Nas Alturas

Profissões que desafiam a gravidade

Por Pedro Marconi e Vitor Ogawa

Introdução

Quem nunca sentiu vertigem, agonia, medo ou apreensão ao ficar longe do solo e olhar para baixo que atire a primeira pedra. Fascinante para alguns, a altura é um desafio para a maioria das pessoas. Muitas, inclusive, chegam a sofrer até de acrofobia (medo mórbido de alturas), tamanho o pavor.

50 metros de altitude

Distante deste grupo, porém, estão inúmeros trabalhadores, que têm na altura o ofício de todos os dias e do qual tiram o sustento. São homens e mulheres, de idades e trajetórias diferentes, mas com a mesma base de trabalho: a altura.

Alguns ganham ares de heroísmo, como os bombeiros e serviço médico aéreo, que arriscam suas vidas para salvar a dos outros. Têm aqueles que somam uma dose de adrenalina, se jogando no ar para dar o “gostinho” do que é ser paraquedista. É serviço de tensão, como a manutenção predial e de torres de energia, além da construção de edifícios. Alguns ainda fazem da altura o picadeiro com a arte circense.

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A reportagem da FOLHA buscou personagens que encontram no trabalho a dezenas e centenas de metros de altura um prazer. A partir da perspectiva deles são conhecidas as especificidades da profissão perigo, dificuldades, experiências, histórias e como lidam diariamente tendo como base para os pés o céu ao invés do chão. Independente do que fazem, todos mostram um profundo respeito pela altura.

(BETA: Este é um projeto da FOLHA DE LONDRINA com novos formatos e experiências em jornalismo imersivo. Uma melhor performance foi verificada no acesso em desktops e recomenda-se o acesso com conexões de alta velocidade. Algumas mídias podem ter o funcionamento comprometido em aparelhos móveis. Se encontrar algum erro durante sua experiência, deixe-nos saber [email protected] e BOA LEITURA!)

Escalada em gigantes de aço

Vítor Ogawa

Ao longo das estradas paranaenses é possível ver as torres que sustentam as linhas de transmissão de energia elétrica, verdadeiros gigantes de aço que rasgam os céus com suas estruturas, fruto do trabalho dos profissionais que atuam na construção e na manutenção dessas estruturas.

A rede de transmissão de energia da Copel é constituída hoje por 3 milhões de postes, 20 mil torres, 401 subestações e 29 usinas. Atualmente, são 2.242 funcionários treinados e habilitados para exercer atividades acima de dois metros de altura, conforme determina a legislação.

Para lidar com o desafio de trabalhar nas alturas com as linhas de transmissão, há 20 anos existe o GOE (Grupo de Operações Especiais) que é referência nesse tipo de atividade, dentro e fora da Copel.

O grupo é pioneiro no setor elétrico para atuação em ambiente vertical, principalmente nas áreas de geração e transmissão de energia. Enquanto os eletricistas de distribuição escalam postes a uma altura média de oito metros, o GOE chega a escalar 80 metros de altura. Esses profissionais fazem uso rotineiro do cinto paraquedista e a chamada “corda de vida”, equipamentos que obedecem à regulamentação do Ministério do Trabalho, criada em 1996. O grupo de elite atua em emergências, como nas ocorrências onde há queda de torres de transmissão decorrentes de vendavais.

Um dos membros do GOE é Armando Guimarães, técnico de manutenção de linhas de transmissão e instrutor de trabalho em altura e resgate na Copel. Ele é um dos responsáveis na Copel por realizar o treinamento dos eletrotécnicos segundo as normas do Ministério do Trabalho para trabalho em altura, dá aula a instrutores sobre o assunto e tem atuado na coordenação em emergências.

ARMANDO GUIMARÃES
ARMANDO GUIMARÃES

Guimarães relata que ingressou na profissão de eletrotécnico por influência de seu pai, que também foi funcionário da Copel e depois montou uma empresa terceirizada para atuar na área. “A primeira vez que subi em um poste eu trabalhava na empresa de meu pai. Eu tinha 17 anos e subi a nove metros de altura. Naquela época a gente utilizava esporas de metal encaixadas na borda dos postes e ia subindo. Quando me posicionei para subir, fiquei com medo de escorregar. A ponta do poste balançava, então deu uma sensação de medo”, relembra.

Depois de trabalhar por sete anos ao lado de seu pai, ele ganhou experiência e conseguiu ingressar no quadro de funcionários da Copel. Logo passou a escalar estruturas muito mais altas. A maior delas foi a Catedral Metropolitana de Maringá, com 124 metros de altura, que ele subiu até o alto da cruz para instalar a iluminação de Natal.

