PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Enquanto a Semana de Moda de Paris atinge seu auge ao mesmo tempo em que a escalada militar no Leste Europeu assume contornos dramáticos para o povo ucraniano, um ex-refugiado da guerra étnica que devastou a Geórgia soviética nos anos 1990 falou alto neste domingo (6).

Demna Gvasalia, o diretor criativo e estilista da Balenciaga, levou à cidade um desfile-protesto contra a invasão russa, uma memória ainda viva de sua infância em Sukhumi, na então capital da Abecásia.

Assim como teve de fugir com os pais e, como ele mesmo já disse, ter perdido o lar e se sentir um "eterno refugiado" por isso, o georgiano colocou os modelos em plena tempestade de neve cenográfica montada numa enorme caixa de vidro.

Tentando simular a dificuldade de se atravessar as fronteiras durante o inverno, como aconteceu nos últimos dias com os mais de 1,5 milhão de ucranianos sem lar, segundo dados da Organização das Nações Unidas, o vento forte e os flocos caíam sobre os modelos dificultando seus passos e embaçam a visão. Inclusive de quem assistia, porque, aqui, as roupas eram o de menos.

Em sua maioria tingidas de preto, amarrotadas e rasgadas de forma assimétrica, as peças carregavam texturas, como escudos para bloquear o frio, golas e detalhes utilitários para o enfrentamento de situações extremas.

O legado do estilista de explorar os volumes e o jogo de proporções que deslocam a silhueta estavam ali, mas diluídas numa imagem de moda política.

Quando as cores apareciam, era detalhes acesos, elétricos, como as roupas sinalizadoras feitas para chamar a atenção das pessoas de que no meio do breu há alguém pedindo ajuda.

Nas mãos, havia bolsas do tipo saco, fechadas com nós daqueles que se dão no lixo. Foram criadas como remendos para carregar apenas o essencial no momento da fuga.

Logo após os últimos modelos cruzarem o chão de neve, a mensagem de Gvasalia passou a ser literal. Um homem de amarelo, e uma mulher, de vestido azul, exibiram o real motivo de ele ter preferido desfilar em vez de cancelar sua apresentação em protesto contra a guerra, como quase fez.

"Decidi que não posso mais sacrificar partes de mim para essa guerra de ego sem sentido e sem coração", escreveu sobre o sentimento de exibir sua moda em meio ao conflito.

As redes sociais logo foram invadidas por posts de fashionistas com a camiseta-protesto. Entre elas esteve a atriz Salma Hayek, mulher de François-Henri Pinault, dono do grupo Kering detentor da marca, que dividiu os holofotes com a convidada de honra, a socialite Kim Kardashian.

Amiga de Gvasalia, Kardashian foi ao evento trajada com um vestido feito todo de fitas adesivas daquelas amarelas usadas para cenas de crime. Em vez das listras pretas, porém, lia-se Balenciaga por toda a extensão do material.

É que embora ele pareça ter expurgado os próprios demônios sobre seu passado nesta apresentação, também quis mostrar ao mundo que parte da moda, ao tentar manter as aparências de normalidade, acaba por se transformar num lugar de absurdos digno de risos fora de contexto.