SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O deputado estadual Arthur do Val (em partido) enviou nesta terça-feira (8) uma carta a colegas na Assembleia Legislativa de São Paulo dizendo que não concorrerá mais à reeleição em 2022 e pedindo uma "pena justa" no processo de cassação de mandato que sofrerá por causa de falas de cunho sexista.

A carta busca sensibilizar os colegas parlamentares e evitar que ele seja punido com pena de cassação, o que, segundo assessores do deputado, acarretaria inelegibilidade por oito anos. O deputado é alvo de 11 pedidos de cassação, que devem começar a tramitar nesta semana.

Ao visitar a Ucrânia na semana passada, o parlamentar ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre) enviou áudios a amigos dizendo que as ucranianas são "fáceis" por serem pobres —e que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a "melhor balada do Brasil".

Na carta, Arthur afirma entender a necessidade de a Casa aplicar uma punição, que considera justa e necessária. "Entretanto, peço encarecidamente que considere a ausência de dolo e de dano a terceiros na dosimetria da pena. Se de um lado a punição é necessária, de outro, a cassação se faz excessiva."

O deputado afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que desistiu da reeleição porque não teria chances nas urnas depois da repercussão de sua fala, que gerou uma onda de repúdio dentro e fora do Brasil. "Eu não iria me eleger mesmo e agora eu atrapalho o MBL", disse.

"Não entrei na política por carreira, dinheiro ou cargo. Entrei pela missão e por ora estou atrapalhando ela", completou.

Na avaliação de membros do MBL aliados de Arthur, o anúncio de não concorrer à reeleição é um argumento contra a cassação, mas a aplicação da pena máxima pela Assembleia já é vista como inevitável.

Na carta, ele escreve que os áudios que mandou para amigos após ir à Ucrânia têm "conteúdo horrendo".

No entanto, argumenta que há superdimensionamento dos fatos. "Quero deixar muitíssimo claro que não houve nenhum tipo de assédio. Foram palavras, palavras horrorosas, desrespeitosas e desprezíveis", afirmou.

"Estou repleto de problemas pessoais. Envergonhei minha mãe, minhas tias, minha sobrinha e perdi minha namorada. Dizem que os erros nos fazem aprender. Essa lição eu estou aprendendo do jeito mais doloroso possível", afirmou.

Arthur escreveu ainda que tem jeito combativo, midiático e exagerado, mas que tenta não ser uma pessoa desagradável. "Nesta abertura de processo de cassação de meu mandato sei que há uma comoção midiática, que, por ser efêmera, passa. Mas a mancha na minha vida permanecerá."

Ele está isolado politicamente e deve enfrentar dificuldades para fazer sua defesa. Com um histórico de brigas com outros deputados, Arthur não conta com muitos aliados no momento para lidar com os processos no conselho de ética da Casa.

Também nesta terça, o Podemos acatou o pedido de desfiliação do deputado. Ele estava havia cerca de 30 dias no partido, que havia anunciado, na segunda-feira (7), a abertura de procedimento disciplinar para expulsá-lo. Antes que o processo começasse, o parlamentar pediu para deixar a sigla.

Arthur, que seria candidato ao Governo de São Paulo pelo Podemos, foi filiado durante um evento em São Paulo, com a presença do presidenciável do partido, o ex-juiz Sergio Moro, e membros do MBL.

Após a repercussão do caso, o deputado retirou a pré-candidatura ao governo. Diversos integrantes do Podemos, incluindo a presidente, Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol divulgaram comunicados recriminando as falas e dizendo lamentá-las.

Em entrevista à Folha de S.Paulo na segunda-feira, Arthur afirmou que irá se afastar do MBL e se defendeu de uma possível cassação na Assembleia.

"[Se] me cassarem, eu só vou ficar com o questionamento: que país é esse? [...] Meu mandato é irretocável. O que eu errei fui eu pessoalmente. Se isso for suficiente para me cassar e me tirar os direitos políticos por 8 anos, aí também não quero mais nada. Que país é esse?"

Leia a íntegra da carta enviada por Arthur do Val aos deputados estaduais:

"Serei breve e objetivo nas palavras. Desde minha volta ao Brasil minha vida mudou de cabeça pra baixo.

Errei, errei feio. Fui machista de fato, desrespeitoso e imaturo. Produzi uma peça que vai me envergonhar pelo resto da minha vida. Tanto pública quanto particularmente.

Gostaria de esclarecer em primeiríssimo lugar que a despeito do conteúdo horrendo dos áudios essa não foi a educação que eu tive em casa. Envergonhei toda minha família e principalmente a minha mãe.

Além do absurdo que foi dito nesses áudios, está havendo uma extrapolação dos fatos. Quero deixar muitíssimo claro que não houve nenhum tipo de assédio. Foram palavras. Palavras horrorosas, desrespeitosas e desprezíveis. Mas foram palavras.

Nessa missão humanitária conseguimos arrecadar R$ 275.366,20, compramos, distribuímos os donativos, ajudamos cinco brasileiros a retornar pra casa e resgatamos duas famílias de refugiados. Pai, mãe e filho. Toda prestação de contas foi enviada para a imprensa e gostaria de enviar esta prestação diretamente a todos os colegas também.

Infelizmente, minha imaturidade manchou este trabalho tão arriscado e necessário. Sei que tais palavras serão usadas contra mim para SEMPRE. E com razão!

Antes de mais nada, apresento aqui meu pedido de desculpas. Sinceras desculpas por ter feito você ter de ouvir essas palavras, desculpas por ter envergonhado o nome desta Casa e, ainda que indiretamente, ter afetado seu trabalho.

Aceito meu fardo com hombridade. Devo ser julgado, devo ser punido e vou carregar essa vergonha para o resto dos meus dias.

Estou repleto de problemas pessoais. Envergonhei minha mãe, minhas tias, minha sobrinha e perdi minha namorada. Dizem que os erros nos fazem aprender. Essa lição eu estou aprendendo do jeito mais doloroso possível.

Apesar do meu jeito combativo, midiático e às vezes exagerado, todos que convivem comigo sabem que eu tento ao máximo não ser uma pessoa desagradável. A verdade é que, além de ter aprendido muito nesta Casa, de algumas pessoas acabei me tornando mais próximo e fiz muitos amigos também. Agradeço a todos.

Nesta abertura de processo de cassação de meu mandato sei que há uma comoção midiática, que, por ser efêmera, passa. Mas a mancha na minha vida permanecerá.

Assumo e entendo a necessidade desta Casa em aplicar-me uma punição. É justo e necessário. Entretanto, peço encarecidamente que considere a ausência de dolo e de dano a terceiros na dosimetria da pena. Se de um lado a punição é necessária, de outro, a cassação se faz excessiva.

Acredito que esta Casa terá a serenidade para aplicar uma pena justa, como suas tradições sempre mostraram.

Aproveito, por oportuno, para comunicar aos colegas que não mais concorrerei ao cargo de deputado, sendo este meu último ano nesta honrosa casa legislativa.

Cordialmente,

Arthur do Val"