Acordos da COP ainda não evitam mudança climática perigosa, diz especialista
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quinta-feira, 11 de novembro de 2021
RAFAEL BALAGO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - A COP26 tem apresentado alguns resultados positivos, mas as metas deveriam ser mais ambiciosas para evitar os riscos trazidos pelas mudanças climáticas, avalia Jennifer Haverkamp, que já foi negociadora dos EUA em temas ambientais.
Para ela, os pacotes propostos por Joe Biden, que preveem mais de US$ 500 bilhões para acelerar a transição americana rumo a energias menos poluentes, não são suficientes por si só para levar os EUA a atingirem suas metas climáticas.
"É necessário também ver o que está acontecendo no nível subnacional, que tipo de compromissos e políticas os estados estão implementando. E o que está acontecendo na esfera corporativa", avalia.
Haverkamp foi representante especial para ambiente e recursos hídricos do Departamento de Estado, durante o governo de Barack Obama. Em 2016, liderou a equipe de negociação americana para a criação do Protocolo de Montreal, um acordo para a redução de gases HFC ( hidrofluorcarbonetos), que contribuem para o efeito estufa. A seguir, trechos da conversa dela com a reportagem.
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Pergunta - O que mudou das conferências da época do Acordo de Paris em relação ao cenário atual?
Jennifer Haverkamp - Estamos em uma posição melhor para fazer os governos avançarem do que em 2015. Isso foi impactado especialmente do relatório de 2018 do IPCC [ Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas], que nos chamou a reduzir emissões quase pela metade até 2030, e aumentou a urgência do problema de um modo que os políticos estão respondendo a isso, as empresas estão tomando mais medidas. Então estou esperançosa.
Por outro lado, você tem as idas e vindas nas posições de países-chave, como o fato de que os Estados Unidos, nos últimos quatro anos, não estavam na mesa de modo sério. E agora estão de volta, o que acho essencial para o progresso. Mas os outros países estão olhando de perto para ver se os EUA conseguem cumprir suas próprias metas.
O governo Biden propôs um pacote bilionário para agir nas questões climáticas, mas sua aprovação no Congresso avança de modo lento. Isso pode enviar uma mensagem ruim para outros países?
JH - Para quase todos os países que você analisar, qualquer pacote legislativo não seria suficiente. É preciso olhar para os efeitos cumulativos e a direção em que os países estão indo. Os pacotes que a administração Biden está considerando, em infraestrutura e clima, terão um impacto muito significativo. Mas não serão, por si só, suficientes para levar os Estados Unidos a atingir as metas do Acordo de Paris.
Outro ponto necessário em um país como os Estados Unidos é ver o que está acontecendo no nível subnacional, que tipo de compromissos e políticas os estados estão implementando. E o que está acontecendo na esfera corporativa, incluindo as multinacionais que estão agora, por uma série de razões, assumindo compromissos e trabalhando para implementá-los.
A administração Biden ficou em falta sobre o que poderia mostrar ao mundo em Glasgow, mas esta administração está comprometida em lidar com as questões do clima de todos os modos que puder. É significativo o pacote de regulações de metano, assim como o compromisso para implementar a Emenda de Kigali sobre hidrofluorcarbonetos e outros passos, por meio de regulações, ações executivas, compras públicas e persuasão.
Como avalia os resultados da COP26 até agora?
JH - É valioso ver quantos líderes mundiais foram ao evento e subiram em um palco para dizer ao mundo o que seus países estão fazendo. Mas o que tenho visto até agora em Glasgow ainda não é suficiente para evitar uma mudança climática perigosa, mas há movimentos em direção positiva.
Além das promessas sobre desmatamento, destacaria os compromissos de não financiar usinas de energia a carvão e de reduzir as emissões de metano. Ele é um poluente de vida curta e, na próxima década, uma das coisas mais importantes que podemos fazer é reduzir sua emissão, pois nos ajudará a ganhar tempo para lidar com as emissões de dióxido de carbono.
O que mais poderia ser feito?
JH - É mais uma questão do nível de ambição em cada uma das áreas, como combustíveis fósseis, desmatamento etc., do que de incluir mais categorias. E dois setores muito importantes da economia global ficaram de fora da COP, a aviação e a navegação globais. As organizações desses setores são atores-chave nos esforços para combater as mudanças climáticas.
Os anúncios poderão trazer mudanças reais, nos próximos anos, para problemas como o desmatamento?
