A bicicleta e a cidade

Publicado quinta-feira, 11 de abril de 2019 | Autor: Vários autores às 16:47 h

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A bicicleta e a cidade

Elas chegaram de forma tímida, como meio de transporte econômico que atendia trabalhadores com poucos recursos financeiros para chegar ao trabalho de forma eficiente. Há alguns anos, viraram tendência pelas ruas de Londrina, atraindo a atenção de pessoas preocupadas com a prática de atividade física e formatos de mobilidade urbana mais amigáveis ao meio ambiente. As bicicletas, personagens principais desta edição do Folha Transmídia, se impõem cada vez mais no trânsito dominado por veículos motorizados e conquistam seu espaço. As cidades, porém, não se mostram preparadas para acolher as pessoas que querem ou precisam pedalar. Faltam ciclovias eficientes, estruturas para guardar as bicicletas e principalmente a educação tão necessária para o convívio harmonioso entre todos.

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ANJOS DE PEDAL

Organização Bike Anjo ensina a pedalar e auxilia pessoas que querem usar o veículo como meio de transporte na zona urbana

Carolina Avansini

“É como aprender a andar de novo”. Assim o jornalista Felipe Teixeira, 33, de Londrina, definiu a experiência de aprender a pedalar depois dos 30 anos. Ele não teve a oportunidade de se aventurar sobre duas rodas na infância. Graças ao grupo Bike Anjo, porém, encarou o desafio depois de adulto e agora se prepara para voos mais altos. “Meu objetivo é um dia ir de bike para o trabalho”, planeja.

O Bike Anjo é uma organização presente em várias cidades do Brasil que tem o objetivo principal de ajudar as pessoas a usarem a bicicleta na zona urbana. Uma das área de ação do grupo é a Escola Bike Anjo, que tem ocorrido no Aterro do Lago Igapó uma vez por mês com foco em ensinar quem não sabe andar de bicicleta. Mas a atuação dos voluntários não se limita a isso. “Qualquer pessoa que queira aprender a usar a bicicleta como meio de transporte pode nos pedir ajuda”, avisa o voluntário Mário Luiz Trevelin Junior.

O atendimento consiste em ir até a casa do ciclista para acompanhá-lo algumas vezes até o local de trabalho ou estudo. “Damos as principais dicas de segurança, analisamos as melhores rotas, ajudamos a planejar o trajeto, avaliar o tempo necessário para chegar... Dessa forma transmitimos segurança para reduzir o medo de usar a bicicleta”, explica.

O maior temor de quem pensa em pedalar até o trabalho ou a escola é o trânsito. “As pessoas têm razão em sentir medo. Os motoristas em geral são apressados, negligenciam os ciclistas e cometem excessos de velocidade. Na visão deles, a bicicleta só atrapalha. A falta de capacidade de convivência entre todos provoca muitos acidentes”, critica ele, que admite o problema, mas defende que a hostilidade do trânsito não deve impedir ciclistas de irem e virem. “A lei de trânsito define regras para todos, inclusive que os carros devem manter uma distância de pelo menos um metro e meio em relação às bicicletas”, lembra.

Obedecer as regras de trânsito é uma dica importante também para os ciclistas, que devem sempre usar roupas claras, bicicletas iluminadas, equipamentos de segurança e se planejar para se locomover pedalando. “Ter um kit de ferramentas básicas também é recomendável, assim como levar água e usar filtro solar. Depois que o ciclista pega o gosto, não para mais”, avisa, lembrando que Londrina tem caminhos agradáveis e paisagens bonitas. “É só saber aproveitar”, ensina.

PRIMEIROS PASSOS

A história do jornalista Felipe Teixeira com a bicicleta é muito recente. Ele aprendeu a pedalar a pouco mais de um mês, graças a um convite do Bike Anjo. “Quando eu era criança, meu maior interesse era a música. Eu não era muito de brincar fora de casa.

Gostava de tocar bateria, ficar ouvindo os discos de vinil do meu pai ou ler. Como meus pais não tinham o hábito de usar bicicleta, nunca me interessei”, conta.

Apesar de não sentir falta dos pedais na infância, ele não pensou duas vezes antes de aceitar o convite de Trovelini para se aventurar sobre uma bike. “Nunca tinha subido em uma bicicleta, para mim foi muito especial. Soltar os pés e sentir o vento no rosto foi incrível”, conta, destacando que o apoio dos voluntários do Bike Anjo foi fundamental para encarar o desafio sem medo. “Eu sabia que não estava sozinho. Se fosse depender apenas de mim, jamais iria”, avalia.