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E por falar em religiosidade, uma das coisas que seu pai ensinou foi acreditar em Deus e logo as orações pedindo saúde e para não sofrer acidentes entraram para o seu ritual antes de operações mais delicadas. Mas somente a fé não era suficiente para garantir a segurança. Era preciso treinamento para lidar com as mais diferentes situações do cotidiano e também era necessário o uso de equipamentos de qualidade.

Há 29 anos na companhia, Guimarães relata que antes mesmo que surgisse a NR (norma regulamentadora) 35, ele participou da homologação dos primeiros equipamentos de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para trabalho em altura para o setor elétrico. “No começo eram utilizados equipamentos esportivos, aos poucos fomos adaptando a técnica de escalada esportiva à escalada industrial.

O primeiro curso que nós tivemos para trabalho em altura foi ministrado por alpinistas profissionais. Eles utilizavam o sistema de escalada em rocha para subir as torres e essa técnica de escalada segura foi adaptada para trabalhar em vários ambientes”, conta.

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A adaptação também não foi fácil. “Antes eu trabalhava à vontade, mas com o equipamento novo dava a impressão que eu sempre estava amarrado. Depois que vimos que o equipamento é super seguro ficou muito mais fácil trabalhar”, relembra.

Guimarães conta que por vezes observa pessoas de fora da empresa utilizando equipamentos inadequados para o trabalho em altitude. Uma delas chegou a comprar cinto de segurança a um preço bastante baixo, mas que não proporcionava segurança alguma. “Disse para ele jogar fora aquela ratoeira”, afirma.

Durante o treinamento que ministra na empresa, Guimarães sempre pergunta se há alguém que tem medo de altura. “Muitos não respondem, com medo de retaliação. Eu pergunto sempre isso por que eu quero ajudá-lo. É possível trabalhar essa fobia com o equipamento de segurança que a empresa fornece”, afirma. Ele explica que por vezes há funcionários que “cristalizam”, termo usado por ele para definir quem fica paralisado de medo. “Às vezes é preciso fazer o resgate dessas pessoas lá do alto”, revela.

RISCO

Além da altitude, outra preocupação é trabalhar com a energia elétrica. “Nós temos a distância de segurança que devemos respeitar. Quando chegamos a três metros de distância o pelo do braço começa a te avisar sobre o campo elétrico (porque começa a eriçar). Se você invadir a distância de segurança vai fechar o circuito e você vai virar um condutor. A pessoa vira uma lâmpada”, compara.

Ele explica que dependendo do arco voltaico a pessoa toma choque que se parece com um beliscão. “Antes a gente trabalhava sem luvas, mas hoje temos proteção: camisas de manga comprida e o calçado possui solado o apropriado para isolar”, aponta. Guimarães já mostrou à família vídeos de acidentes com trabalhadores que atuam em atividades semelhantes a dele e disse aos familiares sobre o risco que corre. O alerta não é brincadeira. O eletricista já perdeu três amigos que trabalhavam na empresa e que, por negligência nas orientações de segurança, acabaram perdendo a vida.

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Guimarães destaca que o YouTube está carregado de acidentes com eletricidade, de pessoas pegando fogo em acidente com eletricidade e morrendo. “Às vezes eu mostro para a minha família e explico que eu me protejo. A empresa nos treina e capacita para executar todas as funções, tudo com segurança. Graças a Deus eu trago isso comigo desde quando eu entrei na Copel. Aí minha família acaba se acostumando. Mas eles falam: ‘Vai com Deus e cuidado, hein!’ Eu ouço essa voz toda vez que começo a escalar alguma torre. Trabalho para eles e penso neles. Se eu não usar os equipamentos, eu posso ir ‘bonito’ também”, admite.

Sobre as paisagens que mais gostou de ver lá do alto ele volta a citar a vista do alto da catedral de Maringá, mas gostou mais do Cânion Guartelá, visto do alto de uma torre de 35 metros. “Nessa profissão a gente vê mais paisagens rurais, mas às vezes até a vista dentro da cidade é legal”, enumera. Entre as melhores paisagens de Londrina que ele se recorda estão a visão do alto de um moinho de trigo e do alto de um prédio na Gleba Palhano.

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Norma Regulamentadora 35

A NR35 regulamenta o trabalho em altura executado acima de dois metros do nível inferior, onde houver risco de queda. Ela estabelece os requisitos mínimos e as medidas de proteção para o trabalho em altura para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores.

