Anvisa adia liberação de autoteste de Covid e cobra mais dados de ministério (1)
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quarta-feira, 19 de janeiro de 2022
RAQUEL LOPES, MATEUS VARGAS E WASHINGTON LUIZ
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A diretoria colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não aprovou nesta quarta-feira (18), por 4 votos a 1, o uso de autoteste de Covid-19 no Brasil.
A decisão ocorre no momento em que há uma explosão da procura por testes da Covid-19 com o avanço da variante ômicron. Laboratórios privados têm relatado falta dos exames.
A leitura foi de que a nota técnica do Ministério da Saúde apresentava lacunas, por exemplo, sobre como notificar a confirmação da infecção e de que forma orientar os pacientes.
Os diretores aprovaram a realização de diligências adicionais e a retomada da votação sobre o tema no prazo de até 15 dias.
Na quinta-feira (13), a pasta pediu para a agência liberar esse tipo de exame, que pode ser feito em casa. Seu uso é vetado por uma resolução de 2015.
Pela regra, o ministério precisa propor uma política pública para liberar a entrega dos exames ao público leigo. A pasta já sinalizou que os produtos não devem ser comprados pelo governo federal.
A diretora relatora, Cristiane Rose Jourdan Gomes, foi a única que sinalizou positivamente a aprovação do autoteste mesmo sem uma política pública por parte do ministério.
Ela entendeu que que tal regulamentação pode ser editada em medida de excepcionalidade para garantir maior acesso da população a testagem, e consequentemente, identificar, isolar e minimizar a transitabilidade da variante ômicron independentemente da ação de política pública.
"Considerando o contexto pandêmico que vivemos, o uso dos autotestes pode representar uma estratégia de triagem, uma vez que poderia iniciar rapidamente os casos positivos e as ações necessárias para interrupção da cadeia de transmissão", disse.
"Trata-se de uma medida adicional que amplia o acesso a testagem a fim de prevenir a transmissão de Covid junto com a vacinação, o uso de máscara e o distanciamento social", afirmou Gomes.
Nesse sentido, ela citou algumas medidas que deveriam ser tomadas, como a exigência de uma linguagem clara ao público com alertas, precauções, como realizar a coleta adequada e a execução do teste.
Gomes disse ainda que se deve alertar que o teste negativo não eliminaria a possibilidade de infecção do vírus e pediu a criação de um canal para atender ao usuário.
Os outros diretores seguiram o voto do diretor Rômison Mota. No seu voto, ele disse que não houve uma formalização da inclusão da autotestagem como política pública pelo Ministério da Saúde. Na sua visão, tal formalização é condição para que seja afastada a vedação.
"Outros países que adotaram o teste fora do ambiente laboratorial, além de possuir critério sanitário direcionado a tais situações, estabeleceram políticas públicas na perspectiva de combate à disseminação do coronavírus", disse Mota.
Os diretores esclareceram que, conforme entendimento da Procuradoria Federal junto à Anvisa, a nota técnica enviada pelo Ministério da Saúde não cumpre todos os requisitos necessários a uma política pública.
Em razão disso, a diretoria responsável pela análise do processo havia encaminhado pedido de esclarecimentos adicionais ao ministério nesta terça-feira (18) e ainda aguarda resposta
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, disse que há diversas lacunas a serem respondidas. Há preocupação por parte da agência, por exemplo, sobre a compilação de dados e a transformação de dados compilados em notificação capaz de gerar todo o tratamento estatístico necessário.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que irá se manifestar sobre a cobrança feita pela Anvisa quando tiver acesso ao inteiro teor da decisão.
"A posição do Ministério da Saúde acerca do autoteste é clara, como é tudo aqui no governo do presidente Jair Bolsonaro. Nós já nos manifestamos favoráveis à venda de autotestes nas farmácias", disse após assinar, em evento no ministério, portaria que libera R$ 104 milhões para municípios atingidos pelas chuvas na Bahia.
