. Mas no cenário de guerra, encontrar transporte é um desafio: faltam veículos, combustível, o toque de recolher dificulta o acesso aos trens e ônibus. Há relatos de que empresas de transporte privilegiam os ucranianos e se recusam a levar estrangeiros, e há quem precise percorrer longos trechos a pé.

Ao chegar à fronteira, começa outro périplo. Vídeos mostram filas quilométricas de carros e milhares de pessoas aglomeradas em frente a portões. Uma tabela compartilhada em grupos de ajuda a refugiados aponta uma espera de até 75 horas em alguns checkpoints da Polônia.

Com isso, a embaixada do Brasil na Ucrânia orientou os brasileiros que estiverem próximos à fronteira a procurarem abrigos temporários enquanto a situação nos postos de passagem se estabiliza.

"Há inúmeros relatos de enormes aglomerações, atrasos que chegam a durar dias, comportamento agressivo, falta de hospedagem e necessidades básicas", diz o comunicado, que também diz que os diplomatas estão "fazendo o possível para contatar as autoridades ucranianas", mas que o conflito dificulta a operação.

Governo brasileiro diz que enviará aviões O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse neste sábado que a embaixada já embarcou cerca de 40 brasileiros de trem para a cidade de Chernivtsi, próxima à fronteira com a Romênia. Segundo ele, o governo providenciará meios de transporte, como aviões comerciais ou da FAB, para o retorno ao Brasil.

Com tropas russas atacando Kiev, a cidade decretou toque de recolher até as 8h de segunda-feira. Os brasileiros que estão na capital são orientados pelo Itamaraty a se manterem abrigados em estações de metrô ou bunkers no subsolo e a não saírem às ruas em nenhuma hipótese. Eles receberam comunicados como este: "IMPORTANTE! As autoridades de Kiev alertam para ataques aéreos e pedem para as pessoas se abrigarem e atentarem para as sirenes".

Desde a sexta-feira, a embaixada tem informado sobre a saída de alguns trens até cidades próximas à fronteira, mas deixa claro que a avaliação de riscos cabe a cada um, já que a situação de segurança é instável.

Hospedados em um hotel na capital com suas famílias, um grupo de jogadores brasileiros da primeira divisão ucraniana partiu neste sábado (26) em um comboio de carros, identificados com bandeiras do Brasil, para embarcar em um trem para a Romênia.

Parte do deslocamento foi gravado e postado ao vivo por Maria Souza, mulher do zagueiro Marlon, jogador do Shakhtar Donetsk. Chorando, ela descreveu a situação como muito assustadora.

"Vai dar tudo certo. Agora estamos com três crianças e vou ter que desligar. Orem bastante pela gente. Nos vemos no Brasil, se Deus quiser", disse.

Aparentemente o grupo embarcou, pois o meio-campista Marcos Antônio, também do Shakhtar, publicou foto dentro de um trem ao lado de outros jogadores.

Grupo de jogadores brasileiros em trem que liga Kiev à fronteira com a Romênia Reprodução/Facebook **** A embaixada do Brasil na Romênia anunciou que levaria um ônibus até a fronteira para levar os brasileiros vindos da Ucrânia para Bucareste.

Na Polônia, o governo anunciou pontos de acolhimento para os refugiados, com estrutura para que os refugiados possam dormir, comer e receber assistência médica -um acolhimento que contrasta com o que foi dispensado a fluxos migratórios anteriores, formados por refugiados do Oriente Médio e do Afeganistão. "Quem estiver fugindo de bombas, das armas russas, pode contar com o apoio do governo polonês", declarou Mariusz Kaminski, ministro do Interior.

Segundo a descrição do jornal The New York Times, policiais poloneses distribuíam frutas, donuts e sanduíches aos ucranianos recém-chegados.

Brasileiros na Europa oferecem carona e hospedagem a refugiados No lado polonês da fronteira, centenas de voluntários levam doações e oferecem carona aos refugiados. Entre eles, a empresária brasileira Clara Magalhães, 31, que foi de carro da Alemanha, onde mora, até a cidade de Medyka.

Ela criou a Frente BrazUcra, grupo no Telegram para ajudar brasileiros e outros latino-americanos que querem deixar a Ucrânia com informações, ofertas de hospedagem gratuita e outros auxílios.

O ritmo das postagens é frenético. São mensagens como estas: "Fronteira com a Romênia, alguém? Tem brasileiros no trem com crianças, estão a caminho"; "Precisamos de ajuda. Meus sogros estão em Lviv e não falam nem inglês nem ucraniano"; "A mãe da minha namorada está morrendo de frio. Preciso de ajuda, por favor"; "Cinco pessoas vão descer do trem e não sabem como vão chegar à fronteira. Estão com um bebê".

Um documento compartilhado traz listas de trens que saem de Kiev, checkpoints na fronteira e pontos de ataques recentes, além de rotas seguras e aquelas a serem evitadas. O grupo criou uma vaquinha online para ajudar nos gastos.

A psicanalista Mary de Jesus, que mora na Polônia, é responsável por conectar refugiados que precisam de ajuda com as que têm algo para oferecer no país. Ela diz que uma das dificuldades é que as informações sobre a fronteira mudam o tempo todo.

"Tem hora que só deixam entrar pessoas a pé se tiverem alguém esperando-as do outro lado para dar carona, por exemplo. Por isso, temos uns cinco ou seis voluntários dirigindo até cada um dos pontos de entrada", relata.

O Itamaraty respondeu à Folha que "presta toda a assistência cabível" aos cidadãos na Ucrânia e que cerca de 250 brasileiros se cadastraram até agora no formulário de registro da embaixada.

Segundo a nota, as embaixadas em Kiev e em Bucareste coordenam a operação de retirada dos brasileiros via Romênia e têm contato direto com o chefe da estação central de trens de Kiev, com autoridades locais em Chernivtsi e autoridades migratórias romenas. O ministério não informou se auxilia na saída pela Polônia.