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O próximo passo desta aventura é passar a usar a bike para ir e voltar do trabalho. “Estou treinando sempre que posso para isso. Vou conseguir economizar e também praticar exercícios físicos, que é algo que não faço no momento”, pondera.

As últimas pedaladas da profissional de marketing Heloísa Coltro tinham ficado na primeira infância. “Aprendi a andar sem rodinhas quando criança, usei a bicicleta algumas vezes e depois parei”, conta ela, que também buscou ajuda do Bike Anjo para voltar a se relacionar com a bicicleta. “Sou pequena e sempre coloquei esse empecilho.

A vontade de voltar a pedalar surgiu depois que voltei de uma viagem para a Europa. Todo mundo andava de bicicleta e não tive coragem”, relata.

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No primeiro dia de treino com os voluntários do Bike Anjo, ela já ganhou segurança e destreza. “Quero comprar minha própria bike e começar a usar”, planeja.

A pequena Bruna Araújo Seco, 7, também foi à Escola Bike Anjo para uma missão especial: tirar as rodinhas da bicicleta para pedalar com mais liberdade. “Comecei sem rodinhas e sem o pedal, empurrando com os pés”, explica, sobre a metodologia dos voluntários para ajudar os ciclistas de todas as idades a ganharem equilíbrio.

Em pouco tempo, já estava pedalando pelo Aterro. “Foi bem legal, estou me sentindo muito feliz”, resume.

LEIA TAMBÉM: Uma prova de viabilidade - Experiência de utilizar a bicicleta por uma semana para ir e voltar ao trabalho com a ajuda do “bike anjo”.

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FALTA INTERLIGAÇÃO DE CICLOVIAS

Plano de rede cicloviária prevê 318 quilômetros de vias exclusivas ligando toda a cidade, mas Londrina só tem 40 quilômetros à disposição do ciclista

Pedro Marconi

A partir de duas pesquisas realizadas nos últimos 18 anos, o Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina) elaborou um projeto de rede cicloviária que compreende 318 quilômetros. Destes, somente 40 quilômetros foram retirados do papel e estão espalhados pela cidade por meio de ciclofaixas e ciclovias, sendo a maior parte concentrada na região central e sul. Para ciclistas ouvidos pela FOLHA, o problema destas vias exclusivas é a falta de interligação.

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Gerente de Projetos Viários do órgão, Cristiane Biazzono reconhece que a conexão está muito distante da proposta apresentada pelo Ippul. “Para ter conectividade entre todos os trechos de ciclovia e ciclofaixas que Londrina dispõe atualmente, eles deveriam estar na mesma região, por exemplo, o que não acontece”, pontua. O traçado desta rede foi feito com base em uma pesquisa realizada com ciclistas em 2006 e outra entre 2013 e 2014. “O instituto se norteia nas vias mais citadas como utilizadas, nas estatísticas de acidentes e na disponibilidade de áreas públicas, dando preferência para ciclovias”, explica.

DESAFIOS

Segundo a engenheira civil, o principal desafio para construção de novas ciclovias esbarra na questão dos recursos, ou da falta deles. Ela ponta que existem algumas frentes que o poder público tem trabalhado para tornar o projeto em realidade. “Pode ser buscado recurso municipal, estadual e federal. O projeto do SuperBus contempla mais 15 quilômetros de ciclovia. Temos a participação de empresários a partir do momento que aprova o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) dos empreendimentos considerados polos geradores de tráfegos. Uma outra maneira é expandido a rede a medida da abertura de novos loteamentos.”

No caso de contrapartida a partir do EIV, Biazzono destaca que a ciclovia é feita em trechos do entorno que o impacto é gerado, não podendo ser levados a qualquer lugar. Um exemplo é a avenida Dez de Dezembro, que está recebendo em seu canteiro uma ciclofaixa com extensão de 680 metros, que vai da entrada do Terminal Rodoviário até a avenida Santa Mônica. É uma compensação de uma universidade que recentemente se instalou na região.

