SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A eleição das prévias presidenciais do PSDB entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) ocorre neste domingo (21) marcada por instabilidade no aplicativo de votação destinado aos filiados.

Para tentar uma solução, os candidatos, incluindo Arthur Virgílio (AM), discutiram, em reunião com a direção do PSDB, adiar ou prorrogar as prévias. A questão é quando a ferramenta estará com os problemas superados.

Segundo a Folha apurou, a campanha de Leite sugeriu suspender a votação e retomá-la no próximo domingo (28). Já Doria e Virgílio propuseram deixar a votação em aberto até que se atinja 80% dos votantes.

Há novas reuniões prevostas para a noite deste domingo. O problema agravou a briga entre as campanhas de Leite e de Doria. Doria e Virgílio chegaram a convocar entrevista à imprensa, às 18h, sem o gaúcho, mas desistiram.

Por causa das falhas, o governador do RS pediu, no início da tarde, a reunião para discutir os erros identificados na biometria facial, que travam a ferramenta. No encontro, a ideia era avaliar o percentual de filiados que conseguiu votar.

A votação originalmente ocorreria das 7h às 15h, mas já foi ampliada para até as 18h. Nos bastidores, tucanos já cogitam a possibilidade de adiamento ou até cancelamento das prévias. O prejuízo à imagem do partido a partir do vexame do aplicativo é outra leitura comum entre membros do PSDB.

Segundo a Folha apurou, um dos problemas com a ferramenta foi a compra em quantidade insuficiente de licenças de uso de um software para reconhecimento facial. ​

Os diretórios de São Paulo, aliado a Doria, e do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, aliados a Leite, emitiram notas reclamando do processo de votação —os dirigentes prepararam eventos de mobilização para votação que acabaram esvaziados.

O aplicativo custou cerca de R$ 1,3 milhão ao PSDB, mas os custos das prévias são maiores —incluem a realização de evento em Brasília, neste domingo, e a verba para cada campanha, que foi de mais de R$ 1 milhão. Sem contar as passagens e hospedagens para que prefeitos de todo o Brasil fossem à capital federal.

O aplicativo é destinado ao voto de filiados sem mandato e vereadores.

Já a votação presencial por meio de urnas eletrônicas, em Brasília, da qual puderam participar prefeitos, vices e parlamentares, também ocorreu em clima de tensão e terminou por volta das 15h.

Auxiliares de Leite e de Doria se concentraram em torno da cabine destinada a parlamentares para acompanhar a votação.

Deputados que originalmente optaram por votar pelo aplicativo acabaram comparecendo ao evento para votar presencialmente e garantir seu voto, uma vez que a ferramenta segue inviável.

Essa estratégia gerou confusão e possibilidade de que os deputados votassem duas vezes, pelo aplicativo e pela urna.

Em um arranjo de última hora, os deputados que chegaram para votar foram sendo autorizados, um a um, a depositar seu voto na urna mediante aval das duas campanhas rivais —e sua opção de voto no aplicativo seria anulada.

A possibilidade de erros e judicialização é crescente. Parlamentares pró-Leite e parlamentares pró-Doria passaram a ressaltar as vulnerabilidades da votação.

A avaliação geral é de que as dificuldades no aplicativo prejudicam a imagem do PSDB e que a direção nacional, que bancou a ferramenta, tem que tomar providências.

Houve uma briga quando a deputada federal Mara Rocha (AC) chegou para a votação e precisou da autorização. A deputada afirmou ser bolsonarista e que estaria de mudança para o PL, mas que votaria em Leite.

Diante da resistência da equipe de Doria em autorizar o voto da deputada, ela afirmou que houve tentativa de comprar seu voto para Doria.

"Eu vou dizer quem quis comprar meu voto. Eu tenho mensagens aqui. Se não deixarem eu votar, eu vou dizer quem me ofereceu dinheiro para votar no Doria. Vou votar senão vou jogar merda no ventilador", gritou.

Ao longo da tarde, o entusiasmo da abertura do evento, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com espaço para 4.000 pessoas, deu lugar ao clima de fim de festa. Políticos e filiados deixaram o local, sem saber se as prévias terminariam no domingo.

A melancolia foi interrompida por um grito inesperado de um dos poucos militantes ainda presentes, como se comemorasse um gol. João Vitor dos Santos, da Juventude do PSDB de Belém, celebrava, na verdade, ter conseguido votar, às 16h. Ele tentava desde as 7h30.

Apoiador de Doria, saiu exibindo o comprovante de votação como um troféu.

