SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pelos próximos dois meses, uma jiboia vai viver dentro de quatro paredes falsas numa sala de um galpão na Barra Funda, em São Paulo. Neste espaço, montado pelo artista João Loureiro, foram instaladas luminárias de teto para fornecer calor à cobra e também colocado um pouco de serragem para tentar recriar o ambiente natural do réptil.

Quem visitar a sala -parte de um novo espaço expositivo recém-inaugurado na cidade- nunca vai ver a cobra, mas saberá de antemão que o bicho está lá, tendo a ideia de um perigo invisível mas presente. Dependendo de como é interpretada, a obra "Serpente" pode remeter ao perigo da pandemia ou mesmo a um estado de ameaça constante provocado pelo governo Bolsonaro.

Pensado antes da pandemia mas só realizado agora, o trabalho é parte da exposição "Dizer Não", organizada por um grupo de quatro curadores vinculados ao Ateliê 397, um espaço independente de produção e pensamento sobre arte que existe há 20 anos. Eles convidaram 47 artistas para pensarem "o que a arte pode e se a arte pode alguma coisa num momento político desses", diz Thaís Rivitti, uma das curadoras.

"Essa exposição é para a gente se posicionar contra as políticas do governo [federal] em geral e em relação à arte, especificamente. Para começar, a extinção do Ministério da Cultura e uma certa insinuação sobre a atividade do artista ser a atividade do vagabundo, daquele que mama na teta do estado, a Lei Rouanet -a gente sabe que está tendo uma morosidade incrível para aprovar projeto na Rouanet", acrescenta Rivitti.

As obras, de artistas de várias gerações -de consagrados como Leda Catunda e Cildo Meireles a iniciantes como o pintor Bartô e a escultora Lícida Vidal- estão espalhadas pelos 1.200 metros quadrados de um galpão de dois andares na rua Cruzeiro, lugar que já abrigou uma gráfica e uma confecção e agora será a nova sede do Ateliê 397. Com paredes descascadas e aspecto industrial, os galpões trazem um certo charme decadente para o visitante, que não se sente no espaço protocolar de um museu ou comercial de uma galeria.

Como o nome da mostra indica, há uma série de trabalhos críticos ao governo. Daniel Jablonski imprimiu e colou numa parede 240 notas de repúdio emitidas por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Nacional de Secretários de Educação em relação a manifestações do presidente, numa obra potente que fala da força e do vazio do discurso ao mesmo tempo.

Mas há também peças mais ingênuas, como um boneco mambembe de papelão que baba Coca-Cola sem parar e abre a boca no ritmo de um discurso de Bolsonaro, sem no entanto dizer nada, do artista Pablo Vieira.

O discurso está presente por toda a mostra em obras textuais, a exemplo do trabalho da grafiteira MuitasKoisas, que escreveu em diversos pontos do espaço a palavra "negativa" em spray preto, numa caligrafia que remete às pixações dos muros da cidade.

Frases aparecem ainda em trabalhos sobre a pandemia -outro dos eixos da exposição-, como numa faixa gigante em que se lê "mãe na pandemia" e em cartazes com frases dos CEOs da Netflix e do Spotify celebrando os lucros astronômicos que tiveram durante o período de isolamento social.

Com o espaço em reforma para receber os novos inquilinos, algumas obras surgiram nesse processo e acabaram incorporadas à exposição. Ana Luiza Dias enterrou exaustores de ventilação removidos do teto de um dos galpões, como se o ambiente fosse virado de cabeça para baixo.

Embora se veja algo diferente no piso, no exato local onde as chaminés estão, não é possível enxergar os exaustores e tampouco haverá uma sinalização para esse trabalho, o que fala da invisibilidade do trabalho dos artistas hoje, diz a curadora.

"Dizer Não" é organizada de forma independente, com os próprios artistas montando os seus trabalhos, e há um financiamento coletivo em andamento. A meta é arrecadar cerca de R$ 20 mil para cobrir os custos de manutenção do espaço e do transporte e instalação dos trabalhos. Até agora, na data de inauguração, metade do valor foi arrecadado.

Uma das perguntas centrais da exposição é o que pode a arte contra a barbárie. Segundo Rochelle Costi, artista que tem uma de suas fotografias da série "Pratos Típicos" exposta, na qual se vê o prato de comida de um morador de rua da região que viria a ser a favela do Moinho, no centro de São Paulo, a arte "pode mostrar a barbárie de uma outra forma que não a notícia" e abrir os olhos do público. "Uma forma de se apreender o conceito da barbárie é através dos sentidos e não somente da razão."

DIZER NÃO

Quando Até 19 de setembro; quinta e sexta, das 14h às 18h; sábado e domingo, das 11h às 19h

Onde r. Cruzeiro, 802, Barra Funda

Preço Grátis

Link: https://www.instagram.com/dizernao/