BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Candidato derrotado na eleição presidencial de 2014, o deputado Aécio Neves (PSDB) rejeitou as suspeitas levantadas pelo presidente Jair Bolsonaro e afirmou que não houve fraude naquela disputa.

"Eu não acredito que tenha havido fraudes nas urnas em 2014, tampouco acredito que nós estejamos fadados a viver eternamente com as urnas eletrônicas de primeira geração", declarou o tucano.

Na quarta-feira (7), Bolsonaro disse ter um levantamento "feito por gente que entende do assunto" que apontaria a vitória do candidato do PSDB naquela eleição. "O Aécio foi eleito em 2014", declarou, sem apresentar provas, em entrevista à Rádio Guaíba.

Naquele ano, Dilma Rousseff (PT) foi reeleita com 52% dos votos, ante 48% de Aécio, com vantagem de cerca de 3,5 milhões de votos.

Aécio afirmou em nota que defende mudanças nas urnas eletrônicas apenas "em benefício da credibilidade, da confiabilidade do nosso sistema".

O deputado tucano divulgou o texto depois que o jornal Folha de S.Paulo publicou uma declaração em que o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), vice em sua chapa de 2014, descartava a possibilidade de fraude na disputa.

"A eleição foi limpa, nós perdemos porque faltou voto", afirmou Aloysio.

Antes disso, Aécio havia dito que não comentaria a fala de Bolsonaro.

Outros tucanos que participaram daquela eleição descartam suspeitas de fraude. Eles atribuem a derrota a um desempenho abaixo do esperado em estados como Minas Gerais, reduto eleitoral de Aécio.

O próprio candidato do PSDB reconheceu a derrota no dia em que foi realizado o segundo turno. Ele telefonou para Dilma e cumprimentou a presidente reeleita pela vitória. Embora os tucanos tenham pedido uma auditoria nas urnas eletrônicas após a eleição, eles não questionam o resultado da votação.

Derrotado pela chapa encabeçada por Dilma, Aloysio rejeitou a tentativa de Bolsonaro de usar a eleição de 2014 como indício de irregularidades no sistema de votação. "É evidente que ele não tem prova nenhuma, porque não houve fraude", diz.

Aécio afirmou à Folha de S.Paulo que a discussão sobre a urna eletrônica e a possível adoção do voto impresso, defendida pelo presidente, ficou "contaminada pelo radicalismo dos discursos".

O tucano integra a comissão especial na Câmara que discute a proposta para implementar a impressão do voto na urna eletrônica.

O tucano defende a criação de "algum nível de auditagem" nesse sistema, mas diz que essa discussão deve ficar para depois das próximas eleições.

"Eu não acredito que devamos ficar presos eternamente às urnas de primeira geração. Mas é melhor deixarmos para voltar a esse debate depois de 2022."

Após a eleição de 2014, o PSDB pediu uma auditoria nas urnas eletrônicas. Segundo Aloysio, "não houve alegação de fraude" naquela ocasião.

"Havia uma grande polêmica sobre a segurança da urna, geralmente alimentada por segmentos da direita. Mas o que a direção do partido decidiu foi pedir uma auditoria, não uma recontagem de votos. A vitória da Dilma foi reconhecida publicamente pelo Aécio", afirma o candidato a vice em 2014.

Ao fim daquele processo, o PSDB declarou que as urnas eletrônicas eram "inauditáveis", uma vez que não foi possível ter acesso a todos os níveis de criptografia das máquinas.

"A conclusão foi que não se pode dizer que houve ou não houve fraude", afirmou o advogado Flávio Pereira, um dos representantes do PSDB naquela auditoria.

Ele diz que "um contingente expressivo da sociedade" demonstrava dúvidas sobre o sistema de votação e que "era preciso dar uma resposta para legitimar o processo eleitoral". Esse, segundo ele, foi o objetivo da auditoria.

"O maior propósito era trazer uma legitimidade para o processo. O passado estava resolvido, mas nós precisávamos legitimar para o futuro. E houve um aperfeiçoamento do sistema", declara.

Bolsonaro levantou suspeitas de fraude eleitoral diversas vezes, incluindo a disputa que ele venceu, em 2018. Ele já declarou que se recusará a passar a faixa presidencial para um adversário que vença as eleições caso ele considere que há irregularidades no processo.

O presidente, no entanto, nunca apresentou indícios que reforcem suas suspeitas.

No final de junho, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, deu 15 dias para que Bolsonaro apresente as provas que diz ter sobre uma suposta fraude no sistema eletrônico de votação.

O magistrado, que integra o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), editou uma portaria para estabelecer que todas as autoridades que relatem inconformidades no processo eleitoral ficam obrigadas a apresentar elementos nesse período.

