VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Em meados dos anos 1960, viver em Londres, ao que parece, era bom demais para ser verdade. Afinal, não era em qualquer cidade que se poderia topar na rua com um Beatle, tomar um porre ao lado de David Bailey --e, com sorte, travar amizade e posar para um retrato dele--, comprar um look da Biba parecido com o que a Twiggy usa na revista e testemunhar a vibração multicolorida da juventude pré-psicodelia.

Em "Noite Passada em Soho", que estreia nos cinemas nesta quinta (18), a protagonista Eloise, vivida por Thomasin McKenzie, é uma garota do mundo atual que tem a chance de reviver o auge da chamada Swinging London. Após chegar à capital inglesa para tentar a sorte no ramo da moda, ela aluga um quarto na casa de uma estranha senhora --onde, à noite, tem a chance de viajar no tempo.

Na Londres do passado, entra em contato com Sandie -- vivida por Anya Taylor-Joy--, uma aspirante a cantora, que vive um relacionamento abusivo com Jack --Matt Smith. As vidas de Eloise e Sandie se espelham em vários aspectos, mas, com o tempo, a estudante millennial vai perceber que nem tudo é só glamour na Londres dos anos 1960.

"Eu absolutamente amaria visitar essa época, especialmente porque é a fase com as minhas músicas preferidas", diz Taylor-Joy a este jornal, em entrevista durante o Festival de Veneza, onde "Soho" foi exibido fora de competição. "Mas em termos de ser mulher... Ainda temos uma boa estrada de conquistas pela frente, e nos anos 1960 era ainda pior. Então adoraria só fazer uma visita, mas depois retornar ao mundo de hoje."

A atriz cita The Strangeloves, Jacques Dutronc, Marianne Faithfull como alguns de seus artistas favoritos, mas se sua preferência musical é fundamentalmente sessentista, sua sensibilidade social está de fato ancorada no zeitgeist dos anos 2020.

"É incrivelmente empoderador ver que hoje você pode, diante de algumas situações, deixar claro: 'estou me sentindo desconfortável'. As pessoas hoje te escutam mais, e nisso você vê os benefícios do Me Too e de pessoas falando sobre temas que são difíceis, sobre os quais você precisa conversar se você quer que o mundo mude."

Mas Taylor-Joy reconhece que, a despeito de muitos ganhos do mundo contemporâneo, o passado muitas vezes é mais sedutor que a dureza do presente. A atriz acha que um dos fatores que podem estabelecer uma forte conexão de "Noite Passada em Soho" com o público de hoje é que a pandemia da Covid-19 despertou um certo saudosismo nas pessoas.

"Passamos por uma fase muito difícil. Foram dois anos muito traumáticos para todo mundo, então consigo entender que um olhar para o passado traz essa sensação de conforto", diz a atriz. "Mas se quando a gente olha para o agora e vê, por exemplo, a questão climática, fica claro que precisamos manter a atenção ao presente e ao futuro. É no agora que devemos manter nosso foco."

O longa é dirigido por Edgar Wright, que investe em uma linguagem pop, a exemplo de trabalhos anteriores, como "Em Ritmo de Fuga", de 2017. Convidou nomes emblemáticos da Swinging London para participações afetivas: Diana Rigg, Rita Tushingham e o eterno it-boy Terence Stamp.

Também autor da sinopse, o cineasta chamou para coescrever o roteiro a escocesa Krysty Wilson-Cairns, indicada para o Oscar por "1917" e uma das autoras de um vindouro "Star Wars", dirigido por Taika Waititi. A roteirista, além de conhecer bem o Soho londrino --morou em cima de um clube de striptease na região-- trouxe o olhar de uma mulher à trama, que trata essencialmente de questões femininas.

A protagonista de fato é Thomasin McKenzie, mas a personagem de Taylor-Joy tem grande influência sobre ela --em certo ponto, elas exibem o mesmo corte de cabelo, e a câmera prega algumas peças visuais, desnorteando o espectador sobre quem é quem.

"Não acho que a gente se pareça muito. Ela tinha a personagem dela, eu tinha a minha, mas nessas cenas, nós quase que criamos uma personagem juntas, que existisse no espaço entre nós duas", conta Taylor-Joy. "Nós não precisamos fazer um trabalho muito intenso de marcação porque logo nós tivemos uma conexão muito grande. Thomasin é uma ótima ouvinte, e eu gosto de pensar que também sou, então nós meio que aprendemos muito uma sobre a outra. Foi na verdade muito fácil."

É curioso que Thomasin tenha sido o nome da personagem que tornou Taylor-Joy conhecida --em "A Bruxa", de 2015, longa de horror dirigido por Robert Eggers e que teve o brasileiro Rodrigo Teixeira como um dos produtores. Após a participação na série "O Gambito da Rainha", de 2021, a garota de olhos expressivos virou de fato uma estrela --aliás, foi uma das presenças mais aguardadas em Veneza neste ano.

"É muito surreal. Sempre que vejo cartazes e outdoors com minha imagem em 'O Gambito da Rainha', é aquilo: 'Meu deus do céu!'. Espero que não tenha assustado muitas pessoas, porque ser olhado por rostos gigantes assim pode ser algo muito intimidante", brinca a atriz.

Nascida nos Estados Unidos, com parte na infância vivida na Argentina, a atriz diz que onde se sente em casa mesmo é, justamente, em Londres.

"Tinha seis anos, só falava espanhol, a maior parte do meu convívio era com cavalos e cães, a céu aberto [na Argentina]. De repente, fui parar em uma cidade tão grande [Londres]. Mas é onde hoje me sinto mais confortável, onde fui à escola. Toda vez que vejo [o aeroporto de] Heathrow se aproximando, sinto aquela sensação: 'Ah, minha casa!'."