- Antes do início dos trabalhos deve ser efetuada inspeção rotineira de todos os EPIs, acessórios e sistemas de ancoragem

- Itens com defeitos, degradação, deformações ou que sofrerem impactos de queda devem ser inutilizados e descartados

- O cinto de segurança deve ser do tipo paraquedista com conexão no sistema de ancoragem

- O sistema de ancoragem deve ser estabelecido pela análise de risco

- O trabalhador deve permanecer conectado ao sistema de ancoragem durante todo o período de exposição ao risco de queda.

- O talabarte e o dispositivo trava-quedas devem estar fixados acima do nível da cintura do trabalhador

O ponto de ancoragem deve:

- Ser selecionado por profissional legalmente habilitado

- Ter resistência para suportar a carga máxima aplicável

- Ser inspecionado quanto à integridade antes da sua utilização

O trabalho de acesso por corda deve ser interrompido imediatamente em caso de ventos superiores a 40 km/h

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Do improviso às normas de segurança

Vítor Ogawa

Uma das fotos mais célebres de trabalhadores na construção civil foi feita em 1932 (Lunch Atop a Skyscraper, por Charles C. Ebbets - Acima). A imagem retrata onze operários almoçando sem segurança aparente, sentados em uma das vigas de aço da obra do RCA Building, no complexo do Rockefeller Center, em Nova York, a 256 metros de altura.

Uma foto que é inconcebível de ser retratada hoje diante das inúmeras normas e regulamentações existentes para quem trabalha nas alturas. Se naquela época a segurança do trabalho era quase inexistente, atualmente o rigor é necessário para evitar acidentes.

A reportagem foi a um edifício em construção, o Edifício Maison Zenith, da A.Yoshii, para ver como é o trabalho nos dias de hoje e quem são os responsáveis pela construção dos edifícios que compõem o horizonte pé-vermelho.

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Do alto do 16º andar, a equipe encontrou-se com o pedreiro Claudinei Pereira Venâncio, que trabalha desde 1986 na construção civil. “Naquela época os trabalhadores não tinham muito valor. Os elevadores eram rudimentares. Para trabalhar na área externa havia apenas um cinto com uma argola que se amarrava ao lado. Era você e você. Já perdi amigo trabalhando assim”, relembra.

Assim que sobe no balancim, fixa os dois ganchos no guarda-corpo para poder se soltar da corda. Ele nunca se solta de um ponto antes de se prender em outro. Venâncio relata que a execução do serviço tem início nos andares mais baixos e como a obra vai subindo aos poucos, é possível se acostumar paulatinamente com essa diferença de altura. “A gente já é acostumado com isso. Geralmente a pessoa vai se habituando conforme a obra vai subindo”, destaca.

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Enquanto conversa com a reportagem, Venâncio coloca os equipamentos de segurança pacientemente, garantindo que nada está fora de lugar. Além do capacete, da botina, dos óculos de segurança e luvas, logo ele começa a colocar equipamentos que geralmente estão associados a alpinistas. Primeiro veste um cinto paraquedista e depois coloca um talabarte com ABS que o prende a dois ganchos de grande abertura. Em seguida, prende-se a uma corda que está presa a uma peça metálica chumbada na parede, para que não haja risco de queda durante a transição do edifício para o balancim, que é um andaime suspenso por cabos conduzido manualmente.

O pedreiro explica que todos os operários que atuam nas alturas fazem exame para verificar a aptidão para trabalhar nestas condições. Mas nem sempre o teste consegue fazer a seleção correta. “Já aconteceu de amigo meu falar ‘tô fora’ quando chegou no alto e travou. Mesmo fazendo o exame para ver se podia trabalhar nas alturas, na hora que chega lá em cima é diferente”, observa.

Por trabalhar rebocando fachadas de prédios, ele explica que a atenção deve ser redobrada. “É totalmente diferente de trabalhar por dentro da obra. Na fachada é preciso fazer um serviço diferenciado e é preciso ter cuidado com as ferramentas, que podem cair lá embaixo”. Venâncio conta que ao longo de sua carreira de pedreiro já viu colega ficar pendurado apenas por uma corda. “Ele foi fazer manutenção da catraca do balancim e o trava-queda não o segurou. O balancim, que estava no 23º andar, desceu. O resgate demorou uns 15 minutos. Por sorte, um colega de trabalho viu a cena e o jogou para dentro da obra”, relata.

Venâncio admite que trabalhar nas alturas é um serviço arriscado. “A gente trabalha nisso porque paga mais”, argumenta. Mas ele garante que hoje é mais seguro para trabalhar do que na época em que ingressou na profissão, devido a adoção de mais equipamentos de segurança e procedimentos mais seguros. “A empresa organiza palestras de segurança, orientando o que é certo fazer e o que não pode fazer. Eles fazem a parte deles. A gente é que tem que fazer a nossa”, incentiva.

