Professor Cesar Tischer explica que futuramente esse biofilme pode ser utilizado na recuperação de ossos e cartilagens
Professor Cesar Tischer explica que futuramente esse biofilme pode ser utilizado na recuperação de ossos e cartilagens | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

A UEL (Universidade Estadual de Londrina) é um dos poucos centros de pesquisa no Brasil que desenvolve trabalhos de produção de membranas derivadas da celulose bacteriana. A grosso modo, trata se de uma película que pode ser utilizada no tratamento de queimaduras, recuperação de tratamento radioterápico e também para reduzir a rejeição de implantes que substituem ossos ou cartilagens.

O professor Cesar Augusto Tischer, do Departamento de Bioquímica e Biotecnologia, do Centro de Ciências Exatas (CCE) da UEL, explica que por meio de cultivo em laboratório é possível produzir películas que formam um material com propriedades curativas. O nome científico da bactéria utilizada no processo é Gluconacetobacter xylinus, que é facilmente encontrada em uvas.

“Podemos utilizar essas membranas em feridas, como a radiodermatite, que são aquelas provocadas pelo processo de radioterapia. Ou para tratamento de queimaduras em geral”, destaca. Ele explica que isso é possível porque a nanocelulose produzida pela bactéria gera uma estrutura muito fina e delicada e de tamanho reduzido. “Chamamos isso de nanoestrutura, que é bastante resistente. Isso significa que ela possui massa pequena e capaz de carregar uma grande quantidade de água. Nada melhor do que água para hidratar. O percentual de água nessa membrana é de 99%, o que é ideal para tratar queimaduras”, explica.

RECUPERAÇÃO

Futuramente esse biofilme pode ser utilizado na recuperação de ossos e cartilagens. “Para reconstruir uma orelha, por exemplo, é possível imprimir estruturas tridimensionais com material biodegradável, que são rejeitados pelo corpo. Os espaços vazios são preenchidos com essa nanocelulose e aí as células da pele passam a gostar bastante e crescem em volta dessa estrutura, eliminando essa rejeição. Da mesma forma isso pode ser feito com um maxilar impresso em 3D”, detalha o docente.

O projeto de pesquisa para isso já está em andamento e conta com a participação de professores, alunos de iniciação científica e de programas de mestrado e doutorado. Para que seja testado em humanos, é preciso realizar testes em ratos e suínos primeiro.

O projeto de pesquisa termina em 2021 e as perspectivas são animadoras. Segundo ele, se houver fluxo de investimentos, isso será possível fazer por aqui em um horizonte de seis a 10 anos, dependendo do aporte de recursos. “Temos buscado apoio para o desenvolvimento em empresas locais, sabendo que já é uma realidade em países em que essa pesquisa já começou há mais tempo. Chegou a nossa vez de oferecer esse tipo de conhecimento para a sociedade”, afirma.

O professor explica que o cultivo da película em laboratório pode demorar cinco dias, mas para reconstruir uma orelha, por exemplo, são necessários dois meses para criar o volume necessário de células e, consequentemente, criar uma pequena camada. “Isso é um dos limitantes da técnica de cultura de tecidos. As células humanas são bem mais lentas e mais frágeis, mas pela técnica que escolhemos podemos fazer implante a partir de uma injeção inicial de células do próprio paciente. São elas que vão ocupar esse espaço vazio”, destaca.

Por meio de cultivo em laboratório é possível produzir películas que formam um material com propriedades curativas
Por meio de cultivo em laboratório é possível produzir películas que formam um material com propriedades curativas | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

“É difícil dizer o quanto custa uma pesquisa como essa. Eu conheço empresa no exterior que que recebeu aporte de US$ 1 milhão para desenvolver a mesma coisa, ou seja são R$ 5 milhões para desenvolver um sistema completo. Quem entrar nesta onda estará pronto para o mercado que existirá em um horizonte de 15 a 30 anos”, explica.

Questionado se a evolução dessa pesquisa poderia ser órgãos humanos funcionais no futuro, ele explicou que a criação de material constitutivo que estrutura pele, ossos e tecidos evoluiu muito. Porém, a de órgãos funcionais como rim, fígado, pâncreas e coração é algo mais difícil. “É uma tecnologia que precisa evoluir bastante, mas válvulas cardíacas já têm sido feitas e é uma tecnologia que é entregue como produto no exterior”, destaca.

TESTES CLÍNICOS

Baseado na propriedade da nanocelulose, Sabrina de Oliveira, mestre em Biotecnologia pela UEL, teve um projeto selecionado pelo Programa Sinapse da Inovação Paraná, executado pelo governo do Estado, por meio da Celepar e Fundação Araucária. Ela está entre os 100 projetos aprovados na terceira e última etapa do programa. A seleção está em fase de recursos e o resultado final será divulgado ainda este mês.

A proposta é fabricar um produto "à base de celulose bacteriana úmida para proteção e regeneração de pele, que agrega a tecnologia de rede nanoestruturada de celulose". “O projeto visa financiar os testes clínicos para conhecer e validar esse produto para dermatite”, afirma Oliveira, que é ex-aluna professor Cesar Augusto Tischer.

  “Para reconstruir uma orelha, por exemplo, é possível imprimir estruturas tridimensionais com material biodegradável, que são rejeitados pelo corpo. Os espaços vazios são preenchidos com essa nanocelulose", detalha o professor
“Para reconstruir uma orelha, por exemplo, é possível imprimir estruturas tridimensionais com material biodegradável, que são rejeitados pelo corpo. Os espaços vazios são preenchidos com essa nanocelulose", detalha o professor | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

APOIO PRIVADO

Tischer convoca as empresas privadas a investirem na pesquisa científica de base para desenvolver produtos como esse. Ele resolveu pesquisar o assunto depois que foi professor visitante no Canadá. “Lá era só entrar no laboratório e fazer. Aqui a gente tem que construir todo o processo e convencer de que é uma boa ideia. Eu entendo que a pesquisa sobre o assunto aqui está em um momento diferente em relação ao exterior”, destaca.

“Claro que a gente precisa ter um aporte público de recursos, mas é preciso que as empresas entendam o papel da pesquisa básica como uma ferramenta de ganho de tecnologia para suas operações”, observa. Ele compreende que o momento para o desenvolvimento em pesquisa está difícil, mas acredita que agora é a hora de se criar uma parceria mais próxima com o setor produtivo. “Temos nos qualificado para conversar e entender as demandas para dizer o que sei fazer para que eles possam aproveitar esse conhecimento.”

Ele relata que o laboratório já possui uma parceria com uma startup, que financia parte da pesquisa. “A curto prazo estamos trabalhando esse material como cosmético”, conta. “Estamos buscando parcerias para viabilizar isso. Daqui a dez anos, se alguém precisar de um tecido para se recuperar, poderemos ajudar. No curto prazo estamos atendendo as demandas de desenvolvimento tecnológico”, destaca.