SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em um cenário próximo do atual, o aquecimento global de 1,5°C pode levar 9% a 14% das espécies de todos os ecossistemas a um risco muito alto de extinção. O planeta já aqueceu 1,1°C.

A avaliação faz parte do novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU, na sigla em inglês), lançado na segunda-feira (28). Elaborado por 270 cientistas, o estudo revisou 34 mil pesquisas e computou os impactos das mudanças climáticas para o desenvolvimento humano e para a biodiversidade.

O painel do clima classifica como provável o risco de extinção de 9% a 14% de espécies em todos os ecossistemas com o aquecimento de 1,5°C. Em um cenário de 2°C de aquecimento médio global, o risco de extinção sobre para a faixa de 10% a 18%, chegando ao máximo de 48% em um cenário de 5°C.

Os grupos sob maior risco são os invertebrados e os polinizadores, seguidos de anfíbios e plantas com flores. Embora os cenários em que o aquecimento global é contido em até 2°C sejam muito menos danosos à biodiversidade, o relatório observa que até mesmo a mínima taxa de extinção prevista –9%– é mil vezes maior que o ritmo natural.

Desde o último relatório do tipo lançado pelo IPCC, em 2014, a cobertura geográfica das pesquisas foi ampliada, assim como os modelos climáticos usados nas projeções de cenários.

"Uma coisa que nos surpreendeu é que diversos hotspots [áreas prioritárias] no Brasil, na Amazônia, mata atlântica e no cerrado, estão entre os mais bem estudados do mundo em termos dos impactos projetados das mudanças climáticas", afirma Mariana Vale, pesquisadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e uma das autoras do relatório do IPCC.

"Desde a última edição do relatório, em 2014, houve uma geração de conhecimento muito grande. Mas ainda há carência de estudos na caatinga, pantanal e pampas", ela aponta.

No caso de espécies endêmicas em áreas prioritárias de conservação da biodiversidade, o risco de extinção pode dobrar no cenário de aquecimento entre 1,5°C e 2°C e aumentar pelo menos dez vezes se o aquecimento saltar para 3°C, segundo o relatório.

Dano irreversível à biodiversidade, a extinção de espécies desencadeia uma série de impactos aos ecossistemas e aos serviços ambientais que afetam a saúde humana.

"As espécies são a unidade fundamental dos ecossistemas e o aumento do risco para elas aumenta o risco para a integridade, funcionamento e resiliência do ecossistema", afirma o relatório.

"À medida que as espécies se tornam raras, seus papéis no funcionamento do ecossistema diminuem. A perda de espécies reduz a capacidade de um ecossistema de fornecer serviços e diminui sua resiliência às mudanças climáticas", explica o estudo.

A perda de biodiversidade e a degradação ambiental já são observadas em todas as regiões do planeta atualmente. As mudanças no biomas e o risco de incêndios também aumentam com a elevação da temperatura.

"Aproximadamente metade das espécies avaliadas globalmente se mudaram para os polos ou, em terra, também para altitudes mais elevadas. Centenas de perdas locais de espécies foram impulsionado por aumentos na magnitude de extremos de calor, bem como eventos de mortandade em massa em terra e no oceano e perda de florestas de algas", aponta o painel do clima.

A perda de população local de espécies também já está acontecendo devido às mudanças na temperatura, especialmente ondas de calor e secas prolongadas.

De 976 espécies avaliadas em diversas regiões do mundo, 47% sofreram extinção de populações locais em anos de temperatura recorde.

A maior parte da extinção de populações locais da biodiversidade aconteceu em regiões tropicais (55%), enquanto 39% aconteceu em regiões temperadas. Os ambientes de água doce também tiveram maior desaparecimento de populações inteiras (74%). Os habitats marinhos sofreram perdas de 51% e os terrestres, de 46%. Metade das populações extintas foi de animais (50%), outros 39% das perdas foram de plantas.

O sapo-dourado foi uma das espécies cuja extinção, em 1990, é associada à mudança do clima. Endêmico das florestas de altitude da Costa Rica, ele desapareceu após sucessivas secas extremas.

Outro caso citado pelo relatório da ONU é de uma espécie de gambá da Austrália, que quase desapareceu após ondas de calor em 2005 –quatro anos depois, apenas dois indivíduos da espécie foram encontrados.

Estudos têm avaliado as alterações genéticas de algumas espécies, mas experimentos de seleção controlada e observações de campo indicam que a evolução não impediria que uma espécie se extinguisse, caso seu espaço climático desaparecesse globalmente.

"Riscos climáticos fora daqueles aos quais as espécies estão adaptadas estão ocorrendo em todos os continentes. Eventos extremos mais frequentes e intensos, sobrepostos a tendências climáticas de longo prazo, têm empurrado espécies e ecossistemas sensíveis para pontos de inflexão, além da capacidade de adaptação ecológica e evolutiva", aponta o relatório.

No entanto, se houver refúgios com temperaturas mais baixas, as espécies podem persistir.

"Proteger refúgios, por exemplo, onde os solos permanecem úmidos durante a seca ou o risco de incêndio é reduzido e, em alguns casos, criando microclimas mais frios, são medidas de adaptação promissoras", conclui o estudo, embora ressalve que ainda há pouca literatura científica sobre a efetividade das medidas de adaptação climática para proteger ecossistemas.

As medidas transversais, defende o painel do clima, podem representar soluções conjuntas para a biodiversidade e o desenvolvimento humano.

"Evidências crescentes mostram que técnicas de adaptação baseadas em ecossistemas em áreas urbanas e rurais podem diminuir os riscos climáticos para as pessoas (em inundações, secas, incêndios e superaquecimento) e também ter benefícios para a biodiversidade e a proteção das florestas", diz o relatório.