É REAL: 25 anos da moeda que derrotou a inflação

Publicado sábado, 06 de julho de 2019 | Autor: Reportagem de Nelson Bortolin às 10:24 h

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É REAL

25 anos da moeda que derrotou a inflação
UMA REPORTAGEM DE NELSON BORTOLIN

“Os preços ficarão estabilizados”, prometeu na televisão o então presidente José Sarney (PMDB), dia 28 de fevereiro de 1986, quando lançou seu Plano Cruzado, a primeira tentativa de estabilização da moeda brasileira pós-ditadura militar. Mas não foi naquela ocasião que o País se viu livre da inflação, acumulada em 238% no período de 12 meses. O próprio Sarney, que governou o País até 1989, tentou colocar fim no problema outras três vezes, com os planos Cruzado II, Bresser e Verão. E nada.

Quando o ex-presidente Fernando Collor (PRN) assumiu, em janeiro de 1990, a situação era ainda pior. Em 12 meses, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da inflação medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), alcançava 1.620%. O “caçador de marajás”, que praticava karatê, prometeu um Ippon – golpe perfeito da arte marcial – para resolver o problema de vez. Mas fracassou nos dois planos econômicos que implementou: Collor I e Collor II.

Em 8 anos, os brasileiros foram submetidos a oito planos, cinco congelamentos e quatro trocas de moeda (de cruzeiro para cruzado, de cruzado para cruzado novo, de cruzado novo para cruzeiro novamente, e de cruzeiro para cruzeiro real). A inflação só foi domada com o Plano Real, enviado ao Congresso Nacional em fevereiro de 1994 e que resultou numa quinta moeda, o real, emitida a partir de 1º de julho daquele ano, durante o governo de Itamar Franco.

A inflação do mês anterior à implantação da nova moeda foi de 47,4%. E caiu para apenas 6,8% em julho. Terminou o ano em 1,7% (IPCA de dezembro). Já a acumulada em 12 meses ultrapassava 4.900% em junho e baixou a 916% em dezembro.

TEMPOS DIFÍCEIS

A dona de casa londrinense Rosemeire Goulart Itiyama se lembra muito bem dos tempos de hiperinflação. “Era muito difícil. A gente recebia e no mesmo dia tinha de ir correndo ao supermercado porque o dinheiro perdia o valor muito rápido.”

Só para se ter uma ideia, alguém que tenha recebido 14.330 cruzados novos no primeiro dia de fevereiro de 1990 conseguia comprar dez cestas básicas. Mas se guardasse o dinheiro para fazer a compra no último dia do mês, só compraria duas cestas e meia, pois a inflação mensal foi de 75,73%.

Consumidores observam prateleiras vazias em supermercado durante o pacote econômico do governo Sarney (1989) FOTO NORMA ALBANO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE)
Consumidores observam prateleiras vazias em supermercado durante o pacote econômico do governo Sarney (1989) FOTO NORMA ALBANO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE)

Administrar uma casa naquela circunstância não era atividade para principiante. Rosemeire trabalhava como professora de música e confeiteira. Por ter horários mais flexíveis, cuidava das compras e de proteger a renda da família da inflação. “A gente não podia entrar num lugar e comprar tudo, tinha de fazer pesquisa, ir a quatro, cinco supermercados de lista na mão.” Se sobrasse dinheiro, era preciso comprar dólares e guardar em casa. “Eu frequentava duas casas de câmbio, uma na Rua Pio XII e outra na Higienópolis”, recorda.

Embora oficialmente a economia não fosse dolarizada, na prática todo mundo usava a moeda norte-americana como referência. “A herança da minha avó, nós recebemos em dólar. Não tinha outro jeito.”

Durante os períodos de congelamento de preços, a situação piorava porque faltavam produtos nos supermercados. “Faziam racionamento. Cada pessoa tinha direito a uma quantidade.”