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NOVA PESQUISA

Uma nova pesquisa deverá ser feita com ciclistas nos próximos meses por meio de levantamento origem e destino, que faz parte do Plano de Mobilidade Urbana. A gerente de Projetos Viários do Ippul não acredita que o levantamento afete o atual projeto cicloviário da cidade. “Estimamos que as principais vias irão se repetir. Caso isso não aconteça, podemos reavaliar a rede cicloviária, o que é mais difícil. O mais provável seja mudança na sequência de execução de novos trechos, nos momentos que isso for ocorrer, dependendo do resultados”, afirma.

“Percebemos uma coincidência entre as vias com mais acidentes com a proposta de rede cicloviária. O nosso anseio é agilizar a execução da rede cicloviária para garantir mais segurança e circulação”, garante. Para 2018, ainda estão previstos 1.600 metros de ciclofaixa na avenida Tanganica, na zona norte, e a retomada da construção de cerca de mais dois quilômetros de ciclofaixa na avenida Saul Elkind, na mesma região, o que vai resultar, em seu final, 5,8 quilômetros, já que uma parte foi feita, mas a obra acabou interrompida. Londrina conta com 146 vagas para bicicletas em áreas públicas.

A Política Nacional de Mobilidade Urbana pede que o Plano de Mobilidade Urbana dos municípios devem ter o foco no transporte não motorizado e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente.

ONDE ESTÁ FRIDA?

Toda a perda é difícil. De forma repentina piora tudo. Ainda mais se aquilo que se vai guarda valores que vão muito além do financeiro. Era manhã do dia cinco de maio quando Janaina Oliveira foi ao cabeleireiro na região central de Londrina. Chegou, prendeu sua inseparável e necessária bicicleta e se dirigiu ao salão. Cerca de 30 minutos depois, ao retornar, nem a corrente estava no chão e seu meio de transporte, batizado de Frida, havia sido furtado. Entre o sentimento de revolta e impotência, o de tristeza.

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“Fiquei em choque. Fui ver se não tinha deixado em outro lugar, até que ‘caiu’ a ficha. Registrei BO (Boletim de Ocorrências), busquei imagens de câmeras de segurança do entorno e levei o caso para as redes sociais”, conta.

Foi no campo digital que a busca por Frida ganhou ares de solidariedade. “No ciclismo todos são muito unidos. Os ciclistas compartilharam e criou uma grande campanha. Espalhei cartazes por estabelecimentos de bicicleta e muitos já sabiam do ocorrido. Tinham visto nas redes sociais”, acrescenta.

Em modelo aro 26, de cores fortes e de longe perceptíveis, a bike ainda não havia sido encontrada até o início da segunda semana de maio. “Tenho esperança de encontrar. Ela tem peças diferentes, foi personalizada. Ofereço até recompensa para quem achar. Tinha uma relação afetiva forte com esta bicicleta. A bike é sustentável, evita o congestionamento e é prática. Perder ela foi como perder uma pedaço da minha perna”, compara.

DESCOBERTA

Janaina, como tantas pessoas, descobriu na bicicleta uma atividade econômica, saudável e que aos poucos passou a integrar sua rotina, convidando-a para um novo estilo de vida. No caso dela, o interesse pelo ciclismo veio por acaso e quando buscava ter a permissão para conduzir motocicleta, aos 23 anos. Para facilitar o aprendizado no processo da CNH (Carteira Nacional de Habilitação), começou a pedalar. Partiu aprender em casa, foi para as ruas e de repente adotou o veículo de duas rodas como meio de transporte. Deste episódio até hoje foram cinco anos.

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Desde que adotou a bicicleta, entrou para um grupo de pedal de Londrina, emagreceu 16 quilos e também passou a conviver com as dificuldades do trânsito para o ciclista. “As ciclovias que temos não são suficientes. Já fui atropelada diversas vezes e vemos que os motoristas não nos respeitam. É uma briga constante por espaço. Falta seta, tolerância. Muitos nos ‘fecham’ de propósito. O ciclista pode e deve ter seu espaço e as autoridades precisam nos olhar com mais cuidado”, ressalta.

Frida foi a segunda bicicleta de Janaina, que a utilizava principalmente para se deslocar do trabalho para casa. Aos fins de semana era sua diversão, inclusive para fazer trilhas. Pedalando com uma bicicleta emprestada por amigos, ela não pensa em abandonar o ciclismo. “A bicicleta me trouxe mais qualidade de vida e abriu minha percepção para pensar outros meios de transporte. Pedalar é uma sensação de liberdade e bem estar físico.”