Diferentemente do que Bolsonaro tem difundido, o coordenador jurídico nacional de sua campanha presidencial em 2018, Tiago Ayres, defendeu em entrevista à Folha de S.Paulo a confiabilidade e a segurança das urnas eletrônicas.

O advogado eleitoral também é favorável à implantação de um sistema de impressão do comprovante do voto dado na urna eletrônica, mas com um argumento bem distinto do que prega Bolsonaro.

"Todas as eleições realizadas até hoje tiveram resultados fiéis à vontade popular", disse Ayres, para quem o mecanismo de impressão do comprovante servirá tão somente como reforço à segurança "do já louvável" sistema.

ALGUNS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA DAS URNAS ELETRÔNICAS

Dispositivos de segurança

Uso de criptografia

Código certifica que o sistema da urna é o gerado pelo TSE e não foi modificado

Somente o sistema do TSE pode funcionar na urna

O sistema da urna fica disponível para consulta pública por seis meses

Em Testes Públicos de Segurança, especialistas tentam hackear o equipamento e apresentam as falhas encontradas para o TSE corrigir

Urnas selecionadas por sorteio são retiradas do local de votação e participam de uma votação paralela, para fins de validação

Sistema biométrico ajuda a confirmar identidade do eleitor

“Log”, espécie de caixa-preta, registra tudo o que acontece na urna

Impressão da zerésima e boletim de urna

Processo não é conectado à internet

Lacres são colocados na urna para impedir que dispositivos externos (como um pendrive) sejam inseridos

O QUE BOLSONARO JÁ DISSE SOBRE URNAS ELETRÔNICAS

‘PERDER NA FRAUDE’

Em live, em setembro de 2018, quando se recuperava de facada

“A grande preocupação realmente não é perder no voto [a eleição presidencial], é perder na fraude. Então, essa possibilidade de fraude no segundo turno, talvez até no primeiro, é concreta.”

‘NÃO POR VOTO’

Em live, em outubro de 2018, antes do segundo turno das eleições

“Isso só pode acontecer por fraude, não por voto, estou convencido.”

‘VOTO IMPRESSO É SINAL DE CLAREZA’

Em novembro de 2019, após Evo Morales renunciar à Presidência da Bolívia

“Denúncias de fraudes nas eleições culminaram na renúncia do Presidente Evo Morales. A lição que fica para nós é a necessidade, em nome da democracia e transparência, contagem de votos que possam ser auditados. O VOTO IMPRESSO é sinal de clareza para o Brasil!”, escreveu nas redes sociais.

‘A DIFERENÇA FOI MUITO MAIOR’

Em live, em novembro de 2019, comentando a renuncia de Morales

"Todo mundo dizia que eu tinha tudo para ganhar as eleições na reta final. Eu tinha certeza disso e teve no final 55% para mim e 45% para o outro candidato. Muita gente achou que a diferença foi muito maior. Como um lado ganhou, e nas ruas todo mundo tinha essa convicção de que eu ia ganhar, não houve problema. Mas imagina se o outro lado ganha as eleições, como é que a gente ia auditar esses votos? Não tinha como auditar.”

SUPOSTAS PROVAS

Durante evento em Miami, em março de 2020

“Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente [até hoje o presidente não apresentou o material], eu fui eleito no primeiro turno, mas, no meu entender, teve fraude. E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes (...).”

‘VÃO QUERER QUE EU PROVE’

Em novembro de 2020, após votar no pleito municipal

“A minha eleição em 2018 só entendo que fui eleito porque tive muito, mas muito voto. Tinha reclamações que o cara queria votar no 17 e não conseguia. Vão querer que eu prove. É sempre assim. O cara botava um pingo de cola na tecla 7, um tipo de adulteração.”

‘TEVE MUITA FRAUDE LÁ’

Em novembro de 2020, comenta as eleições americanas após votar no pleito municipal

“Tenho minhas fontes [que dizem] que realmente teve muita fraude lá. Isso ninguém discute. Se foi suficiente para definir um ou outro, eu não sei.”

‘É NO PAPELZINHO’

Em conversa com apoiadores, em dezembro de 2020, dá informação falsa sobre as eleições para Presidência da Câmara dos Deputados, que adota sistema eletrônico desde 2007

"O que é comum na Câmara, não sei como está agora. As eleições na Mesa [Diretora], para presidente, é no papelzinho. Não sei como vai ser esta agora."

PIOR QUE OS EUA

Nesta quinta (7), ao comentar invasão do Congresso americano

“Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos.”

“Lá [EUA], o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí."