SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A disparada nos preços internacionais das commodities, com destaque para as que foram afetadas mais diretamente pela guerra na Ucrânia e pelas sanções impostas à Rússia, já está levando a projeções quase 60% maiores para a balança comercial em 2022.

Nesta semana, o Banco Central revisou significativamente para cima as projeções para a balança comercial deste ano, de um superavit de US$ 52 bilhões para US$ 83 bilhões. Esse volume é a diferença entre o que o Brasil exporta para o mundo e o que importa do exterior.

O movimento se deve a um aumento das expectativas para as exportações brasileiras neste ano --que subiram de US$ 276 bilhões para US$ 328 bilhões.

Segundo a instituição, os preços de grãos também se elevaram diante das incertezas quanto ao impacto do conflito nas exportações dos países envolvidos, bem como nos preços internacionais de fertilizantes.

Embora se espere uma redução em volume exportado, com o impacto negativo de problemas climáticos sobre a safra de soja do Sul e com expectativas menores para a produção da indústria extrativa, a expectativa de forte alta das exportações em valor é consenso entre analistas ouvidos pela reportagem.

Desde o início do conflito na Ucrânia, em 24 de fevereiro, o índice CRB (Commodities Research Bureau), cesta que reúne preços de 19 produtos básicos (como grãos, petróleo e metais), subiu 15%. Do início de 2022 até agora, esse aumento foi de 31,28%, segundo o Trading Economics.

No caso do petróleo, a alta do CRB foi de 28%, entre 25 de fevereiro e 24 de março; no dos grãos de soja, de 7,6%; no do trigo, 29,7%.

Por outro lado, os analistas esperam um aumento de preços nos produtos manufaturados que o Brasil importa. O preço de importados neste ano deve ser 20% maior do que em 2021, pelos choques nas cadeias de produção e aumento de preços de energia.

Olhando para o que o Brasil compra do exterior, o BC também agora prevê um aumento, de US$ 225 bilhões para US$ 245 bilhões.

Nas importações, as projeções foram afetadas pela expectativa de alta nos preços internacionais, sobretudo de combustíveis e fertilizantes, mas o BC já espera um freio na compra de produtos do exterior, em linha com a desaceleração da indústria brasileira neste ano e da atividade doméstica como um todo.

Em 2021, a Rússia respondeu por 23,3% das importações brasileiras de produtos classificados como fertilizantes. Naquele ano, a balança comercial registrou superavit de US$ 61,2 bilhões, recorde para a série histórica.

As expectativas para o comércio do país com o exterior em 2022 também foram elevadas entre bancos e consultorias. O Itaú Unibanco, por exemplo, revisou a previsão de superavit da balança, de US$ 67 bilhões para US$ 74 bilhões.

Para Júlia Gottlieb, economista do banco, o impacto direto da guerra sobre a economia brasileira tende a ser tímido, tendo em vista as relações comerciais limitadas entre o Brasil e os dois países.

"Os principais efeitos, portanto, serão indiretos, via aumento dos preços internacionais de commodities, bem como impactos sobre o PIB [Produto Interno Bruto] global", diz a economista.

A instituição também estima um aumento do peso das exportações no PIB brasileiro de 2022, para 20%, ante 17% no ano passado.

Já na XP, a previsão de exportações passou de US$ 299,5 bilhões para US$ 324,4 bilhões.

"A revisão incorpora choques nas commodities e a variação do câmbio. O real está se saindo melhor neste ano, e há algumas hipóteses para que isso esteja acontecendo, mas tanto as exportações quanto as importações devem crescer em comparação com 2021", diz Alexandre Maluf, especialista em macroeconomia da consultoria.

O dólar está em sua quarta semana de queda, desde o início da guerra. Nesta sexta (25), a moeda fechou a R$ 4,75.

No caso do Credit Suisse, ainda não houve uma revisão das estimativas para exportações e importações deste ano. A economista-chefe da instituição, Solange Srour, no entanto, destaca a importância que o conflito bélico terá no comércio internacional.

"O peso das exportações no PIB deve ser maior, mas o que importa para o crescimento de médio prazo são os impactos que uma maior renda derivada do comércio global pode trazer para o PIB potencial: aumento de investimentos e produtividade, e isso vai depender de usarmos ou não esse momento de bonança para fazer reformas", diz ela, que também é colunista do jornal Folha de S.Paulo.

De acordo com o mais recente boletim Focus, também do Banco Central, a estimativa do mercado é que o Brasil cresça 0,5% este ano e que o IPCA fique em 6,59%.

Apesar das revisões positivas para a balança comercial deste ano, projeções de pesquisadores do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) apontam que houve uma queda no primeiro bimestre de 2022, na comparação com o mesmo período do ano passado, nos chamados termos de troca (a relação entre os preços das exportações do país e os das suas importações).

A análise aponta que os termos de troca recuaram 13,4% nos dois primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. "Até agora, os preços das importações estão aumentando mais rápido do que o das exportações. O mercado aposta que o Brasil deve crescer muito pouco neste ano, e a importação é sensível ao nível de atividade", diz Lia Valls, pesquisadora do FGV-Ibre.

Uma melhora dos termos de troca aumenta a renda real. Isso permite que, com as mesmas exportações, se possa importar mais.

Valls complementa que o aumento de preços dos produtos agropecuários é visível, mas não se sabe se isso vai gerar um grande efeito sustentável. "A verdade é que, no fim, ninguém nunca sai ganhando com uma guerra."

Já na avaliação de Srour, do Credit, os próximos meses devem ser positivos para os termos de troca e esse efeito ainda deve demorar para se dissipar.

No horizonte dos analistas, a guerra entre Rússia e Ucrânia, além de impulsionar o preço dos combustíveis, tem pressionado produtos agrícolas (como trigo e soja). Se, por um lado, a alta de preços é boa para o produtor, por outro os analistas preveem novos repasses para os preços de alimentos, que tendem a pressionar ainda mais a inflação.

O aumento dos valores das commodities já estava em curso desde 2021, sendo destacado como um dos fatores que explicam o aumento da taxa de inflação no país, na forma de um novo choque de custos para a inflação no Brasil, diz, ainda, o levantamento do Ibre.

GUERRA MARCA FIM DA GLOBALIZAÇÃO, DIZ CHEFE DA BLACKROCK

A invasão da Ucrânia pela Rússia vai remodelar a economia mundial e aumentar ainda mais a inflação, levando as empresas a se afastar de suas cadeias de suprimentos globais, alertou o presidente-executivo da BlackRock, Larry Fink. "A invasão russa da Ucrânia pôs fim à globalização que experimentamos nas últimas três décadas", escreveu Fink em sua carta anual aos acionistas da BlackRock, que administra US$ 10 trilhões (R$ 48 trilhões) como a maior gestora de ativos do mundo. "Uma reorientação em larga escala das cadeias de suprimentos será inerentemente inflacionária", escreveu Fink.