"Em relação à política pública, a política são os testes na atenção primária. E nós estamos distribuindo testes para os municípios para que eles realizem testes na atenção primária", afirmou.
Na sequência, o ministro voltou a se manifestar em redes sociais e reforçou a defesa da venda dos exames nas farmácias.
"Vamos complementar as informações solicitadas pela Anvisa. Em relação aos testes no SUS, as demandas têm sido atendidas", escreveu. Segundo ele, foram enviado 15 milhões de testes.
O presidente-executivo da CBDL (Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial), Carlos Gouvêa, disse que os autotestes devem ser mais baratos que exames de antígeno vendidos em farmácia.
Ele estimou que a indústria instalada no Brasil tem capacidade de produzir até 10 milhões de autotestes de Covid por mês.
Após a decisão da agência, Gouvêa disse respeitar a análise dos diretores, mas lamentar perder tempo para a entrada do produto no mercado.
Ele afirmou que a indústria planejava usar as próximas semanas para entender a nova regra, submeter os pedidos de registro dos produtos e tentar entregar os autotestes antes do carnaval.
"O autoteste está sendo usado em vários países de forma bem-sucedida, ajudando o gestor de saúde pública a combater a Covid", disse Gouvêa.
Técnicos da Anvisa vinham sinalizando que o autoteste seria aprovado em pouco tempo após o Ministério da Saúde propor uma política pública.
A ideia chegou a ser de liberar a resolução antes de votar na diretoria e, depois, apenas referendar o texto. Mas os técnicos consideraram a nota técnica da Saúde precária.
Nesta terça, diretores compartilharam as incertezas sobre o texto. Uma das ideias era tentar liberar o produto mesmo assim, enquanto cobravam mais dados para consolidar, mais tarde, as regras.
Horas antes da reunião desta quarta -feira (19) a maioria dos diretores alinhou uma decisão mais conservadora, de adiar a liberação do exame e cobrar mais dados.
Nos bastidores, técnicos da agência apontam que o ministério agiu com desdém ao enviar uma proposta tida como frágil. Ainda afirmam que a Saúde não conseguiu montar uma estratégia nacional de testagem eficaz quase dois anos após o começo da pandemia no Brasil.
Já integrantes da Saúde avaliam que a Anvisa agiu com cautela excessiva e não foi sensível à crise sanitária.
A decisão de adiar a entrada do autoteste ocorre no momento de disputa entre Anvisa e governo. Antes aliado de Bolsonaro, Barra Torres, chefe da agência, entrou para lista de desafetos do mandatário ao liderar decisões como a do aval da vacinação das crianças.
A testagem no Brasil está centrada em clínicas, farmácias e serviços públicos, que não estão conseguindo atender à demanda diante da circulação da ômicron.
Entidades científicas cobraram, na semana passada, uma política de testagem mais ampla do governo federal e a permissão do exame em casa. A procura pelos testes disparou com o avanço da contaminação na virada do ano.
Queiroga disse que o autoteste pode desafogar as unidades de saúde, mas afirmou que a compra do produto para o SUS pode não ter o efeito desejado.
"O Brasil é um país muito heterogêneo, de muitos contrastes. A alocação deste recurso para aquisição de autoteste, distribuir para a população em geral, pode não ter resultado da política pública que nós esperamos", afirmou ministro na sexta (14).
Nesta quinta (20), a Anvisa vai avaliar pedido do Instituto Butantan sobre a aplicação de doses da Coronavac no público de 3 a 17 anos.
O Ministério da Saúde avalia usar a Coronavac em crianças, caso haja aprovação. Como a vacina é do mesmo modelo aplicado em adultos, estados já se planejam para destinar doses estocadas ao público mais jovem.
Até o momento, somente a vacina da Pfizer é aprovada pela Anvisa para ser aplicada em crianças de 5 a 11 anos. A campanha de vacinação das crianças foi aberta na última sexta (14). O primeiro imunizado foi Davi Seremramiwe Xavante, um menino indígena de 8 anos.