Em nota, Marco Vinholi, presidente estadual do PSDB-SP, e Fernando Alfredo, presidente municipal do PSDB-SP, disseram que, das 8h às 12h, o aplicativo apresentava instabilidade, "o que tem impossibilitado os filiados de votarem".

"Somente em São Paulo são cerca de 26 mil (62% do total) credenciados que, neste momento, não conseguem acesso ao voto", diz em nota.

"O diretório estadual do PSDB de São Paulo já requereu providências e aguarda que o sistema de votação seja retomado o mais brevemente possível, evitando assim um prejuízo enorme para o filiado exercer o seu direito ao voto."

O diretório do Rio Grande do Sul, ao solicitar a reunião da executiva nacional, fala em decidir quais providências devem ser tomadas "para garantir a legitimidade do processo eleitoral".

"Desde as 8h da manhã passamos a receber relatos, vídeos e prints de comprovação de problemas no aplicativo, que parou de funcionar, de forma definitiva às 8h40. O que se confirmou é bem mais do que uma longa instabilidade e, na realidade, uma dimensão inviabilizadora do legítimo direito ao voto", afirma o diretório de Minas, que cobra providências.

A ferramenta começou a travar em todo o país por volta das 8h30. O uso do aplicativo foi definido pelo PSDB mesmo após as campanhas de Doria e Leite apontarem falhas e fragilidades. Sem um plano B, o partido apostou na correção desses problemas até a votação.

O pano de fundo da discussão foram as auditorias realizadas pela empresa especialista em segurança cibernética Kryptus, que apontaram fragilidades na ferramenta desenvolvida pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Pela manhã, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, minimizou a questão. "Se o aplicativo está sendo demandado, é porque há envolvimento", disse. Ele afirmou ainda não descartar que o processo de votação acabe judicializado pelo perdedor, embora diga não esperar isso.

Ao todo, 44,7 mil tucanos (cerca de 3% do 1,3 milhão de filiados) se inscreveram para a votação indireta, em que cada grupo representa 25%: filiados; prefeitos e vices; vereadores e deputados estaduais; deputados federais, senadores, governadores e vices, ex-presidentes do PSDB e o atual.

Como mostrou a Folha, a menos de duas semanas do pleito, aliados do governador de São Paulo já afirmavam nos bastidores que a insegurança do aplicativo poderia levar à judicialização do resultado das prévias.

Naquele momento, dirigentes do PSDB avaliavam que não usar ou limitar o uso do aplicativo a apenas alguns grupos significaria um prejuízo na isonomia do processo, uma manobra que beneficiaria Doria, porque a votação presencial exige uma coordenação logística que o diretório paulista do PSDB tem, mas outros não.

Além de brigas devido ao uso do aplicativo, a campanha das prévias também teve acusações da equipe de Leite a respeito de filiação extemporânea de prefeitos aliados a Doria e de pressões do governador paulista, por meio de demissões e verba de convênios, para angariar votos no estado.

As críticas vinham sendo ácidas em debates até que, na última semana, os candidatos resolveram baixar a temperatura. Num gesto de paz, Leite e Doria se reuniram em Porto Alegre e falaram em união.

Apesar das diferenças, Leite e Doria acumulam incômodos em comum. O primeiro é o apoio a Bolsonaro em 2018, que ambos consideram agora um erro. O gaúcho e o paulista também miraram no presidente e no PT durante as prévias.

O baixo patamar nas pesquisas de opinião (por volta de 5% no último Datafolha) também atinge aos dois. Leite ressalta ter menor rejeição, enquanto Doria espera que a população reconheça seu empenho pela vacina contra Covid.

De maneira geral, os candidatos avaliam que as prévias serviram para dar destaque ao PSDB.

À Folha Doria afirmou que as prévias fortalecem o partido, mobilizam a militância e proporcionarão um líder para "coordenar um projeto nacional que recupere o Brasil dos erros dos governos anteriores".

"O PSDB é o único dos grandes partidos nacionais que se revitalizou e renovou suas lideranças. As prévias ajudaram nesse processo, elas deram um novo impulso e visibilidade às propostas e realizações do PSDB. As prévias demonstraram que o nosso partido está pronto para voltar a resolver as grandes questões nacionais", disse em nota.

Leite afirmou que as prévias darão oportunidade eleitoral ao PSDB.

"As prévias mobilizaram e movimentaram o partido, promovemos o debate. Estamos a um ano da eleição e o partido já vive um processo eleitoral que aquece as turbinas para 2022", disse.