“O dinheiro perdia o valor muito rápido.” Rosemeire Goulart Itiyama

Rosemeire sabe que a principal causa da inflação era a emissão de moeda pelo governo. Com mais dinheiro na praça, a demanda da população aumentava e a produção não acompanhava o ritmo, provocando elevação nos preços. “Era um rolo que até hoje muita gente não entende bem.”

Apesar de afirmar que o Plano Real trouxe estabilidade à economia, a dona de casa ainda tem receio de que o País volte à hiperinflação. “No Brasil, não dá para ter certeza de nada.”

O presidente da República José Sarney convoca o seus ministros para reunião e faz o lançamento do Plano Cruzado (1986) FOTO: SERGIO BORGES/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
O presidente da República José Sarney convoca o seus ministros para reunião e faz o lançamento do Plano Cruzado (1986) FOTO: SERGIO BORGES/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
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URV fez transição entre uma moeda e outra

Unidade Real de Valor vigorou paralela ao então cruzeiro real, do dia 1º de março até 30 de junho de 94

Diferentemente dos planos anteriores, que eram implementados da noite para o dia, pegando os brasileiros de surpresa, o Real começou a ser planejado com bastante antecedência. Sob o comando do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, a equipe econômica do presidente Itamar Franco deu início à primeira fase do plano ainda em 1993. Foi realizado um ajuste fiscal, com cortes de despesas do governo.

A segunda etapa foi a implementação de uma unidade monetária, a URV (Unidade Real de Valor), que vigorou paralela ao então cruzeiro real, do dia 1º de março até 30 de junho de 1994. Ela foi criada pela Medida Provisória 434, enviada ao Congresso dia 27 de fevereiro, e serviu de transição para a nova moeda, o real, que começou a circular dia 1º de julho.

Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda, apresenta a cartilha da URV (1994) FOTO WILSON PEDROSA/AE
Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda, apresenta a cartilha da URV (1994) FOTO WILSON PEDROSA/AE

A primeira URV valia 647,50 cruzeiros reais, equivalente a 1 dólar naquele dia. E era corrigida diariamente pelo Banco Central, por meio de uma cesta de índices formada por: IPC (Índice de Preços ao Consumidor)– da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe/USP; IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) - do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas; e IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado) - da FGV – Fundação Getúlio Vargas.

Todos os preços foram transformados em URV, que a cada dia ficava mais forte perante o cruzeiro real. Enquanto a inflação continuou a destruir o valor da moeda oficial, os preços em URV permaneceram estáveis durantes os três meses. Dia 1º de julho, o cruzeiro real foi substituído pelo real, que valia uma URV.

A inflação foi ao chão para os níveis da época. O IPCA de junho de 1994 tinha fechado em 47,4%. Já o de julho, com o novo dinheiro, caiu para 6,84%. Em dezembro daquele ano, chegou a 1,71%. No total do ano, devido aos preços do primeiro semestre, o índice do IBGE ficou em absurdos 916%, mesmo assim, menos que a metade da inflação de 1993 (2.477%). Em 1995, o IPCA do ano somou 22,4%. E, no ano seguinte, baixou para 9,56%.

EM 30 DE JUNHO DE 1994, 2.750,00 CRUZEIROS REAIS VALIA 1 URV QUE NO DIA SEGUINTE VALERIA 1 REAL

Até hoje, a inflação só voltou a ultrapassar a marca dos 10% em 2002 e 2015. O primeiro caso foi devido à eleição do presidente Lula, que à época assustava o mercado. O segundo ocorreu no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Ela havia acabado de liberar os preços da Petrobras e da energia elétrica, que tinha represado no primeiro mandato.

Voltando aos índices mensais, a reportagem comparou a série histórica do IBGE, que tem início em 1980. De janeiro daquele ano até junho de 1994 (174 meses), a mediana da inflação por mês atinge 11,7%. Já de julho de 1994 até maio de 2019 (299 meses), baixa para 0,48%.

