RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta segunda-feira (1º) que a Petrobras prepara novo reajuste no preço dos combustíveis e que o governo federal quer usar os dividendos recebidos pelos lucros da estatal para reduzir o preço do diesel.

As declarações foram dadas em entrevista às redes de TV CNN e Record durante visita à cidade italiana de Anguillara Vêneta —de onde emigraram seus bisavós e onde recebeu um título de cidadão honorário. Bolsonaro não disse, porém, como os recursos seriam usados na redução do preço do combustível.

"A Petrobras já anuncia, eu sei extraoficialmente, um novo reajuste daqui a uns 20 dias. Isso não pode acontecer. A gente não aguenta porque o preço do combustível está atrelado à inflação", afirmou o presidente.

Em nota divulgada após a repercussão da entrevista, a Petrobras negou que tenha antecipado informações sobre reajustes e afirmou que não há nenhuma decisão tomada sobre futuros aumentos.

"A Petrobras reitera seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato das volatilidades externas e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais", disse a estatal.

As ações preferenciais da Petrobras, que foram as mais negociadas do pregão, subiram 2,75% nesta segunda. A Bolsa de Valores brasileira fechou em alta de 1,98%, a 105.550 pontos. O dólar avançou 0,49%, a R$ 5,6700. Na última sexta-feira (29), os papéis caíram 5,90% após o lucro da estatal ter sido alvo de críticas de Bolsonaro na véspera.

Na entrevista, Bolsonaro afirmou que os preços dos combustíveis serão sua prioridade na volta ao Brasil. Segundo ele, o governo não tem interesse na parcela de R$ 23,3 bilhões a que tem direito dos dividendos já anunciados pela Petrobras este ano.

"No tocante aos rendimentos que a Petrobras dá ao governo federal, não me interessa esses recursos. Tenho conversado com [Ministro da Economia] Paulo Guedes. Nós queremos que isso seja revertido diretamente em diminuição do preço do diesel na ponta da linha", afirmou.

O preço do diesel nas refinarias já subiu 65% no ano, levando o combustível a preços recordes nas bombas e gerando grande insatisfação entre transportadoras e caminhoneiros. Nas últimas semanas, empresas e trabalhadores promoveram paralisações em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e no Pará.

Nesta segunda, caminhoneiros autônomos tentaram iniciar uma greve nacional pelo país, mas o movimento teve pouca adesão, sem efeitos no tráfego nas rodovias ou no abastecimento de produtos.

"Essa semana vai ser um jogo pesado com a Petrobras. Eu indico o presidente, passa pelo conselho, e tudo de ruim que acontece lá cai no meu colo. O que é de bom, nada cai no meu colo", reclamou o presidente, que voltou a falar em estudos para privatizar a companhia.

"Pedi para o Paulo Guedes começar a tomar as medidas para ir por parte tirando das garras do Estado a Petrobras", afirmou, ressaltando que seria um processo longo, que dificilmente seria encerrado no mandato atual, como já previsto por analistas consultados pelo jornal Folha de S.Paulo.

O presidente já vem falando do desejo de privatizar a Petrobras desde antes do anúncio do resultado da companhia no terceiro trimestre, quando a empresa comunicou ter acumulado lucro de R$ 75,1 bilhões nos nove primeiros meses de 2021.

Com o bom desempenho, a empresa dobrou o montante de dividendos previsto para o ano, anunciando o pagamento de mais R$ 31,8 bilhões. Em entrevista após o balanço, admitiu que o valor pode subir, caso o resultado do quarto trimestre seja positivo.

No mesmo dia, o presidente havia defendido um "viés social" para a Petrobras e afirmou que a empresa deveria lucrar menos. No dia seguinte, a Petrobras defendeu que seu lucro retorna à sociedade, sob a forma de impostos, investimentos e dividendos para a União, seu maior acionista.

Bolsonaro já havia sugerido a criação de um "fundo regulador" para estabilizar o preço dos combustíveis utilizando dividendos da Petrobras pagos à União. Em setembro, afirmou que conversou sobre a possibilidade com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano.

O Congresso tem diversos projetos de lei sobre o assunto. O objetivo desse fundo seria subsidiar os preços em momentos de alta no mercado internacional. O gasto seria compensado pela arrecadação excedente em momentos de petróleo barato.

Especialistas consultados pela reportagem entendem que é viável elaborar uma política pública para suavizar o efeito das oscilações das cotações do petróleo e do câmbio sobre os preços dos combustíveis. Mas a medida dependeria de previsão orçamentária.

"Se vai usar dividendos da União, é alocação de recursos da União", diz o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados. "Não pode mexer nos recursos sem previsão. Qualquer despesa tem que ter justificativa, fonte de financiamento."

Ele acredita que a ideia da criação de um fundo pode ter o efeito de suavizar as oscilações, mas defende que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) deve criar uma fórmula com referência em preços internacionais para dar transparência e previsibilidade na gestão desse fundo.

O ex-diretor da ANP Décio Oddone lembra que o Brasil é exportador de petróleo e ganha com a alta das cotações internacionais. Essa arrecadação adicional, diz, poderia ser usada para compensar aumentos de preços por meio da redução de impostos.

"A questão é, se em tempos de transição energética, de carência de recursos para a redução da desigualdade, e de busca de aumento da produtividade da economia, esse seria o melhor destino para os ingressos extraordinários", escreveu em capítulo sobre o tema no livro "Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil".

O Brasil consome cerca de 55 bilhões de litros de diesel por ano. Se o governo decidisse usar, por um ano, todos os dividendos recebidos em 2020 para abater o preço do produto, daria um desconto de R$ 0,42 por litro — na semana passada, o diesel era vendido, em média, por R$ 5,211 no país.

Em 2018, para encerrar a greve dos caminhoneiros que parou o país por duas semanas, o governo Michel Temer garantiu um ressarcimento de até R$ 0,30 por litro (o equivalente a R$ 0,36 hoje) a refinarias e importadores durante seis meses.

O programa custou cerca de R$ 9 bilhões. Diferentemente do cenário atual, porém, naquele momento a paralisação teve apoio de empresas transportadoras, que se comprometeram com o governo a não aderir desta vez.

Na entrevista na Itália, Bolsonaro voltou a criticar governadores pelo modelo de cobrança do ICMS, que segundo ele incide sobre o preço final e é cobrado até mesmo sobre o valor dos impostos federais.

O presidente defendeu que o governo federal congelou impostos sobre a gasolina e o diesel e reduziu impostos sobre o botijão de gás mas os estados estão "com dinheiro sobrando" pelo aumento da arrecadação com combustíveis.

Na semana passada, um acordo entre os governadores congelou o preço de referência para a cobrança do ICMS pelos próximos três meses. Mas o mercado vê ainda um cenário de alta do petróleo que pode justificar novos reajustes nas refinarias.

Oliveira, da GO Associados, destaca que a desvalorização do real também tem tido grande impacto sobre os preços nas refinarias. E que esse cenário também é responsabilidade do governo federal.

"Quanto menos fizer interferência e gerar ruído, menos oscila o câmbio", afirma. "Pelas condições da balança de pagamentos, poderíamos ter um dólar hoje entre R$ 4,5 e R$ 5. Está no patamar atual por causa de ruído."

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Colaborou Janaina Cesar, de Pádua