BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Mesmo sem haver regulamentação sobre ensino domiciliar no país, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou nesta quinta-feira (10) um projeto de lei que altera o Código Penal para excluir do crime de abandono intelectual as famílias que adotem a modalidade.

O projeto foi uma manobra de deputadas bolsonaristas para tentar abrir caminho para o ensino fora da escola sem que haja necessariamente respeito às regras e obrigações sobre a modalidade --cujos detalhes estão em discussão em outro projeto em trâmite na Câmara. O avanço com a mudança no Código Penal foi criticado pela oposição sobretudo por ainda não haver essa regulamentação.

A iniciativa de alteração do Código Penal foi liderada pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da CCJ. O texto é de autoria dela ao lado das parlamentares do mesmo partido Chris Tonietto (RJ) e Caroline de Toni (SC).

Agora, o texto segue para o plenário da Câmara. Isso não deve ocorrer, no entanto, antes de que a regulamentação do ensino domiciliar seja apreciada de forma definitiva pelos deputados. Ambos os textos precisam passar pelo Senado antes de começar a valer.

A previsão é de que o projeto que define regras e obrigações para o ensino domiciliar, relatado pela deputada Luísa Canziani (PTB-PR), seja colocado em regime de urgência na segunda-feira (14) e vá direto ao plenário no dia seguinte.

O relatório finalizado nesta semana por Canziani, ao qual a reportagem teve acesso, mantém previsões de controles como a obrigação de seguir o currículo nacional, formação de nível superior dos pais, avaliações anuais e a possibilidade de perda do direito em caso de reprovações.

Essa nova versão admite um período de transição de dois anos para a formação superior dos país. O texto mantém a obrigatoriedade de vínculo com a escola, sem possibilidade de atuação formal de entidades que trabalham com o tema--essa era uma demandas de associações que defendem a modalidade.

Segundo parlamentares ouvidos pela reportagem, o governo Jair Bolsonaro apoia a relatório da deputada Canziani.

O ensino domiciliar é a única prioridade legislativa do governo na área de educação neste ano, dentro das chamadas pautas de costumes do governo. Isso tem sido criticado por especialistas por conta da falta de relação com os grandes desafios da educação brasileira.

Trata-se de uma pauta histórica de grupos religiosos. Por isso, o governo quer, com a aprovação, dar um aceno à sua base de apoio guiada por princípios cristãos e ideológicos.

Críticos apontam que o modelo é prejudicial para crianças e jovens ao impedir convívio e a oferta de uma educação integral que a escola permite. Ele ainda abriria espaço para uma educação sectária.

Defensores argumentam que a modalidade é um direito das famílias e que milhares de adeptos vivem em insegurança jurídica. As estimativas de famílias interessadas são incertas: em 2019, o governo divulgou que a medida afetaria 31 mil famílias, nota anterior falava em cerca de 5.000.

O Brasil tem mais de 47,3 milhões de estudantes na educação básica. Do total, 81% estão na rede pública.

Atualmente, o ensino domiciliar não tem respaldo legal, uma vez que é obrigatória a matrícula dos 4 aos 17 anos. O STF (Supremo Tribunal Federal) já considerou que a modalidade não é inconstitucional, contanto que seja regulamentada pelo Legislativo --daí o movimento para essa regulamentação.

O projeto das parlamentares bolsonaristas aprovado na CCJ nesta quinta altera o artigo 246 do Código Penal. O texto diz que é culpado de abandono intelectual aquele que "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar". A proposta inclui um trecho que exclui os pais que adotem o ensino domiciliar dessa tipificação.

Dos 59 deputados que participaram da sessão da CCJ, 35 votaram a favor e 24 contra.