O técnico em segurança no trabalho da A.Yoshii Juliano Pereira, destacou que nem só os que possuem medo de altura são descartados nos teste de aptidão para trabalhar nas alturas. “Os que não têm medo algum também podem ser descartados, porque eles podem se expor demasiadamente ao risco. Com essas pessoas fazemos uma nova avaliação e se não conseguirem se readequar, passam a realizar trabalho interno”, explica.

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Alpinistas do concreto

Pedro Marconi

A técnica e a altura são as mesmas. Porém, ao invés de montanhas ou pedras rochosas, são prédios, vidraças e telhados. Tudo em doses diárias e longas jornadas. É o trabalho de quem realiza manutenção predial e que convive com grandes distâncias do chão e o apoio de cordas.

“Comecei no esporte em 1998 fazendo rapel. Vi que faltava condições de segurança para o trabalho em altura na época, então, junto com meu irmão, resolvi levar a escalada como uma fonte de renda”, relembra Reginaldo Oliveira.

Reginaldo Oliveira
Reginaldo Oliveira

Desde então, ele o irmão, Roberto Oliveira, ganham a vida com a altura. No começo foi na informalidade, mas a demanda aumentou tanto que tiveram que abrir uma empresa, a Plano Vertical, especializada neste tipo de trabalho, que definitivamente não foi feito para todos. “Me identifiquei com a verticalidade, criei uma intimidade e respiro isso todos os dias”, resume.

No mesmo ar que respira a verticalidade também está o medo que, para ele, é importante e faz parte do processo. “Graças a Deus tenho medo”, acredita. “É um trabalho que não tem margem para o erro. O incidente quando se fala em trabalho vertical costuma não perdoar, porque normalmente acaba se transformando em um acidente”, alerta. Entre os outros serviços que faz, estão a instalação de pontos de ancoragem, colocação de faixas e decoração natalina.

CANDIDATOS

Por ser um trabalho que exige além força, um psicológico bom, não é fácil achar candidatos a passarem horas longe do chão.

‘Vestir a farda e ir para a guerra’

Por isso, quando pessoas assim são encontradas, a preparação é intensa e a valorização também. “Buscamos pessoas com predisposição física e saúde. É preciso fazer vários exames, como glicemia, eletrocardiograma e eletroencefalograma. A terceira etapa é o que chamamos de ‘vestir a farda e ir para a guerra’”, brinca.

A pessoa começa no nível um e vai subindo de categoria com o tempo. “É difícil encontrar quem aguente. Muitos entram achando que é só lidar com altura, porém ainda existe a dor, o cansaço e até se habituar demora. É um trabalho muito árduo”, afirma ele.

FAMÍLIA

Apesar do tempo de envolvimento com a área, a preocupação da família ainda é presente, mas de maneira menor. Segundo Oliveira, no início os pais ficaram receosos. “Como era precário a segurança antigamente, eles ficaram ‘meio assim’, pois só jogávamos bola e do nada viemos com essa notícia. No caso da minha esposa, ela me conheceu fazendo isso, então foi mais tranquilo. Mesmo assim, ainda existe a preocupação deles.”

EXPERIÊNCIA

O trabalho mais alto que ele, o irmão e o grupo de quatro alpinistas contratados realizaram até foi a manutenção em um edifício de 150 metros. Além da vista privilegiada que a altura oferece, a descontração também é um incentivo nestes casos. “Mas na hora que tudo começa a concentração precisa ser total”, adverte. Recentemente, um outro desafio foi a colocação de uma faixa gigante em um prédio de Apucarana (Vale do Ivaí), onde até a força do evento e o clima precisaram ser estudados.

De acordo com Oliveira, o que é apreensão se transforma em tranquilidade com o decorrer da experiência. “Conforme vamos fazendo, praticamente trafegamos nas paredes e as manobras laterais viram corriqueiras. O pessoal brinca que quanto mais experiente é, o alpinista vira um tiranossauro”, diverte-se.

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Socorro que vem dos céus

Vítor Ogawa

Voar sempre foi um dos desejos mais antigos do ser humano. Poder transpor grandes distâncias como pássaros foi um sonho inatingível para o homem durante muito tempo. Na mitologia grega isso já era retratado com o mito de Dédalo e Ícaro, pai e filho que construíram asas utilizando penas de pássaros e cera. Em 1493, Leonardo da Vinci projetou um parafuso helicoidal aéreo, uma espécie de antecessor do helicóptero, criado 414 anos antes do primeiro voo desse tipo de aeronave em 1907.