‘ELE FAZ MUITA FALTA’

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“Meu pai tinha a saúde em dia. Fazia exames rotineiros e sempre estava dentro dos conformes. Depois que começou a pedalar o humor dele melhorou. O ciclismo nos uniu ainda mais”. Era noite do dia 21 de fevereiro. Um grupo de ciclistas retornava de mais uma pedalada. O trajeto começou na avenida Celso Garcia Cid e foi até a entrada de Rolândia (Região Metropolitana de Londrina). A volta foi pelos distritos da região sul de Londrina. Na subida da rodovia Mábio Gonçalves Palhano, o caminho que levava ao fim da aventura sobre a bicicleta se tornou o de dor e revolta.

Edson de Oliveira Rossato, 49, estava na fileira de trás do grupo de ciclistas. Nesta pedalada não era o que “puxa”, como é chamado o que fica na frente, nem o que “fecha”, denominação para o último. Foi atropelado por um motorista num veículo Honda Civic. Sofreu fratura de crânio, com perda de massa encefálica. Ficou internado em estado grave na Santa Casa de Londrina, porém não resistiu aos ferimentos e entrou em óbito seis dias depois. O motorista responsável pelo acidente fugiu, mas acabou preso horas depois no centro da cidade, suspeito de tentativa de homicídio doloso por dolo eventual e embriaguez ao volante, além de omissão de socorro.

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Sempre cuidadoso e atento aos equipamentos de proteção, Rossato entrou para uma triste estatística. A de ciclistas vítimas de acidentes. Pesquisa desenvolvida pelo geógrafo Matheus Oliveira Martins da Silva mostrou que entre 2006 e 2016, pelo menos 2.400 acidentes com ciclistas foram registrados em Londrina. Uma média de 240 por ano e quase um por dia. Destes, 20 perderam a vida. “Foi difícil vê-lo todo machucado. Ele faz muita falta e deixou um vazio. O que fazíamos em família era sempre todos juntos. Seja ir no mercado ou sair para passear”, relembra Lucas Rossato, 22, filho de Edson.

As histórias de pai e filho no ciclismo começaram juntas. Na metade de 2016, eles chegaram à conclusão que estavam acima do peso. Procuraram um esporte para praticar e escolheram o ciclismo. Tinham bicicletas em casa, compraram capacete. Foi o que precisavam para começar. “No primeiro dia fomos da nossa casa, próximo a um shopping da zona leste, até o aeroporto. Foi cansativo, mas fomos aumentando o percurso. Pedalamos 40 quilômetros em outra ocasião e vimos que estava ficando sério”, relata. “Resolvemos trocar de bicicleta. Queria uma para asfalto, mas meu pai achou que era perigoso e adquirimos duas mountain bikes”, completa.

Juntos, entraram em 2017 para um grupo de pedal de Londrina. “Fim de semana íamos para Ibiporã de bicicleta comer pastel. Pegamos gosto por andar de bicicleta juntos. Apenas uma ou duas pedaladas não fomos juntos. Teve uma vez que fui com a camiseta diferente da dele e acharam que tínhamos brigado, tamanha era nossa união e porque sempre estávamos iguais. Meu pai espalhava alegria e fazia amizade fácil”, afirma Lucas, que é formado em engenharia civil e atualmente cursa ciência da computação. Para ele, a insegurança na rua para os ciclistas é muito grande. “Não respeitam. Nos veem como obstáculo.”

Passados dois meses da tragédia, o jovem não pensa em parar de pedalar. Pelo contrário, está encontrando no carinho dos amigos ciclistas, e da família, em especial a mãe e a irmã, a força para continuar a trilhar o caminho da vida. “Depois que passei a pedalar melhorou a saúde, quero continuar. Lógico que não tenho a mesma vontade e vigor de antes. O pessoal que anda de bicicleta é muito unido e sempre quer saber como estamos. Se preocupam. É preciso força para superar tudo que passamos”, espera, com a certeza de que aonde for, estará com os ensinamentos e memórias do pai sempre presente.

