SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Empresas do setor de bens de capital estão entre as principais empresas brasileiras com ações negociadas na Bolsa de Valores com algum tipo de exposição comercial mais direta aos mercados da Rússia e da Ucrânia, que enfrentam um momento de forte turbulência decorrente da guerra entre os países.

A catarinense Weg, cujos papéis fazem parte do índice de ações Ibovespa, além de Randon e Iochpe-Maxion, estão entre as principais companhias de capital aberto do mercado local que desempenham atividades comerciais na região, segundo levantamento de analistas de ações do BTG Pactual.

"Lembramos que os impactos diretos [para o mercado brasileiro] são pequenos, pois apenas as empresas de bens de capital têm exposição de vendas para a região hoje. No entanto, como de costume, a crescente instabilidade deve afetar os preços globais das commodities, trazendo impactos secundários para nossas teses de investimento", dizem os analistas do banco, em relatório.

Os analistas da XP Investimentos, por sua vez, apontam três grandes impactos para as empresas de bens de capital no contexto do conflito entre Ucrânia e Rússia: implicações inflacionárias, refletindo o aumento dos preços das commodities e a desvalorização do real; efeito da desaceleração da economia europeia nas empresas mais expostas à região; e aversão ao risco por parte dos investidores.

Apesar da exposição, os analistas assinalam que o impacto tende a ser limitado --no caso da fabricante de motores Weg, que tem um escritório comercial na Rússia, por exemplo, os negócios na região representaram apenas 0,3% do lucro líquido de R$ 3,6 bilhões registrado em 2021.

Analistas da XP enxergam nos papéis da Weg um caráter mais defensivo dentro do setor. No entendimento dos analistas, apesar da redução da demanda pelos motores da empresa frente a uma inflação global mais pressionada, a Weg tende a se beneficiar de uma eventual desvalorização do real, dado o forte perfil exportador do negócio, em especial para os Estados Unidos.

As ações da Weg operaram em alta firme durante toda a sessão da Bolsa nesta quarta (2) e fecharam com ganhos de 2,89%, a R$ 30,25.

"A Weg apoia todos os movimentos que pregam a paz e buscam soluções pacíficas para o conflito. Estamos presentes na Rússia através de uma filial comercial para a distribuição de produtos fabricados em outros países. Até que fiquem claras todas as implicações do conflito e a extensão das sanções internacionais, novos negócios com a Rússia estão suspensos", diz a empresa em nota.

Os analistas do BTG Pactual destacam ainda que a Randon também vende produtos para a região do Leste Europeu, mas em uma proporção que representa igualmente apenas 0,3% das vendas da empresa, que reportou receitas de R$ 9 bilhões no ano passado, uma alta de 67% ante 2020.

As ações da fabricante de carrocerias, reboques e vagões ferroviários fecharam o pregão na B3 em queda de 1,51%, a R$ 10,45. Procurada, a empresa informou que não iria comentar.

Os analistas da XP dizem que, embora a depreciação do real possa beneficiar as exportações da empresa, a redução da demanda induzida pela inflação no Brasil e as pressões de custos sobre os aumentos de matérias-primas podem ter papel preponderante para os próximos resultados operacionais.

"Embora valha ressaltar a exposição da Randon ao agronegócio, potencialmente beneficiado por preços mais altos de commodities, que deveria compensar parcialmente este ambiente econômico mais desafiador no Brasil", salientam os especialistas.

Com relação à Iochpe-Maxion, os analistas do BTG Pactual dizem que a empresa também comercializa rodas no mercado do Leste Europeu, mas, mais uma vez, o negócio representa apenas uma fração de suas vendas consolidadas. "Assumimos que é tão pequeno quanto as outras empresas, portanto, abaixo de 1%."

Os analistas da XP, por sua vez, assinalam que a Iochpe-Maxion é a empresa mais exposta ao continente europeu e, portanto, a que tende a ser mais impactada pelos conflitos na região do Leste Europeu dentro do setor.

Eles lembram que a empresa conta com uma planta industrial na Turquia que tem um importante papel no fornecimento de seus produtos para a Europa Ocidental e Oriental.

"As perspectivas de rentabilidade da empresa podem ficar sob pressão, se os preços do alumínio e do aço subirem em um cenário de restrição de oferta."

A Iochpe-Maxionviu os papéis na Bolsa recuarem 0,92%, para R$ 12,94.

Procurada, a empresa informou estar em período de silêncio por conta da divulgação dos resultados trimestrais no dia 9 de março.

Entre os efeitos indiretos trazidos pela guerra na Ucrânia para as empresas brasileiras com ações na Bolsa, os analistas do BTG Pactual afirmam que eles devem estar relacionados principalmente ao aumento dos preços das matérias-primas de um modo geral.

"O aumento dos preços do petróleo representa uma pressão de custo adicional para companhias aéreas, e lembramos que o segmento está operando com baixos níveis de hedge [proteção] de petróleo atualmente", dizem.

"Informamos que nossas associadas não operam voos que tenham como destino final a região do conflito e acompanhamos com atenção os impactos nas cotações do dólar e do petróleo, que podem aumentar ainda mais os custos do setor aéreo", diz a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), em nota.

"Nesse período de alta temporada de verão no Brasil, a maioria dos clientes prefere viajar dentro do país. Por enquanto não há impacto nesse sentido", afirma a empresa de viagens CVC.

As ações da Gol fecharam a sessão desta quarta em baixa de 3% e as da Azul recuaram 1,78%, enquanto os papéis da CVC tiveram variação negativa de 2,63%.

O Ibovespa, principal índice de ações do mercado local, registrou valorização de 1,80%, aos 115.173 pontos, impulsionado por exportadoras de commodities como Vale e Petrobras.

"A Petrobras não tem ativos na Rússia, nem importa combustíveis deste país, portanto, não vemos impacto direto em nossas operações de importação para suprimento ao mercado brasileiro", diz a estatal. Procurada, a Vale não comentou.

Os analistas do Itaú BBA avaliam que a guerra na Ucrânia deve elevar os custos de empresas brasileiras do setor de alimentos e bebidas que dependem de matérias-primas como trigo e milho, esse último utilizado como ração para animais.

"Nem preciso dizer que haverá volatilidade no mercado de capitais e isso impõe cautela, mas, de forma geral, permanece uma leitura otimista [para o mercado local], apesar dos horrores deste conflito", afirma André Perfeito, economista-chefe da Necton.

"Vemos o Brasil como um mercado que deve sofrer menos do que os outros por conta da grande exposição a commodities. Além disso, devemos nos beneficiar de um fluxo positivo de investidores diminuindo exposição à Rússia", dizem os analistas da XP. "A melhor estratégia a seguir nesses momentos é ter caixa, se manter investido, manter a diversificação na carteira e a calma."