Ver helicópteros circulando pelos céus da região de Londrina era algo raro até o governo estadual implantar, no início da década, uma base aérea em Londrina com uma aeronave multimissão. Ela atendia tanto ocorrências médicas como também era utilizada em perseguições policiais. Já o helicóptero exclusivo para atendimento do Samu na região foi criado no dia 1º de dezembro de 2016.

Atualmente esse serviço aeromédico realiza de 50 a 55 horas/voo por mês o que representa de 45 a 50 atendimentos mensais, a maioria de remoções de pacientes com problemas cardíacos ou neurológicos.

O piloto Pedro Ivo Bastos Baldo, 36, integra essa equipe do Samu e é piloto de helicópteros desde o ano 2000. “É um trabalho que exige bastante concentração e muito planejamento também. Antes de decolar verificamos distância, combustível, condições climáticas e topografia”, detalha. Segundo ele, a autonomia de voo da aeronave é de três horas e cada hora de voo permite percorrer de 230 km a 250 km. “Todas as missões têm a sua importância e a sua dificuldade. As mais difíceis são as de pouso em rodovia, porque em paralelo existem cabos de energia elétrica e bastante árvores. São vários obstáculos e nem sempre o local de pouso é nivelado”, conta.

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Baldo explica que procura voar a 300 metros de altura, em média. “Como transportamos pessoas com problemas de saúde, a altitude pode atrapalhar”, explica. “A pilotagem deve ser muito sutil, sem agressividade. Esse é o cuidado com quem está dentro para não ter manobra ríspida e não tenha um pouso brusco no chão. Esse é o maior cuidado que a gente tem”, acrescenta. O piloto revela que é o único piloto de aeronave na família “Claro que se minha família pudesse optar, ninguém escolheria que eu fosse piloto comercial, mas ninguém se opôs. Já passei por algumas adversidades e meus pais ficam apreensivos quando isso acontece. Às vezes tenho que pousar em um local que não estava previsto e fico sem telefone. Essa falta de contato em geral não é por muito tempo”, relata.

O coordenador de enfermagem do Samu, Marcos Laurentino da Silva, que faz plantão nas aeronaves, explica que um atendimento que demoraria duas horas para ser realizado por terra levaria em torno de meia hora com o helicóptero. “Para a gente que trabalha com o serviço pré-hospitalar e temos que estar atentos ao tempo resposta. O protocolo diz que dependendo da gravidade da ocorrência, assim que a pessoa sofre o acidente tem até uma hora para chegar dentro do centro cirúrgico”, observa.

Silva lembra de uma ocorrência de acidente em uma rodovia em que a vítima estava presa às ferragens. “Do tempo do acionamento ao pouso do HU levamos 45 minutos. O emprego da aeronave fez a diferença para aquela vítima, que estava em estado grave, inconsciente, com trauma de crânio e tórax”, destaca. Ele explica que ao se realizar resgates desse tipo, em área restrita, o pouso é realizado com porta aberta para avaliar se a aeronave não vai atingir algo. “A gente usa uma cadeirinha de rapel e cinto de segurança para ficar ancorado na aeronave e não ter risco de queda”, descreve.

O helicóptero utilizado nesses resgates ou nas remoções é equipado como se fosse uma UTI móvel, com monitor, ventiladores para respiração artificial, bombas de infusão e medicações específicas como adrenalina, além de suporte para maca. O helicóptero também possui cilindro de oxigênio, colares e talas de imobilização, desfibrilador, material para acesso venoso, equipamentos de capazes de estabilizar qualquer paciente e até pode comportar uma incubadora para recém-nascidos. “Já teve o caso em que nasceram trigêmeos e dois deles foram transportados pelo helicóptero, mas um de cada vez.”

Do alto, o coordenador de enfermagem sente-se um privilegiado por contemplar as belezas do Paraná. “Posso destacar a paisagem na região de Tamarana, onde há o Salto do Apucaraninha. No caminho para Curitiba tem o Cânion Guartelá. Para o lado de São Jerônimo da Serra existem várias cachoeiras. Há algumas regiões que você nem imagina, sem falar da visão que a gente tem da nossa cidade vista por cima, que é bem bacana. Você vê a imensidão que é Londrina. Andando pelas ruas não dá para ter noção do quão grande a nossa cidade é, como a região dos lagos, quando realizamos a aproximação para pousar na pista”, ressalta.

Já o piloto Baldo diz que gosta de apreciar a beleza das nuvens durante os voos. “O pôr do sol é uma coisa muito bonita. E as horas seguintes também. As luzes da cidade ficam acesas e o céu fica com uma coloração entre o roxo e um azul mais escuro. Meu visual predileto é esse aí”.