LEIA TAMBÉM: MOBILIDADE URBANA - Londrina tem 240 acidentes com ciclistas por ano - Estudo mostra que das dez vias mais perigosas para os ciclistas, apenas duas possuem ciclofaixas

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UMA MUDANÇA NA HISTÓRIA

De invenção arcaica para substituir cavalos, projeto da bicicleta evoluiu e hoje conta materiais de ponta

Matheus Camargo

Se visse a evolução da bike até os dias de hoje Karl Drais se assustaria. O modelo da época não possuía pedais, muito menos freios. Atualmente, existem uma série de materiais indispensáveis para ter segurança sobre o pedal.

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A bike virou locomoção para trabalho – ou mesmo ferramenta dele – e passou a ser utilizada no dia a dia. Virou objeto de desejo infantil, um dos desafios de criança, mas também adrenalina.

“O início da relação com a bicicleta quase sempre é na infância, como no meu caso também foi. Há mais ou menos três anos comecei a usar a bike para outro fim, que foi perder peso. Dessa maneira acabei entrando em contato maior, me apeguei, e hoje é meu esporte”, afirmou Edicarlos Lemes de Oliveira, 36, que é pintor, mas também é atleta. Recebe auxílio da Prefeitura de Ibiporã para participar de competições de trilha.

Sem grandes recursos para a realização dos treinos, acaba optando por andar na zona urbana – mesmo que essa não seja o recomendado para um atleta de competições na terra, mas é o que pode fazer. Assim, acaba optando por “trechos longos e bons para rodar”, relata. “Isso quando não ficamos nas rodovias enfrentando os veículos.”

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E é aí que tem início um problema que afeta não apenas atletas – profissionais ou amadores – como Edicarlos, mas ciclistas num geral, a hostilidade no trânsito. Isso é o que acabou ajudando na criação de uma espécie de lema para quem utiliza a “magrela” para vários fins: segurança acima de tudo.

Albenício Lourenço da Silva, 39, é ciclista e funcionário de uma empresa especializada em proteção individual. Pedala 18 quilômetros de casa até o trabalho por opção. Ele se equipa tanto quanto um atleta profissional. Utiliza roupa específica, capacete, luvas, óculos, sapatilhas e sinalizadores na bike. Tudo isso por segurança plena durante o trajeto, já que não é simples passar pelas vias de Londrina às 18h, horário em que sai do trabalho.

“Venho com luva, capacete, óculos. Como minha bicicleta tem clip, uso muito a sapatilha. Como eu saio do trabalho às 18h, já começando a escurecer, então uso a sinalização atrás e na frente. A proteção é sua mesmo, se acontecer um tombo, a luva vai proteger as mãos. É claro que não dá para proteger todo o corpo, mas ao menos as partes essenciais, como a mão, a cabeça. Os óculos por causa da higiene e outros fatores que tem na via, como vidro, pedras, areia.”

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A preocupação com a segurança vem de outros tempos e a motivação para isso vem pelos problemas que encontra pela zona urbana. Ciclista de trilha aos finais de semana, Albenício já se deparou com pessoas sofrendo acidentes e prefere se proteger de lesões mais graves. “Eu prefiro sempre fazer minha trilha no final de semana e concordo com vários amigos e amigas minhas que dizem que não andam de bicicleta por medo do trânsito.”

Mas para ter a segurança acima de tudo é necessário investir nos equipamentos – que Albenício já possui e que são essenciais para evitar incidentes mais graves, problemas que não são encontrados apenas na zona urbana.

Proprietária de uma loja de bicicletas em Ibiporã, Nilma Matias integra dois grupos de trilha e pedala há mais de dez anos. Com experiência no esporte, tem hoje os passeios com as amigas e amigos do Pedal Rosa e do Pé Na Magrela como principal lazer. Porém, já passou por dificuldades em sua história com a bicicleta.

“Tem que ter capacete. Nós exigimos o equipamento no nosso grupo de pedalada. Já tiveram quedas, mesmo no nosso pedal que é mais tranquilo, com pouco trânsito, que se não tivesse o capacete teria sido muito grave, não dá para abrir mão”, revela. “Esses acidentes não são tão recorrentes, há um cuidado, claro que há quedas, mas isso é normal, a maioria das pessoas não pedalava regularmente antes de entrar no grupo.”

