PETRÓPOLIS, RJ (FOLHAPRESS) - "Eu não vou sair", gesticula Sebastião Raimundo no pé do morro, enquanto a roda de amigos debate o que vai fazer nos próximos dias. São seus 60 anos subindo as mesmas vielas e quase 40 vivendo entre as paredes que seu pai e seu tio ergueram com as próprias mãos.

"Em 1988 foi a mesma coisa. Desde então, tem gente esperando moradia. Agora que vai aparecer? O dinheiro manda", diz com indignação o aposentado, a essa altura com as lágrimas já represadas nas rugas abaixo dos olhos.

Subindo as escadas e pulando os obstáculos, ele aponta para um emaranhado de galhos e rochas que se entrincheirou numa das vielas e impediu que a avalanche de lama descesse até sua casa. "Deus botou a mão e falou: daqui não desce mais."

Parou a metros do imóvel em que ele ainda dorme com Mike e Lola, seus dois buldogues franceses, e quatro peixes laranjas. Ele é um dos que seguem ali no Morro da Oficina, próximo ao local onde mais de 80 casas foram engolidas pelos deslizamentos há oito dias.

Apesar do medo da chuva e das sirenes que continuam soando toda tarde em Petrópolis, na serra do Rio de Janeiro, alguns seguem vivendo à beira dos barrancos que deslizaram. "Vou para onde?" é a pergunta que todos eles fazem.

A falta de alternativas, o afeto pelo lugar onde vivem há décadas, o medo de saqueadores e os abrigos cheios são alguns dos motivos que eles citam, além da espera de um atestado de risco oficial e do descrédito nas promessas de aluguel social ou construção de moradias.

Até agora são ao menos 204 mortos e 51 desaparecidos em toda a cidade, segundo a Polícia Civil. Não foi divulgada uma estimativa do total de pessoas que saíram de casa, mas se sabe que aos menos 905 estão abrigados em 14 escolas municipais.

Jonathan, Bruno, Tereza... Sebastião aponta e cita o nome de cada um à medida que passa pelas construções desertas, muitas delas tomadas por lama. Apavorados, sua própria esposa e os dois filhos foram embora, estão dormindo na igreja Santo Antônio.

"Estão querendo tirar a gente de lá porque está dando briga. Se me tirarem eu volto para casa, aconteça o que acontecer", diz Graça Raimundo, 62, que voltou para casa para lavar roupa nesta quarta (23). Ela diz que se cadastrou no aluguel social, mas ainda vai demorar.

Da laje, se vê na janela o pedreiro Paulo Roberto Batista, 57. A mulher, os três filhos e as três netas também se mudaram para a casa de uma tia, mas Beto continua ali, vendo televisão e tomando banho na casa de Sebastião toda noite, já que está sem água nem luz.

"Eu estou porque não está tendo perigo. Estão falando que tem que sair, mas não veio ninguém aqui. É só boato de que tem que sair, que vai cair, que vai descer", acredita ele, morador há 20 anos. "Mas eu fico de olho, claro, com a bolsa e os documentos já separados."

Vivendo algumas ruas para baixo do morro, a bacharel em direito Gislaine do Carmo, 48, também diz que aguarda um laudo da Defesa Civil. "Ninguém falou nada comigo oficialmente. Eu continuo assim, se começa a chover, eu vou para a rua e volto", diz.

A prefeitura afirma que segue com as vistorias globais nas áreas afetadas e que intensificou a realização de laudos detalhados pontuais --até a manhã desta quarta, mais de 500 pedidos foram registrados. Divulgou ainda que quem está em abrigos entrará automaticamente no aluguel social e pediu que os desalojados procurem a prefeitura.

Mas as escolas não parecem uma boa opção para a dona de casa Rosanda Crisóstomo, 53. "Eu vou para o colégio para ser maltratada lá?", reclama. Ela também diz ter feito um pedido de avaliação dos seus dois imóveis ali, ainda não atendidos.

A essa altura, os trovões carregados já anunciam mais água em Petrópolis. "Senhor, tenha misericórdia, segura essa chuva", pede, olhando para o céu, a aposentada Cristina da Conceição, 62, que foi viver com a irmã, mas volta todo dia para cuidar da casa. "É ruim demais ficar na casa dos outros", lamenta.

Outra que anda apavorada é a doméstica Cenir da Silva, 52, que não tira as cenas de desespero da cabeça. No dia da tragédia, quando ficou ilhada no sobrado onde trabalha na Chácara Flora, diz que foi acordada pela patroa gritando no meio de um pesadelo.

Mora a quilômetros dali, no bairro Floresta, no alto de um morro onde "ficaram só os barracos dependurados". Um barranco desceu poucos metros abaixo do seu quintal, e a Defesa Civil atestou que é preciso construir um muro.

Ela anda com o laudo na bolsa, mas, com mais 11 pessoas no terreno, não pretende sair até que a obra seja feita. Passou os últimos cinco dias a luz de velas doadas. "Tenho medo, mas tenho que ficar lá. Onde moro estão saqueando, por isso as pessoas ficam com medo. É muita luta para as pessoas entrarem e pegarem. Acabei de construir a laje, são 30 e poucos anos na mesma casa", diz.

O medo dos roubos também fez a auxiliar de saúde bucal Mareni Carvalho, 43, voltar ao Morro da Oficina quase todo dia na última semana. Seu marido queria deixar tudo para trás, mas ela resolveu pegar até as louças. Quer se mudar para Búzios. "Moradia aqui está muito difícil."