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Pedro Marconi

A ave harpia no brasão da corporação já denota que os bombeiros precisam estar sempre preparados para “voar” em qualquer tipo de resgate.

Apesar da grande maioria das ocorrências, no caso de Londrina, serem relacionadas a incêndios e acidentes, os profissionais desta área, como um todo, também são formados para realizarem resgates verticais, para cima ou para baixo.

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“Existe um manual específico na corporação, que traz as técnicas para este tipo de salvamento. Todos os cursos de formação contam com essa explicação, que possui carga horária específica e faz parte do processo para quem quer ser soldado”, elenca a tenente e porta-voz do Corpo de Bombeiros em Londrina, Luana da Silva. “A técnica pode ser usada em salvamentos de quedas em poços, buracos e cachoeiras ou até mesmo tentativa de suicídio”, afirma. A preparação conta com um teste em que o candidato ao concurso de bombeiro militar precisa fazer a transposição de barras a seis metros de altura.

No caso do Corpo de Bombeiros, a responsabilidade é dobrada, já que é a vida de terceiros que está em risco, além do próprio profissional. “É uma atividade de muito risco. Não tomar a medida de segurança correta pode comprometer a vítima e o militar”, ressalta. Por isso, a possibilidade de usar a altura como forma de salvamento varia caso a caso e só é tomada se todas as condições de proteção estiverem resguardadas.

Segundo a tenente, a partir do momento que sai para um salvamento, a maneira que isso irá ocorrer é desconhecida e o tempo para resolver a questão é curto. “Para usar a verticalidade é avaliado a condição do local, notando se ali existe um ponto de ancoragem, por exemplo. Quando não existe, temos que pensar em outras alternativas”, exemplifica. Somado ao trabalho está o cuidado de contornar a pressão do dia a dia. “O foco precisa ser na técnica. A pessoa precisa ter vocação e gostar do trabalho para poder superar as adversidades”, acrescenta.

MATERIAIS

Quando o resgate implica no uso da verticalidade, uma série de materiais se diferenciam do trabalho comum, como apagar um incêndio. A maca utilizada é com proteção lateral e ainda são precisos cordas, cintos individuais de segurança, capacete, luvas, entre outras várias ferramentas. Os caminhões são equipados com estes objetos.

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No Paraná, para situações em que haja a necessidade de equipamentos e técnicas especiais, existe o Grupo de Operações de Socorro Tático, que fica em Curitiba.

Por não ser tão constante trabalhos com altura, é a experiência que vai dando a condição para superar este desafio extra no momento de salvar uma pessoa. “Tem pessoas que ‘travam’ quando precisam trabalhar com altura. Na formação ainda é avaliado se o indivíduo tem pânico. É com o tempo que vai vencendo as dificuldades e criando afinidade com os equipamentos e situações.”

RESISTÊNCIA

A altura para os bombeiros também exige condição física. A força em atividades desta magnitude faz com que eles tenham treinamentos constantes. No calendários anual da corporação são três testes de aptidão física por ano, que variam de acordo com a idade e a capacidade mínima exigida para o serviço. “Também fazemos rapel em pedreiras de Londrina e região e com recorrência”, destaca. Para ajudar, eles começaram a praticar treinamentos de força e condicionamento físico, sendo, inclusive, campeões da “Fire Games”, competição realizada pelo Corpo de Bombeiros.

O 3º Grupamento conta com aproximadamente 113 bombeiros em Londrina. Para a tenente Luana da Silva, que está na corporação há cinco anos, apesar da altura assustar em certas ocorrências, o principal combustível precisa ser o desejo de salvar um bem maior. “No final, vemos o quanto é gratificante estar a serviço do próximo”, resume.

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Entre a ginástica e o circo

Vítor Ogawa

Não é de hoje que o mundo artístico recruta atletas de alto rendimento. Talvez um dos mais célebres tenha sido Johnny Weissmuller,nadador que ganhou cinco medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928 e que estabeleceu 67 recordes mundiais de natação. Posteriormente ele foi selecionado para se tornar ator e se tornou famoso por interpretar Tarzan.

O ex-atleta de ginástica artística Adriano José dos Santos possui uma trajetória semelhante. Depois de viver intensamente a vida de atleta de alto rendimento, migrou para o mundo artístico e passou a fazer apresentações de acrobacias aéreas.

Quando a reportagem chegou ao espaço em que Santos dá aulas em aparelhos de acrobacias circenses, se deparou com um rapaz de corpo atlético, mas não imaginava que ele era um ex-atleta que disputava competições de ginástica.