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RISCO É MAIOR PARA 'BICICLETEIROS'

Diferentemente dos ciclistas que usam bicicletas para esporte ou lazer, trabalhadores investem pouco e dispensam equipamentos de segurança

Carolina Avansini

Londrina tem ciclistas e também os “bicicleteiros”. Não é difícil encontrá-los por aí. Eles costumam pedalar bikes antigas, no melhor estilo “barra forte”, muitas vezes customizadas para necessidades específicas como carregar marmita, ferramentas de trabalho e todo tipo de objetos que possam ser necessários ao longo do dia. A indumentária desses super-heróis do trânsito não inclui capacetes, luvas ou qualquer equipamento de segurança. Em geral, os bicicleteiros dispensam até o tênis. A regra é sair de casa da forma mais simples possível e chegar ao destino sem gastar nada.

Cumprir o caminho entre casa e trabalho, porém, impõe muitos riscos. Apesar da lei de trânsito estabelecer que motoristas devem manter pelo menos um metro e meio de distância das bicicletas, os bicicleteiros seguem “invisíveis” com suas roupas comuns e quase nenhuma sinalização. Como circulam por trechos fora do centro da cidade e da região dos lagos, reclamam também da ineficiência das ciclovias que acabam não levando a lugar nenhum.

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Técnico em refrigeração, cantor e bicicleteiro. Assim se define Manoel Pedro Goes, 57 anos, um trabalhador que deixou o estado de Pernambuco quando tinha um ano de idade e peregrinou por muitas cidades do Paraná até se estabelecer em Londrina há dez anos. “Há mais de 40 anos a bicicleta é meu principal meio de transporte”, conta ele, que explica a preferência com um argumento bem simples. “É o jeito mais barato que tem para se locomover.”

Autônomo, ele lamenta que a renda mensal não é suficiente para pagar todas as contas e ainda arcar com os custos do transporte coletivo. “Com o que ganho pago água, luz, aluguel e compro comida. Andar de bicicleta não é escolha, é a única solução”, afirma. Enfrentar os desafios da mobilidade urbana já rendeu a Goes pelo menos cinco acidentes. “Em todas as vezes fui atropelado por um carro, a última vez ao lado do terminal urbano. O negócio é ficar de antena ligada para não se machucar, porque os carros não respeitam”, reclama.

O trabalhador usa a ciclovia da avenida Leste-Oeste para chegar ao trabalho, mas avalia que seriam necessárias muitas outras para garantir aos ciclistas um mínimo de segurança no trânsito. Apesar de reconhecer os riscos, ele segue pedalando sem capacete, luvas e outros equipamentos que poderiam protegê-lo. “Seria bom usar, mas é tudo muito caro. No momento não tenho condição de comprar.”

Outro bicicleteiro que circula pela ciclovia da Leste-Oeste é o agente de gestão pública Gilberto Ferreira Barbosa, 53. Segurança de um órgão municipal, ele comprou a bicicleta há dez anos de um colega de trabalho e desde então transformou-a no principal veículo de transporte. Sem capacete, tênis, luvas e outros equipamentos de segurança, ele percorre no início da noite um longo trecho entre o jardim Leonor e a avenida Celso Garcia Cid, atravessando Londrina do oeste ao leste para chegar ao trabalho. O retorno é realizado nas primeiras horas da manhã.

Depois de sofrer uma colisão com um carro que não o avistou, Barbosa comprou um farol para a bicicleta. A sinalização não durou muito tempo. Em poucas semanas, a lâmpada foi roubada e ele retornou à escuridão do trânsito noturno contando apenas com a sorte e a confiança na própria capacidade de trafegar em segurança sobre duas rodas não motorizadas.

“Londrina não tem muitos caminhos seguros para os bicicleteiros. Eu chego no trabalho mais rápido do que o ônibus, mas corro alguns riscos. Respeito à bicicleta é uma exceção, a gente acaba tendo que agir com muita confiança de que ninguém vai se machucar”, analisa.

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No centro da cidade, na própria avenida Leste-Oeste, um misto de loja de sucata e oficina de consertos de todo tipo de equipamentos é o ponto de encontro de bicicleteiros em busca de peças e manutenção barata para as “magrelas”. O dono do local, que se autodenomina como o inventor MacGyver dos Reis, revela que uma das especialidades é montar bicicletas funcionais a partir de bicicletas descartadas por outras pessoas. “Com quatro bicicletas que estavam no lixo, a gente faz uma”, exemplifica, lembrando que o local é o endereço certo para quem procura um meio de transporte simples e eficiente. “Se o cliente procura beleza, aqui não é o lugar. Nós somos uma opção para quem não tem condições de comprar uma bicicleta nova”, explica.