Inflação no período de 1980 a 2018
Inflação no período de 1980 a 2018
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‘Eu tinha muita confiança de que iria dar certo’

Um dos principais responsáveis pelo plano, Pérsio Arida diz que o Real foi o único que teve como base uma moeda virtual

A essência do Plano Real é um trabalho acadêmico dos economistas André Lara Rezende e Pérsio Arida, apresentado 11 anos antes. Junto com Armínio Fraga, Elena Landal, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Pedro Malan, eles formavam a “turma da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro”. E implementaram o plano sob comando dos ex-ministros da Fazenda Fernando Henrique Cardoso e Rubens Ricúpero, ainda na administração do ex-presidente Itamar Franco.

FHC deixou o cargo para se candidatar à Presidência dia 30 de março de 1994, quando a URV já estava em vigor. Ricúpero ficou na Fazenda até setembro, tendo acompanhado o início da nova moeda.

Pérsio Árida anuncia medidas tomadas pelo Conselho Monetário Nacional para conter o consumo (1995) FOTO SÉRGIO AMARAL/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Pérsio Árida anuncia medidas tomadas pelo Conselho Monetário Nacional para conter o consumo (1995) FOTO SÉRGIO AMARAL/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Em entrevista concedida à FOLHA em seu escritório em São Paulo, Arida disse que o plano não teve “precedentes no mundo”, tendo sido o único elaborado com base em uma moeda virtual de referência (URV). Apesar disso, ele nunca duvidou que daria certo.

Fora da equipe econômica, no entanto, houve muita desconfiança. “O próprio FMI (Fundo Monetário Internacional), com quem o Brasil estava tentando fazer um acordo na época, se recusou a endossar o plano de estabilização. Eu tinha muita confiança de que ele iria dar certo enquanto mecânica monetária. Tinha certeza de que era possível emitir uma nova moeda que provocasse uma queda súbita da inflação”, afirma.

CREDIBILIDADE

O fato de o governo ter feito um ajuste fiscal no ano anterior foi uma das razões do otimismo do economista. Além disso, ele cita a credibilidade da equipe e as habilidades do então ministro FHC. “Ao mesmo tempo em que sabia negociar politicamente, ele se interessava pelos detalhes do plano e participava de todas as reuniões da equipe econômica”, conta.

“O próprio FMI (Fundo Monetário Internacional), com quem o Brasil estava tentando fazer um acordo na época, se recusou a endossar o plano de estabilização.” Pérsio Arida

Já Itamar Franco “nunca entendeu muito bem” a proposta. “Ele gostava mesmo é de um congelamento de preços. Tourear o Itamar era difícil. Quem conseguia era o Fernando Henrique e o Pedro Simon (senador gaúcho), que era amigo dele de longa data.”

Rubens Ricúpero com o Presidente Itamar Franco mostram cédulas de Real (1994) FOTO Edivaldo Ferreira/AE
Rubens Ricúpero com o Presidente Itamar Franco mostram cédulas de Real (1994) FOTO Edivaldo Ferreira/AE

CIÚMES

Itamar, segundo o economista, tinha ciúmes porque o plano foi creditado a Fernando Henrique e não a ele. “Tanto que, no final do mandato, (em vingança) ele deu um baita aumento no salário do funcionalismo e também no salário mínimo. Isso gerou um desequilíbrio na partida do plano”, recorda.

Por outro lado, contemporiza Arida, o ex-presidente “tinha a caneta” e podia ter barrado o Plano Real, se quisesse. “Podia fazer como o Bolsonaro (atual presidente, Jair Bolsonaro): demitir todo mundo que ele achava que estive atrapalhando. Mas ele nos respeitou.”

Itamar Franco discursa no lançamento do Plano Real (1994) - Imagens TV Câmara

ACASO

Apesar do empenho e qualidade da equipe, Pérsio Arida diz que o Plano Real deve muito ao acaso. “Foi por acaso que Itamar se tornou presidente.” O político mineiro era vice-presidente de Fernando Collor de Mello, que renunciou ao mandato para não ser cassado. Na visão de Arida, FHC, que ocupava a pasta das Relações Exteriores, tornou-se ministro da Fazenda também por acaso. “Ele foi convidado para a Fazenda quando estava em viagem aos Estados Unidos. Pediu um tempo ao Itamar para decidir. Quando chegou ao Brasil, já tinha sindo anunciado.” Foi o terceiro a ocupar a pasta naquele governo.