“Quando comecei na ginástica olímpica (antigo nome da ginástica artística), me interessei pela plasticidade dos movimentos. No começo foi difícil porque eu não tinha afinidade nenhuma com esportes em geral, mas em dois anos consegui conquistar espaço dentro da equipe de competição de Londrina”, destaca.

Logo ele passou a integrar a seleção londrinense de ginástica, competiu em campeonatos paranaenses, jogos abertos, entre outras competições. “Cheguei a conquistar quatro medalhas individuais e por equipe conquistei de 15 a 20 medalhas”, relata. Depois de deixar a vida de atleta, Santos tornou-se técnico. “Passei por Curitiba, São Paulo, Santa Catarina e pelo Rio de Janeiro”, lista. Mas logo a possibilidade de se tornar artista de circo foi ganhando forma.

Na época a família dele foi contra. “Eles diziam que eu tinha ficado muito tempo preso à ginástica e que não havia conquistado nada com isso e que a vida no circo também não me levaria a lugar algum. Depois de quatro anos dentro da atividade circense eu comecei a trabalhar uma equipe de shows e eventos e acabei criando o Zirkus Espaço Cultural”, conta.

“Não foi tão difícil fazer essa transição da ginástica para o circo. Quando o Cirque du Soleil começou a trabalhar com atletas de alto rendimento, mostrou que o circo era algo que exige muito de seus artistas. Começaram a contratar nadadores, atletas do nado sincronizado e ginastas. Eles fizeram essa junção do esporte com os shows de circo”, contextualiza.

Dos 1,5 mil artistas Cirque du Soleil, cerca de um terço é formado por ex-atletas de alto nível. “No próprio site deles há a exigência de que os candidatos a ginastas acrobatas precisam ter participado de competições nacionais e internacionais e precisam ter no mínimo dez anos de experiência em ginásticas acrobáticas”.

Santos revela uma diferença que sentiu ao fazer a migração. “A ginástica é mais rígida, com movimentos mais limpos, e o circo proporcionava mais liberdade aos movimentos”. Além se apresentar em eventos, Santos ministra aulas de trapézio, tecido, lira e duo acrobático. “Não vou dizer que não dá medo, mas é uma sensação gostosa também. Dá um friozinho na barriga, mas a proteção a gente trabalha conforme o aparelho. Para os iniciantes a gente coloca um colchão debaixo de cada um deles, mas se a pessoa já treina há tempos, tem confiança, aí sim a gente retira a proteção. Eu, por exemplo, trabalho sem colchão”, diz.

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Sobre a utilização de equipamentos de segurança, como cabos, cintos de segurança, entre outros, ele afirma que a sua equipe os utiliza quando está montando as estruturas de apresentação em eventos. “Nós utilizamos a cadeirinha, cordas de rapel, os ganchos. Utilizamos capacetes para subir no alto para montar a estrutura e pendurar os aparelhos aéreos”, relata. Mas na hora da apresentação é essa falta de equipamentos de segurança que atrai os olhos da plateia. A reação do público o fascina. “Você sente a plateia prendendo a respiração. E a gente trabalha para isso. É mágico, você não quer parar. Você quer conquistar cada vez mais. Ao adquirir confiança no que você faz, os movimentos ficam automáticos.”

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Salto para a adrenalina

Pedro Marconi

A paisagem é dominada pelo azul infinito do céu. O verde das lavouras surge longe, como se fosse um pequeno campo de futebol. Os braços permanecem abertos como quem abraça o vento e a adrenalina. Tudo a milhares de metros de distância do solo e caindo em uma sensação de liberdade única. Essa é a rotina de quem pratica o paraquedismo, que além de esporte é uma forma de ganhar a vida para diversas pessoas.

Fábio Pelayo, 39, sabe bem como é isso. Paraquedista profissional há quase 20 anos, ensina interessados em saltar e também realiza salto duplo, direcionado para quem quer apenas sentir um pouco da sensação de “voar”. “Tinha 16 anos e era apaixonado por altura. Vi uma exposição e comecei a procurar mais sobre o assunto. Fiz o curso de formação com instrutores de fora de Londrina e aos poucos fui evoluindo”, conta.

FÁBIO PELAYO
FÁBIO PELAYO

A evolução a qual se refere está nos números. Desde que ingressou no paraquedismo foram 4.800 saltos, sendo 2.000 apenas duplos. Uma tortura para quem tem medo de altura. Para ele, mais uma oportunidade de agregar no estilo de vida que adotou. “Usamos a altura a nosso favor, pois é preciso saber lidar com ela, e é isso que dá segurança. Não é desprezar a altura, mas respeitá-la”, destaca. “Separo a adrenalina do medo”, acrescenta.