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UMA QUESTÃO DE ESCOLHA

Enfrentar o trânsito de Londrina para chegar ao trabalho também é questão de escolha. O editor Alexandre de Paula Gomes, 37, usa a bike como meio de transporte principal há 15 anos por considerá-la mais eficiente que outros modais disponíveis, como carro ou transporte coletivo. No encontro para realização da entrevista, a reportagem da FOLHA constatou a eficiência do meio de locomoção. A equipe acompanhou Gomes de carro até o trabalho, do centro até a região da rua Maringá (zona oeste). Em poucos segundos, o automóvel ficou para trás enquanto a bike ganhou velocidade e chegou mais rápido ao destino.

“É um meio de transporte rápido, econômico e ecológico”, elogia ele, que não abre mão de equipamentos de segurança como capacete e iluminação para se proteger da agressividade do trânsito urbano. O ciclista já se adaptou à estrutura oferecida por Londrina para as bikes, mas garante que falta muita coisa para se sentir acolhido. Ele usa as ciclofaixas do Centro e aponta que são mal sinalizadas, o que incentiva os carros a desrespeitarem a faixa exclusiva para ciclistas. “Os motoristas invadem para fazer conversão e não sinalizam, é como se o ciclista não existisse”, denuncia.

Outra dificuldade apontada por ele é a falta de bicicletários para estacionar. “A gente acaba prendendo em postes e outras estruturas, mas os roubos não são incomuns” lamenta. O ciclista nunca se acidentou e atribui o fato à sorte e à prática da direção defensiva. “Tem que ter atenção o tempo todo”, ensina.

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VISÃO ESTRANGEIRA

O estudante marroquino Hamid Ben Yahya veio para Londrina há pouco mais de dois anos para estudar, incentivado pela família que tinha amigos na cidade. Atualmente cursando técnico em manutenção automotiva no Senai, ele também trabalha em uma oficina que vende peças para carros. A escolha tem a ver com o fascínio do estudante por mecânica. Para se locomover no dia a dia, porém, ele prefere a bicicleta. “No Marrocos as bicicletas são muito comuns. Quando cheguei a Londrina, estranhei porque não tinha muitos ciclistas. No início achei que a cidade era muito grande e os destinos eram distantes, mas depois vi que é falta de hábito”, observa.

Misto de bicicleteiro e ciclista, Yahya percorre diariamente o caminho de ida e volta ao trabalho (da zona leste à zona norte) e à noite também usa a bike para chegar à escola. Não faz uso de capacete, mas aderiu à bicicleta com marchas para facilitar nas subidas. “Resolvo quase tudo de bicicleta, inclusive compras. É melhor para o corpo e para o meio ambiente”, acredita o ciclista, que considera o trânsito e o relevo de Londrina bastante adequados para pedalar. “As ruas são largas e há muitas descidas. No Marrocos tem tanta bicicleta na rua que uma atrapalha a outra.. Aqui é bem melhor”, sentencia.

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Como todos os outros ciclistas, ele reclama da falta de ciclovias, sinalização e falta de educação de motoristas e motociclistas. A visão estrangeira mira, entretanto, nas belezas às quais os londrinenses já estão acostumados. “De bicicleta dá para ver a paisagem, as ruas e as pessoas. Meu local preferido é quando chego na rodoviária e vejo a rotatória do shopping lá de cima. Ver a cidade é muito bonito”, elogia.

QUEM TRABALHA QUER ECONOMIA

Montar, vender, reformar e consertar bicicletas é o meio de vida do comerciante Pedro Moreira de Lima, proprietário da oficina de bicicletas MG, uma das mais tradicionais da zona norte de Londrina. Ele já trabalhou em loja e também numa montadora de bicicletas, mas há 16 anos decidiu empreender em um negócio próprio e hoje colhe os frutos do investimento.

“No início meus clientes eram trabalhadores e pais que vinham comprar ou arrumar bicicletas de crianças. Depois de uns anos, a bicicleta passou a atrair muitos adultos interessados em esporte ou lazer”, conta.

A tendência ajudou o negócio a crescer, pois o novo público investe bastante em bicicletas e equipamentos de segurança. Os trabalhadores, por outro lado, buscam economia acima de tudo. “Metade dos meus clientes usa a bicicleta para trabalhar. Esse pessoal investe pouco, não quer gastar com equipamentos e só trazem para o conserto quando precisa”, diz.