Rubens Ricupero em Londrina (1994) Arquivo FL
Rubens Ricupero em Londrina (1994) Arquivo FL

Para o economista, sem FHC seria muito difícil implementar o plano. “Ele tinha ótimas relações conosco. E bancou um plano de estabilização não convencional. O fato de ser intelectual, um pensador, fez enorme diferença. No próprio PSDB, tinha gente que achava que o plano iria afundar o País, mas Fernando Henrique bancou.”

Casa da Moeda incinerou os cruzeiros reais (1994) FOTO Otávio Magalhães/AE
Casa da Moeda incinerou os cruzeiros reais (1994) FOTO Otávio Magalhães/AE

Câmbio só flutuou cinco anos depois

Pérsio Arida foi o primeiro presidente do Banco Central na gestão FHC. E ficou no cargo apenas seis meses – de janeiro a junho de 1995. O motivo foi uma disputa entre ele e o colega Gustavo Franco, que era diretor da área de câmbio do banco. Arida queria completar o tripé econômico que, além do controle da inflação, pressupõe superavit primário e câmbio flutuante. “O Gustavo dizia que o real ainda era uma plantinha frágil, que não estava estabilizada, que era cedo demais para o câmbio flutuar”, lembra o economista à FOLHA.

Arida argumentava o contrário: que a moeda não era fraca, que a inércia manteria a inflação baixa e que segurar o câmbio fixo era mais arriscado porque levaria a uma crise cambial, “que é muito traumática para o País”.

Venceu a posição do Gustavo Franco. “Não podia ser presidente do Banco Central com uma política cambial que não era minha”, diz ele, justificando sua saída do banco em junho de 1995. O governo FHC manteve a paridade entre real e dólar até 1998. Com a crise da Rússia, adotou o modelo flutuante em 1999.

Pérsio Árida e Gustavo Franco (1995) FOTO: JOSÉ PAULO LACERDA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Pérsio Árida e Gustavo Franco (1995) FOTO: JOSÉ PAULO LACERDA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

As crises internacionais foram um grande desafio para o real, diz o economista. Quando o real foi lançado, o Brasil enfrentava os efeitos da crise mexicana. Em 1997, veio a crise dos Tigres Asiáticos e, no ano seguinte, a russa. De acordo com Arida, elas fizeram o País demorar quatro anos para atingir o superavit primário – quando sobra dinheiro ao final do ano para o governo pagar os juros da dívida.

REFORMAS

Ele considera que as “reformas modernizantes” da gestão FHC foram fundamentais para a sustentação do real. “Após o plano, o governo promoveu mudanças como quebra do monopólio das telecomunicações e da Petrobras. Permitiu a entrada de capital estrangeiro para aumentar a competição do setor financeiro. Fez as agências reguladoras”, enumera.

Arida lamenta que o governo não tenha conseguido aprovar a reforma da Previdência. “Perdemos por um voto.” Em maio de 1998, FHC precisava de 308 votos para aprovar uma emenda à constituição que criava idade mínima para aposentadoria (55 para mulheres e 60 para homens). Mas obteve 307.

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Londrinense defendeu real no plenário

O ex-deputado federal pelo PSDB do Paraná, Luiz Carlos Hauly, tinha 43 anos quando o Plano Real foi lançado. Vice-líder do governo Itamar Franco, ele esteve à frente dos debates com a oposição na Câmara.

“Quando nomeou Fernando Henrique (ministro da Fazenda), o Itamar já pediu a ele um plano de combate à inflação. Naquela época, a gente dizia que os preços sobiam pelo elevador e o salário pela escada. O maior prejudicado era o trabalhador.”

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O tucano debateu o plano tanto nas comissões internas como no Plenário. “O Mercadante (ex-deputado Aloísio Mercadante) era o o grande economista do PT, que era contra o plano. Eram debates infindáveis”, recorda.