JH - Os compromissos sobre desmatamento são importantes por destacarem que uma parte essencial da solução é proteger as florestas. Houve compromissos para lidar com o desmatamento no passado que não foram plenamente cumpridos. Houve idas e vindas nos compromissos no Brasil. As metas são ótimas, mas como qualquer tipo de promessa vinda de Glasgow, precisam ser seguidas com um monitoramento muito cuidadoso e haver transparência sobre o que países estão fazendo para atingi-las. É preciso responsabilizar os países pelos que eles prometem.
Como avalia a forma como o governo dos EUA tem buscado pressionar outros países, como o Brasil, a agir?
JH - A complexidade das mudanças climáticas e o número de setores da economia de cada país que estão envolvidos nas políticas necessárias para tratar do problema faz com que, para obter sucesso, os países precisem assumir compromissos que estejam confortáveis em tentar atingir. Então essa é uma área da diplomacia onde ameaças são menos efetivas. E onde as consequências da inação podem ser mais difíceis de gerar responsabilização pelo Acordo de Paris, pelo qual os países entram com compromissos voluntários.
Isso foi determinado, depois de anos de tentativas, como sendo o melhor caminho, em vez de tentar forçar países a seguir obrigações porque outros estão pedindo. E estamos no meio de um experimento para ver se isso funciona melhor do que a abordagem sob o Protocolo de Kyoto. Mas a estrutura positiva do Acordo de Paris é que os compromissos são revistos e reforçados de modo regular. E essa é a parte significativa: a COP26 é a primeira vez desde Paris em que os países deveriam olhar os compromissos uns dos outros e analisá-los. E isso continuará sendo feito a cada cinco anos.
A nova postura ambiental dos EUA deve seguir firme mesmo após a COP?
JH - O esforço diplomático dos EUA deverá continuar entre as COPs, visto o nível de atividades do enviado especial John Kerry e sua equipe depois da cúpula do clima liderada pelos EUA (em abril).
Os EUA e outros países têm usado reuniões-chave, como o G7 e o G20, como espaços para tentar obter acordos para fazer mais pelo clima. Os EUA tem a Usaid [Agência dos EUA para o Desenvolvimento], parte do Departamento de Estado, que faz um esforço diplomático muito grande, e podem trabalhar por meio de outras organizações, como o Banco Mundial. A mudança climática é tão complexa e toca a tudo que você pode transformar todos os fóruns internacionais em lugares para tentar obter avanços.
Vê chances reais para que os países em desenvolvimento recebam mais recursos para se adequarem?
JH - Em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões por ano, mas não alcançaram essa meta. O encontro em Glasgow é um momento importante para colocar luz sobre isso e pressionar os países a elevar seus compromissos nesse tipo de ajuda.
Um dos testes reais para o sucesso da COP é se os países poderão chegar a um acordo sobre as regras de como os mercados de carbono vão funcionar sob o Acordo de Paris. É a última questão não resolvida para implantar o acordo. Se der certo, será um suporte econômico para os países em desenvolvimento reduzirem suas emissões. Por outro lado, se não for feito da forma correta, não irá de fato levar à redução de emissões. Você não quer ter uma contagem dupla nas reduções.
A senhora já trabalhou com gerenciamento de recursos hídricos. O que governos poderiam fazer, no curto prazo, para lidar com as secas, cada vez mais frequentes?
JH - Nos Estados Unidos, os direitos sobre a água são uma questão para as leis estaduais. E elas geralmente apontam que as pessoas têm mais direito à agua do que a água existente. Então é um grande desafio mudar a alocação da água.
Em tempos de escassez, os governos podem tomar medidas para evitar desperdícios, como limitar o uso de água por instalações, como fábricas, que não pertencem a climas áridos. Outro ponto é analisar de forma mais firme que tipo de plantações estão sendo cultivadas em áreas onde a água é limitada. E construir infraestruturas que captam água quando há chuvas fortes, para que essa água tenha um bom uso em vez de ir para os rios ou para o mar.
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RAIO-X
Jennifer Haverkamp
Foi representante especial para ambiente e recursos hídricos do Departamento de Estado, no governo de Barack Obama. Antes, foi representante-assistente de comércio para ambiente e recursos naturais da Casa Branca, durante o governo de Bill Clinton, e depois diretora de políticas internacionais na ONG Environmental Defence Fund. Atualmente é diretora do Graham Sustainability Institute, da Universidade de Michigan.