Pedreiros autônomos, trabalhadores do comércio e de supermercados são a maioria deste perfil. “Eles escolhem bicicletas mais simples porque deixam em qualquer lugar, podem ser roubados. Sempre penso que os trabalhadores são os que mais precisam de segurança e manutenção, pois se ficam sem a bicicleta não conseguem chegar ao trabalho. Mas a realidade não é assim”, critica.

Experiente no ramo, Lima conta também que o mercado mudou bastante, mas a magia provocada pelas bikes nas crianças é sempre a mesma. “Elas vêm à loja para ver preço e não querem ir embora sem comprar. A vontade de sair pedalando é muito grande”, revela.

COMPANHEIRAS INSEPARÁVEIS

Pela boa saúde, idosos de Cambé optam por usar a bicicleta no dia a dia

Matheus Camargo

A bicicleta é democrática acima de tudo. Tem grande, pequena, para rico e pobre, criança e idoso. É um instrumento que pode ser utilizado para coisas distintas, seja trabalho ou lazer, e até mesmo para benefícios físicos.

É assim que pensa Gregório Lopes, 70, que utilizou o meio de transporte a vida toda, na maioria das vezes para trabalhar, mas hoje achou outra serventia para a “magrela”. “Eu uso para manter o corpo saudável, porque tem que fazer algum exercício. Parei de trabalhar há dois anos. Sou aposentado, mas trabalhei durante 20 anos depois de aposentar, daí parei. Depois disso tive que fazer uma atividade, não dá para ficar parado em casa, vai dar problema de saúde.”

O aposentado de Cambé anda quase todos os dias. Sai de sua casa, que fica no Jardim Alvorada – onde mora há 40 anos – e parte sem rumo. Normalmente anda 2 km, 3 km, quando está “no pique”, chega a 10 km percorridos.

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“Eu usava para trabalhar. Eu ia de bicicleta para economizar e mantinha o exercício sempre ativo. A empresa mais longe foi a Cacique, eu morava em Cambé e era sempre essa ida e volta, ia cedo e voltava a tarde. Era constante, até porque lá tinha um ônibus da empresa que levava as pessoas para Londrina, mas não tinha para Cambé, então eu preferia ir pedalando.”

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É o caso do também aposentado José Bruno, mais um de 70 anos, que usa a bicicleta para manter a saúde, mas agrega isso à coleta de material reciclável. Mesmo que mantenha outras ocupações na zona rural – como plantar e dirigir trator, por exemplo –, é com sua “companheira” que passa a maior parte do tempo.

“Hoje é meu serviço, não quero mais mexer com nada, vou ficar quieto, aposentei, fico fazendo para passar os dias. Vou ficar em casa fazendo o quê? Só come e bebe, e daí? Preciso ter algo para fazer”, revela o cambeense. “Sempre andei de bicicleta, mesmo que não fosse para trabalho, sempre andei. Eu tive umas grandes, depois tive umas de marcha, fui passando, agora já estou com essa que está meio cansada. Estou com ela desde 2001, sempre fazendo esse serviço.”

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A BIKE E A CIDADE

DATA DE PUBLICAÇÃO:
26 de Maio de 2018
TEXTOS:
Carolina Avansini, Pedro Marconi e Matheus Camargo
IMAGENS:
Anderson Coelho, Gustavo Carneiro, Marcos Zanutto, Saulo Ohara, Gina Mardones e Patrícia Maria Alves
DIREÇÃO DE ARTE:
Patrícia Maria Alves
ILUSTRAÇÕES:
Patrícia Sagae, Gabriel Curtti e Patrícia Alves
INFOGRAFIA:
Folha Arte
PROJETO GRÁFICO E DESIGN (IMPRESSO):
Anderson Mazeo e Gustavo Andrade
(WEB):
Patrícia Maria Alves
EDIÇÃO DE TEXTOS:
Celso Felizardo
EDIÇÃO SITE:
Erick Rodrigues
PRODUÇÃO/EDIÇÃO MULTIMÍDIA:
Patrícia Maria Alves
SUPERVISÃO DE PROJETO:
Adriana De Cunto (Chefe de Redação)
AGRADECIMENTOS:

Banda ESCOPO pela cessão da trilha sonora

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