A oposição dizia que o real era um golpe eleitoral. FHC foi eleito presidente em 1994 por causa do sucesso do plano. “A derrota do Lula naquele ano foi culpa do Mercadante. Ele induziu o PT ao erro de ir contra o real”, analisa. Foram meses de debate em que o tucano por pouco não levou um soco de um adversário. “Tive até meus minutos de fama no Jornal Nacional”, brica.

Economista, Hauly já havia participado da elaboração de propostas econômicas do ex-presidente Tancredo Neves (morto antes de assumir o cargo em 1985) e do candidato a presidente pelo PMDB Ulisses Guimarães (1989). E conta que teve simpatia com o real na hora que recebeu a medida provisória. “Me identifiquei imediatamente.”

De acordo com o tucano, assim que a nova moeda entrou em vigor, os trabalhadores ganharam 16% de poder de compra. “Nos supermercados, as pessoas começaram a perceber que a remarcação de preços tinha diminuído. Essa foi a grande conquista que o Brasil teve.”

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O ex-deputado diz que a inflação consumia o poder aquisitivo das pessoas em pouco tempo. “Era preciso comprar tudo no dia que recebia o salário. A gente ia no supermercado e corria para pegar um produto antes do remarcador chegar com sua maquininha.”

Questionado se o País corre o risco de viver novamente a hiperinflação, o tucano nega. “Nós já tiramos a inflação da memória. Os jovens nem têm ideia do que ela significou.”

“Nos supermercados, as pessoas começaram a perceber que a remarcação de preços tinha diminuído” Luiz Carlos Hauly

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Com inflação, administrar empresa era desafio diário

O empresário Francisco Ontivero, 85 anos, abriu a primeira loja Móveis Brasília em 1967. Viveu o “milagre econômico” da ditadura militar e todos os planos de estabilização da moeda implantados após a redemocratização do País. Dessas cinco décadas, o pior momento para ele foi o do Plano Collor I, que teve como fundamento o confisco das poupanças, contas correntes e outros ativos financeiros.

Os saques ficaram limitados a 50 mil cruzados novos, cerca de 39 salários mínimos à época. “As pessoas vinham à loja desesperadas. Ficaram com o dinheiro preso no banco”, recorda Ontivero. Houve até quem se matou.

O dinheiro só seria liberado 18 meses depois. E, durante o período, devedores podiam pagar credores por meio de transferência entre contas, mas não podiam fazer saques “Pegávamos dos clientes e passávamos para nossos credores. A gente chamava de dinheiro podre.”

O empresário diz que, nos períodos mais críticos, no final dos anos 80 e começo dos 90, os preços eram remarcados diariamente. “Várias vezes, o governo cortou três zeros e mudou moeda”, lembra.

Quando chegou o real, Ontivero não acreditava que daria certo. “Mas logo a gente percebeu que era diferente.”

Gerente da Móveis Brasília da Rua Benjamin Constant, Valdecir Pascoal diz o mesmo que o patrão. “Foram tantos planos que ninguém acreditava em mais nada.” O momento mais tenso do período pré-real para ele foi o congelamento do Plano Cruzado, quando o presidente José Sarney convocou a população a fiscalizar os preços. “Tinha cliente que chamava a polícia para prender gerentes se houvesse reajustes. Às vezes, a pessoa comprava uma TV e voltava um tempo depois só para conferir se a gente não tinha aumentado o preço.”

O próprio Pascoal foi “fiscal do Sarney”. “Quando ia ao supermercado, eu guardava todos os tíquetes. Na próxima vez, levava eles comigo para comparar os valores.”

“As pessoas vinham à loja desesperadas. Ficaram com o dinheiro preso no banco” Francisco Ontivero

Quando a inflação voltava com força, funcionários da loja tinham de chegar mais cedo para remarcar os produtos. “Cada um no seu setor tinha de trocar todas as etiquetas”, lembra. Pelo menos duas vezes por semana, segundo ele, o office-boy chegava à loja com novas tabelas embaixo do braço.