Para pular de paraquedas é necessário uma série de ferramentas de segurança e técnicas. Uma mochila própria deve ser usada, possuindo dois paraquedas. Um é usado e o outro é reserva, acionado automaticamente caso o primeiro apresente problemas. Também compõe os utensílios de salto um altímetro (medidor de altitude) portátil, macacão básico, óculos de proteção, altímetro de ouvido e capacete. As regras são da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que precisa ser informada toda vez que o espaço aéreo for usado para saltos.

Depois de sair do avião, a queda dura cerca de um minuto, até o paraquedas ser acionado. A altura considerada normal para saltos duplos e aprendizado varia de dez a 12 mil pés, o que soma cerca de 3.500 mil metros. Quando a queda livre começa, o corpo do paraquedista vai aumentando progressivamente de velocidade até atingir cerca de 200 quilômetros por hora. Até chegar essa velocidade e se estabilizar são aproximadamente 12 segundos. Do avião até o pouso, são de cinco a sete minutos. Na hora do salto, a velocidade do voo fica em cerca de 30 quilômetros por hora.

FORMAÇÃO

Em Londrina, o paraquedismo começou a se difundir com mais facilidade com uma escola criada em 2001 por Pelayo e um colega. “Tínhamos que viajar muito para saltar. Foi então que veio a ideia de criar uma escola em Londrina quando surgiu o aeroporto na zona norte. Antes eram poucos, mas hoje são vários instrutores. Muitos eram alunos”, recorda-se do surgimento da Fly Paraquedismo. Na cidade, a maior procura é pelo salto duplo, que é feito na região próxima ao distrito da Warta.

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Para se tornar profissional, é necessário passar por várias etapas, que são determinadas pela Confederação Brasileira de Paraquedismo. A entidade conta com um comitê de instrução e segurança, que propõe as atualizações nos cursos de formação. Até 25 saltos, a pessoa é considerada um aluno. “Quanto mais experiência vai obtendo vai ganhando as categorias para poder participar de cursos profissionais e eventos maiores. Assim, ele poderá usar paraquedas mais rápidos”, explica Pelayo, que faz parte deste comitê.

ESPORTE

Já se o desejo é focar na emoção, o paraquedismo pode ser apenas esporte. No Brasil e no mundo, dezenas de campeonatos reúnem atletas em disputas eletrizantes e com paisagens de tirar o fôlego, como o de Dubai. As modalidades são muitas, indo do pouso de precisão ao estilo livre. “Fui pelo caminho da pilotagem de velame, que no ‘mergulho’ pode atingir 150 quilômetros por hora. Quem se torna atleta, porém, pode seguir vários caminhos, sendo o recreativo, profissional ou de competição”, afirma.

Dos milhares de saltos, o mais alto aconteceu a 22 mil pés do solo ou 6.600 metros, junto com outros 104 paraquedistas ao mesmo tempo. Casado e pai de dois filhos, ele quer continuar vivendo com intensidade aquilo que para muitos dá arrepios só de imaginar. No caso dele e de quem gosta de saltar de paraquedas, a máxima do menos é mais não vale. “Quanto mais alto melhor. O único perigo está no chão.”

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NAS ALTURAS - Profissões que desafiam a gravidade
DATA DE PUBLICAÇÃO 10 Fevereiro de 2018
TEXTOS
Pedro Marconi, Vitor Ogawa
IMAGENS
Gina Mardones, Gustavo Carneiro, Marcos Zanutto, Patrícia Maria Alves, Roberto Custódio e Vitor Ogawa
APOIO LOGÍSTICO
Sérgio Fávaro, Zenil Costa, Vander de Silvio Martins, Jenes de Almeida
INFOGRAFIA
Folha Arte
ILUSTRAÇÃO
Gabriel Curtti
PROJETO GRÁFICO E DESIGN (IMPRESSO)
Anderson Mazeo e Gustavo Andrade
(WEB)
Patrícia Maria Alves
EDIÇÃO DE TEXTOS
Celso Felizardo
EDIÇÃO SITE
Erick Rodrigues
PRODUÇÃO/EDIÇÃO MULTIMÍDIA
Patricia Maria Alves
SUPERVISÃO DE PROJETO
Adriana De Cunto (Chefe de Redação)
AGRADECIMENTOS

AS EMPRESAS E PROFISSIONAIS QUE GENTILMENTE CEDERAM IMAGENS DE SEUS TRABALHOS EM CAMPO PARA ESTE PROJETO.