SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As falas do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) contra os ministros do STF violaram os limites do direito à liberdade de expressão previsto na Constituição Federal, segundo constitucionalistas e criminalistas ouvidos pela reportagem.

Para eles, os ataques foram muito graves e nem mesmo a imunidade parlamentar conferida aos congressistas impede que o deputado federal responda criminalmente por suas ofensas e ameaças.

Além disso, o contexto de tensão entre os Poderes que marca o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) agrava a conduta de Silveira, dizem os especialistas.

O deputado federal foi preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes (STF), após ter publicado na internet um vídeo com ataques aos membros da corte na noite de terça-feira (16). Por unanimidade, a decisão de Moraes foi referendada pelo plenário do Supremo na tarde desta quarta-feira (17).

Em tom desafiador, no vídeo publicado em redes sociais, o deputado federal fez várias referências ao período da ditadura militar e falou em venda de sentenças e a possibilidade de agredir os ministros do Supremo.

Entre outras ofensas, Silveira chamou o ministro Alexandre de Moraes de "Xandão do PCC", em alusão à facção criminosa Primeiro Comando da Capital, e, ao se referir ao ministro Gilmar Mendes, fez um gesto com os dedos indicando dinheiro.

A defesa do deputado federal contesta a prisão do congressista e diz que a determinação do Supremo representa um violento ataque à liberdade de expressão e tem evidente teor político.

Em nota, a defesa alega que as manifestações não configuraram crime, "uma vez que acobertados pela inviolabilidade de palavras, opiniões e votos que a Constituição garante aos deputados federais e senadores".

Constitucionalistas e criminalistas, porém, entendem que o deputado abusou do direito de criticar os integrantes da cúpula do Judiciário, principalmente em um período de frequentes rusgas entre os Poderes.

Para o professor de direito público da FGV-SP Carlos Ari Sundfeld, "a liberdade de expressão é tão importante que até assegura um largo direito de extrapolar --como, em princípio, o deputado parece ter feito neste vídeo".

"Mas a reiteração dos ataques no tempo, a enxurrada de excessos desse específico vídeo e, importante, o contexto que estamos vivendo, tendem a configurar algo mais grave: terrorismo verbal com o objetivo deliberado, e a capacidade de afetar de modo sério as instituições".

De acordo com Sundfeld, a garantia da imunidade parlamentar não se aplica ao vídeo do congressista. "Houve um crime político, punido pela Lei de Segurança Nacional, em tese. Parlamentares não têm imunidade para praticar crimes assim", diz.

O diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, lembra que o tema dos limites da liberdade de expressão está na ordem do dia no mundo todo e em especial nos Estados Unidos, onde o Judiciário debaterá se o ex-presidente Donald Trump, no cargo, ultrapassou os limites desse direito ao insuflar apoiadores a invadir o Capitólio.

Em relação ao vídeo de Silveira, o especialista em direito constitucional diz que o deputado violou a lei.

"A liberdade de expressão não pode ser passe livre para delinquir. As afirmações do deputado são graves. Pregar destituição de juízes ou surras públicas é crime. Fazê-lo com a autoridade de deputado, só agrava. Nem se diga que a agressão física foi mera cogitação intelectual. Tal qual publicada, ela não é mais íntima. Nem metafórica", afirma Marques Neto.

O constitucionalista também entende que o instituto da imunidade parlamentar não pode representar um salvo-conduto para a prática de crimes.

"Ela também não há de ser escudo para a impunidade. Um parlamentar não pode agredir fisicamente alguém, desacatar uma autoridade policial, furar fila da vacina. Quando praticam crimes cabe aos seus pares avaliar se a infração enseja ou não a imunidade", diz Marques Neto.

Para a advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos, conselheira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), quando estão em jogo a garantia da livre manifestação do pensamento e da manutenção da ordem constitucional, a segunda deve prevalecer, pelo seu interesse público e coletivo.

De acordo com a criminalista, esse é o entendimento que deve nortear a análise do caso do deputado federal.

"Ao propor a ruptura da ordem constitucional, com uso das Forças Armadas para o fechamento do Supremo Tribunal Federal, o ato representa um abuso do direito de livre manifestação, sobretudo quando proferido por um agente público pertencente a outro poder constituído, o que é vedado pela Constituição Federal."

Na mesma linha de argumentação, o advogado criminalista Rodrigo Nabuco, conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), diz que "a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Ele encontra limites na própria Constituição".

"A imunidade parlamentar não permite que o deputado atente contra princípios constitucionais ao defender a volta do AI-5 e a substituição de todos os membros do STF. Está vilipendiando um Poder da República, o que não pode ser tolerado. A liberdade de expressão não autoriza ofensa a pessoas e muito menos aos poderes constituídos", completa.

Para Maria Garcia, professora de direito constitucional da PUC-SP, as falas do deputado também violaram o dever constitucional de busca da preservação da harmonia entre os poderes.

Segundo a constitucionalista, o deputado "extrapolou, atingiu a honra e a imagem, pessoalmente falando, e como poder, criticou outro poder em termos inadmissíveis."

"O próprio Poder Legislativo deve tomar providências. Estamos sofrendo de mais de uma pandemia, estamos sofrendo também uma pandemia política", diz.