SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A investigação da PF (Polícia Federal) sobre um suposto superfaturamento de ventiladores pulmonares comprados pela gestão João Doria (PSDB) aponta que empresários envolvidos no negócio tentaram efetivar transações de US$ 2,43 milhões (R$ 12,8 milhões) e foram impedidos por bancos em razão de indícios de fraudes em movimentações bancárias.

A PF identificou falta de movimentação em conta bancária usada para transações; repasses de empresas com indícios de serem de fachada; e uma "tipologia clássica" de lavagem de dinheiro, relacionada a um dos investigados, com uma conta servindo como "camada" para a movimentação de recursos.

Na manhã desta terça-feira (22), a PF cumpriu seis mandados de busca e apreensão nos endereços de quatro empresários e duas empresas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Eles são suspeitos de crimes investigados pela PF na negociação de ventiladores pulmonares à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em abril de 2020, ainda no começo da pandemia de Covid-19.

Em nota, a secretaria afirmou que a compra dos respiradores foi essencial no início da pandemia e salvou vidas, "em um momento de inércia do governo federal, que bloqueou o mercado interno e não distribuiu equipamentos aos estados".

"A administração estadual não poderia ficar de braços cruzados diante de uma necessidade tão urgente. Essa decisão acertada evitou que São Paulo tivesse as tristes cenas que aconteceriam depois em Manaus, com a falta de fornecimento de oxigênio", disse.

Os aparelhos foram comprados com dinheiro do tesouro estadual e não se pode falar em sobrepreço, conforme a nota. "É impossível comparar preço praticado hoje no mercado com o cenário de abril de 2020, momento de escassez de ventiladores no país e no mundo."

Uma empresa com sede na China forneceu os equipamentos, tendo como intermediária e contratada uma empresa norte-americana com sócios brasileiros, a Hichens Harrison Capital Partners.

A Hichens Harrison Consultoria Financeira tem sede no Brasil e os mesmos sócios, segundo a PF.

A ideia inicial era uma compra de 3.000 ventiladores pulmonares. O negócio ficou em 1.280 ventiladores, a um custo total de R$ 242,2 milhões. A transferência do dinheiro foi feita em abril de 2020.

Segundo a PF, houve superfaturamento e dano estimado de R$ 63,3 milhões. O preço a mais foi identificado por TCE (Tribunal de Contas do Estado), CGU (Controladoria-Geral da União) e peritos criminais federais, conforme a polícia.

Outras suspeitas investigadas são de direcionamento da contratação e episódios de lavagem de dinheiro.

No mesmo dia da primeira transferência feita, 15 de abril de 2020, um representante da Hichens Harrison Consultoria tentou em uma instituição financeira efetivar o recebimento de um câmbio da Hichens Harrison norte-americana, no valor de US$ 2,2 milhões, o que foi recusado pelo banco "diante dos diversos indícios de movimentação fraudulenta".

Logo após a segunda transferência relativa ao contrato, houve uma nova negativa de operação de câmbio. O empresário Basile George Pantazis tentou enviar US$ 200 mil a um empresário no Brasil, Carlos Alberto Damião, a título de "recebimentos de comissões de vendas", o que também foi negado, conforme a PF.

As informações usadas pela PF aparecem em RIFs (relatórios de inteligência financeira), do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Pantazis foi representante da negociação dos ventiladores pulmonares no Brasil, segundo a PF. Damião foi copiado num email do processo de compra, conforme a polícia.

"A Hichens Harrison negociou no mundo inteiro, com os mesmos preços, inclusive nos EUA. Ela teve prejuízos, na verdade. Não houve fraude, não há materialidade de crime. Isso [a operação da PF] foi pura política", disse o advogado da empresa, Reinaldo Rayol Junior.

Advogado de Pantazis, Daniel Gerber afirmou que as transações foram feitas dentro das regras do sistema financeiro nacional, com identificação de emissor e recebedor. "As transações foram regulares, realizadas sem nenhuma tentativa de ocultar. A acusação é absolutamente fantasiosa, pois se tratam de elementos normais de comércio exterior."

A reportagem não localizou a defesa de Damião.

Superfaturamento, direcionamento de contratação e remessas de valores para contas de empresas intermediárias no exterior podem indicar lavagem de dinheiro do tipo "kickback", em que valores retornam a agentes públicos, segundo a PF. A investigação, até agora, não encontrou provas sobre pagamentos de propina a funcionários públicos.

A PF afirmou ainda que há indícios de que a Hichens Harrison brasileira recebeu depósitos de empresas de fachada e que conta da empresa ficou sem movimentação bancária entre maio de 2019 e abril de 2020.

Um dos investigados, Carlos Damião, recebeu 139 transferências bancárias de Jacqueline Coutinho Torres, no valor de R$ 910,8 mil. Damião declarou no imposto de renda de 2020 ter uma dívida de R$ 904,2 mil com Torres.

Segundo a PF, Torres foi esposa de Flávio Maluf, filho do ex-deputado Paulo Maluf. A polícia disse que não se observou nenhum fato que justifique o empréstimo.

A conta de Damião, conforme a PF, serviu apenas como uma "camada" para impedir a identificação do destino dos recursos, uma "tipologia clássica" de lavagem de dinheiro.

A reportagem não localizou a defesa de Torres.