'37 Graus' fala ao pé do ouvido, unindo ciência e histórias com capricho
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quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
REINALDO JOSÉ LOPES
FOLHAPRESS - É difícil não sentir que há algo de obsessivo no capricho com que são produzidas as temporadas de "37 Graus", podcast que une ciência e histórias humanas criado pela jornalista Bia Guimarães e pela bióloga Sarah Azoubel.
Os episódios conduzidos pelas duas mostram que é possível usar o meio para criar uma lógica narrativa própria, combinando elementos de entrevista, radionovela e conversa ao pé do ouvido num todo harmonioso.
Essa costura habilidosa tem aparecido com mais clareza nas últimas duas temporadas, com os títulos "Tempo" e "Na Esquina da Realidade". Em vez de contar uma história única e linear, o podcast se propõe a olhar grandes temas ou conceitos -a percepção que temos sobre o tempo e a linha que separa o real do falso, respectivamente- por uma diversidade de ângulos, e também de modo um tanto cíclico (o que ajuda a dar a sensação de começo, meio e fim para as temporadas).
É o tipo da abordagem que facilmente poderia produzir dispersão ou falta de clareza. Do mesmo modo, a decisão de misturar as ciências naturais propriamente ditas com aspectos históricos, culturais e pessoais traz consigo o risco de levar a algo pasteurizado e sem rigor, que não iria além da mera anedota ou curiosidade.
A dupla, porém, quase sempre consegue caminhar nessa corda bamba com sucesso. Um bom exemplo é o episódio em duas partes "Um Acidente de Memória", de setembro de 2021. Nele, as lembranças nebulosas de Bia Guimarães sobre um acidente de carro que aconteceu com ela anos atrás, e a tentativa de reconstruir o que de fato ocorreu voltando ao local da batida, abrem espaço para discutir como as memórias são construídas e reconstruídas no cérebro e para mostrar como os testemunhos pessoais precisam ser usados com muita cautela em contextos criminais.
As conversas com os entrevistados e os trechos de narração costumam ser bem conduzidos, mas um dos pontos mais prazerosos para o ouvinte provavelmente são os momentos em que as apresentadoras parecem sentar juntas para tentar entender o que estão descobrindo sobre o tema do episódio, ou especular sobre o que virá em seguida. Nessas horas, o roteiro se metamorfoseia numa conversa informal e intimista, da qual o ouvinte parece estar participando.
Mais uma vez, é o tipo de recurso que pode descambar facilmente para um resultado forçado ou artificial, mas que encontra o tom certo graças à cumplicidade da dupla. Tais conversas também ajudam a injetar leveza e bom humor em temas complicados, como a busca pela imortalidade biológica no episódio "Procura-se Regina", de janeiro de 2021 -Regina é o apelido pelas duas a uma planária, verme cuja capacidade quase miraculosa de regenerar o próprio corpo é um dos exemplos de como o envelhecimento do organismo não parece ser inevitável.
É possível notar também um cuidado particular com a criação da "paisagem sonora" dos episódios. Isso se reflete não apenas nas trilhas composta pelo músico Gabriel Falcão como também nas boas sacadas para tentar reproduzir dados e conceitos científicos mais abstratos em forma de efeitos e ambientação sonora.
Dois episódios nos quais isso funcionou especialmente bem, ambos de outubro de 2021, são "Viagem pela Selva Elétrica" -sobre o mundo sensorial peculiar dos poraquês, peixes elétricos da Amazônia- e "Em Busca do Vale do Silêncio", sobre um radiotelescópio no sertão da Paraíba.
Guimarães e Azoubel também costumam compartilhar o que sabem sobre criação de podcasts no site Cochicho.org, que traz dicas sobre como lidar com os mais variados aspectos do formato, dos melhores gravadores de som e bancos online de trilhas sonoras gratuitas ao registro de propriedade intelectual. Os recursos podem ser bastante úteis para podcasters novatos.
37 GRAUS
Onde Nas plataformas de streaming ou no site oficial
Link: https://37grauspodcast.com
Apresentação Sarah Azoubel e Bia Guimarães
Avaliação ótimo

