Mais de 100 laboratórios de todo o mundo estão na corrida para produzir uma ou mais vacinas contra o novo coronavírus. Destes, dez alcançaram a fase de testes em humanos até o momento. Uma das mais avançadas é a da Universidade de Oxford, que tem entre os cientistas uma brasileira que articulou a vinda dos testes ao Brasil. A professora doutora Sue Ann Costa Clemens é diretora do Instituto para a Saúde Global da Universidade de Siena e pesquisadora especialista em doenças infecciosas e prevenção por vacinas, na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Imagem ilustrativa da imagem Vacina contra Covid-19 deve chegar no Brasil em 2021
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“Um dos motivos para o Brasil ter sido escolhido foi pela situação epidemiológica atual, o número de casos vem aumentando, então há uma curva ascendente de casos que mostra que a infecção realmente ainda está avançando. É importante que a pesquisa comece ainda com essa curva ascendente”, comenta Clemens. Para isso, foi necessário agilidade para as aprovações dos órgãos regulatórios, como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), para que os testes sejam realizados em tempo.

A partir da segunda quinzena de junho, aproximadamente 2 mil voluntários brasileiros receberão as doses da vacina que passam agora pela fase 3, no teste de eficácia em adultos entre 18 e 55 anos, que sejam soronegativo, ou seja, pessoas que não tenha contraído a doença anteriormente.

“Serão recrutados, principalmente, profissionais de saúde e outros adultos nesta idade (18 a 55 anos) que estão expostos ao risco”, explica. As pesquisas serão realizadas no Rio de Janeiro, por meio do Instituto D’or, que está financiando parte da pesquisa, e em São Paulo, viabilizado pelo Crie (Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais), da Unifesp, com apoio do Instituo Lemann, que está custeando toda a infraestrutura médica e de equipamentos necessários no Brasil.

QUANDO CHEGA?

Esses testes já começaram a ser aplicados no Reino Unido e também passarão por EUA e mais dois países da África e um da Ásia, que ainda estão em processo regulatório. A proposta é atingir 50 mil voluntários. Os pesquisadores acreditam que o Reino Unido registre as vacinas ainda este ano. “A partir do primeiro registro emergencial do Reino Unido no fim do ano o mundo já pode ter acesso”, afirma.

Segundo a professora, fazia parte do acordo em trazer a pesquisa no Brasil a prioridade na fila de países interessados. O tempo para o Brasil ter acesso a essas vacinas vai depender da regularização no País e também da origem de produção.

DOSE ÚNICA

A vacina será aplicada em dose única e sua produção, distribuição e comercialização serão feitos pela AstraZaneca, que possibilitou a produção em larga escala. A indústria negocia com vários países para a produção local das vacinas, entre eles, o Brasil. “Depende da negociação, se vai produzir aqui ou se vai recebê-la de fora. Então, eu acredito que em meados do ano que vem (2021) a gente já tenha essa vacina nas mãos”, explica.

Sue Ann Costa Clemens, professora doutora:  “A ideia é que a vacina possa ser aplicada para minimizar o caos de saúde pública"
Sue Ann Costa Clemens, professora doutora: “A ideia é que a vacina possa ser aplicada para minimizar o caos de saúde pública" | Foto: Arquivo pessoal

EMERGÊNCIA
O caráter emergencial da regularização da vacina é um comportamento atípico para suprir a necessidade atual. “A ideia é que a vacina possa ser aplicada para minimizar o caos de saúde pública, principalmente em países que têm uma infraestrutura menor e menos equipada. O que pode acontecer é que vacinas que tenham, de repente, uma eficácia pouco menor sejam aprovadas para já minimizar esse caos e aí vacinas que tenham eficácia maior viriam a seguir.”


COMO FUNCIONA A VACINA?

A tecnologia utilizada na vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford consiste na modificação do novo coronavírus, em que sua proteína é separada e combinada a outro vírus não-infeccioso (adenovírus simio), que serve de carreador para o vírus da Covid-19 modificado. Essa combinação é conhecida como vetor viral recombinante. Após a vacinação, o sistema imunológico promove uma resposta, levando o organismo a produzir anticorpos e outras células de defesa capazes de proteger o indivíduo da doença.

CAPACIDADE DE PRODUÇÃO

Apesar da corrida da ciência para desenvolver uma vacina em caráter emergencial, que sejam seguras e eficazes, diante da pandemia de Covid-19, a IFPMA (Federação Internacional da Indústria de Medicamentos) já demonstrou que o mundo ainda enfrentará novos desafios na produção e distribuição dessas tecnologias.

A pesquisadora brasileira da Universidade de Siena/Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Sue Ann Costa Clemens, faz parte da investigação da vacina na Universidade de Oxford, mas também faz parte do comitê científico de experts de duas outras em desenvolvimento, a alemã e a chinesa.

Ela comenta que a vacina de Oxford é uma das mais desenvolvidas e que deveria chegar primeiro ao mercado, mas enfrentava alguns problemas. “Não tinha capacidade de produção em larga escala, por isso fez esse acordo com a AstraZeneca, para uma produção em massa. Mesmo assim, ainda não é suficiente para o mundo inteiro, daí a necessidade de outras vacinas também chegarem nessa corrida”, explica.

Ela afirma que as outras vacinas utilizam tecnologias inovadoras e que por isso estão mais lentas, mas que é necessário que outras vacinas estejam no mercado para suprir a população mundial. Além disso, as indústrias enfrentam um novo problema. “A maior parte das vacinas vem em frascos de vidro e já temos falta desses frascos no mundo para envasar a vacina”, aponta.

ALTERNATIVAS

A pesquisadora também aponta que os países que participam da pesquisa já foram abordados e que os EUA compraram 300 milhões de doses mesmo antes da finalização dos resultados. No Brasil, a professora articulou o apoio do Ministério da Saúde para trazer a pesquisa ao País e ela também fez a ponte entre governo e indústria e aponta que há duas alternativas. “O governo brasileiro foi abordado em relação ao número de doses que querem comprar, como fez com os EUA, e também foi abordado para a produção local. Eu não sei dizer se houve formalização”, aponta.