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Outro momento difícil citado pelo gerente foi o que antecedeu o início da circulação do real. Os preços eram marcados em URVs (Unidade Real de Valor), uma espécie de moeda que acompanhava o valor do dólar e circulava paralela ao cruzeiro real. Durante muito tempo após o Plano Real, a loja precisava corrigir as parcelas dos clientes que compravam à vista pelo carnê. “Dava trabalho.”

Quem também tinha muito trabalho antes da estabilização da economia eram os contadores. Presidente do Sincolon, sindicato da classe, Geraldo Sapateiro afirma que era muito difícil saber o real valor das coisas “Um carro que valia mil hoje, daqui a seis meses já estava a cinco mil. Era bem difícil comparar os números.”

Imagina então fazer o balanço anual das empresas clientes. “Tudo precisava ser atualizado por fichas de correção”, recorda. No início dos anos 90, os computadores já estavam nos escritórios. Mas, segundo Sapateiro, não havia softwares específicos. “A sorte é que a maioria dos dados contábeis eram atualizados uma vez por ano. Se fosse hoje, que temos de atualizar todo dia, seria ainda mais difícil.”

O contador conta que ainda há empresas com capital social marcado em moedas antigas. E que é preciso atualizá-lo. “Ainda bem que contador gosta de número, quanto mais complicado mais gostoso.”

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Um bolo de neve

Marcos Rambalducci, economista, professor da UTFPR, e colunista da FOLHA, diz que “nenhuma economia suporta a inflação”. E que ela é um bolo de neve

“As pessoas perdem o poder de compra. Quem estava comprando dez produtos, passa a comprar sete com o mesmo salário. Já quem está produzindo dez vai ter de ajustar a produção para sete. Então vai demitir. Quanto mais demite, menor fica o poder de compra da população. É um processo recessivo e depressivo que se retroalimenta.”

A história da inflação brasileira, diz Rambalducci, está ligada à emissão desenfreada de moeda pelo governo. “Foi o próprio governo o agente a introduzir a inflação na economia, financiando seus deficits com emissão de moeda, que é uma medida absolutamente inflacionária.”

A equipe econômica do Plano Real, de acordo com o professor, já chegou ao governo consciente de que não poderia ir pelo mesmo caminho. E que a saída era fazer um ajuste fiscal, cortando despesas e aumentando impostos, antes de introduzir a nova moeda. “Essa foi a principal diferença entre o real e os demais planos.”

Outro “pulo do gato” do real foi a URV, que dolarizou a economia de maneira disfarçada. “A decisão foi criar uma unidade real de valor atrelada ao câmbio do dia anterior. A URV valia o que valia o dólar só que não era o dólar.”

“As pessoas perdem o poder de compra. Quem estava comprando dez produtos, passa a comprar sete com o mesmo salário” Marcos Rambalducci

Rambalducci diz que a inflação tem um componente real e outro psicológica: prevendo que a mercadoria vai subir, o comerciante já aumenta seu preço. “Com a URV passaram a pensar que não adiantava ficar prevendo a inflação se o valor das coisas era marcado em URV.”

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A previsibilidade também foi uma característica que ajudou o plano a ter sucesso. “Aos poucos, a população foi absorvendo o que iria acontecer.”

Antes da moeda, diz ele, havia uma falsa sensação de que o dinheiro rendia. “Colocavam cem no banco e no final do ano tinham mil. Se empolgavam, não percebiam que, com mil, não compravam o que compravam com cem.”

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PLANO REAL: 25 ANOS
PUBLICADO EM
06 de Julho de 2019
TEXTOS
Nelson Bortolin
IMAGENS
Gustavo Carneiro, Gina Mardones,
Patrícia Maria Alves,
TV Câmara, TV Manchete
EDIÇÃO
Patrícia Maria Alves
Diego Prazeres
ARTE
Patrícia Sagae
DIAGRAMAÇÃO/IMPRESSO
Gustavo Andrade
EDIÇÃO SITE
Erick Rodrigues
DESIGN/WEB
Patrícia Maria Alves
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