“Quanto mais tempo uma pessoa com autismo caminha sem tratamento, mais difícil é ‘alcançá-la’. O autismo em si não é uma doença. É um transtorno do neurodesenvolvimento e essas pessoas precisam ser compreendidas e serem incluídas em nossa sociedade. A inclusão, no meu ponto de vista, é o que a gente mais peca hoje em dia”. O psicólogo Maicon Almeida é especialista em TEA (Transtorno do Espectro Autista) e esteve recentemente conversando com profissionais que compõem a Rede Intersetorial de Serviços do Território Sul A, em Londrina.

O encontro teve a participação de professores, assistentes sociais, psicólogos, médicos e enfermeiros que atuam na Atenção Primária, entre outros. De acordo com a coordenadora do Cras Sul A, Clarissa Morales Rando, o convite feito a Almeida para esclarecer questões sobre o diagnóstico e tratamento, especialmente crianças e adolescentes, veio de uma demanda nos atendimentos do Centro de Referência.

“Muitos são casos suspeitos, que ainda não passaram por avaliação, mas o que a gente tem percebido é que as famílias estão cada vez mais nos trazendo situações recorrentes relacionadas ao comportamento dos filhos. Esse aumento de relatos aconteceu ao longo da pandemia (de coronavírus) e pode ter alguma relação pelo fato de as crianças terem permanecido mais tempo em casa, sob o olhar dos pais”, diz.

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O TEA refere-se a uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem. Os sintomas incluem dificuldade para interagir socialmente; dificuldade na comunicação, como para começar e manter um diálogo; alterações comportamentais, incluindo manias próprias e interesse intenso em coisas específicas.

ANGÚSTIA DOS PAIS E PROFISSIONAIS

A conselheira tutelar da Região Sul, Elen Luz, também tem observado uma certa angústia entre pais e nos próprios profissionais, no que se refere às práticas de atendimento para essas famílias e crianças. “Encontramos muitas dificuldades para lidar com a situação e são poucas as políticas públicas para os atendimentos especializados. A ideia de promover essa conversa com o psicólogo é justamente para que os serviços possam prestar um melhor atendimento a este público”, afirma.

Uma professora que trabalha na zona sul de Londrina comenta que não se sente totalmente preparada para trabalhar em sala de aula certos conteúdos com as crianças com autismo. “O tratamento humano existe, está dentro de nós e direcionamos uma atenção especial a elas, mas enfrentamos muitas dificuldades no dia a dia pela falta de uma orientação mais técnica, específica”, desabafa.

DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO PRECOCE

O psicólogo explica que a chave principal é entender o transtorno como um todo. “A gente precisa entender quais são as características, as dificuldades de comunicação e para quem eles devem encaminhar essa família. Normalmente, quem fecha esse diagnóstico ou é um psiquiatra infantil ou é um neuropediatra”, diz.

Segundo Almeida, já se pode ter uma clareza em relação ao diagnóstico de TEA em torno dos 2 a 3 anos de vida da criança. “E por mais que não se feche o diagnóstico, o recomendado é que a criança seja encaminhada para uma intervenção precoce. A gente sabe e a Ciência nos mostra que, quanto mais cedo uma criança inicia uma intervenção, melhor o prognóstico ao longo da vida dela”, completa.

MARCADORES DE DESENVOLVIMENTO

Para os pais e profissionais, o especialista ressalta a importância de estarem atentos aos marcadores de desenvolvimento das crianças. “O que mais chega na clínica são crianças que , normalmente, com dois anos, dois anos e meio ainda não falam. É a fala que começa a atrair os pais e a gente começa a observar outros marcadores, como a criança não responde ao próprio nome, não segue instruções, não imita o adulto, não inicia uma interação com outra criança. Então é na escola que normalmente se bate o martelo, mas os pais já estão tendo essa visão, principalmente pelas campanhas de conscientização”, afirma.

PRIMEIROS SINAIS

Na família Patrocino, de Londrina, os primeiros sinais de TEA foram percebidos antes dos dois anos de idade de Vicente, hoje com 4. “Percebemos muitas alterações no sono, uma agitação excessiva e no brincar, ele não dava a função para os brinquedos. Por exemplo, ao invés dele brincar com o helicóptero, ele só girava a hélice. Isso nos despertou”, conta a mãe Isabel.

A escola também os chamou para uma conversa diante da observação das crises de irritação do pequeno Vicente. “Procuramos a rede pública, mas a agenda para uma consulta com um neuropediatra era extensa. Conseguimos buscar um atendimento particular e ele já começou a fazer terapia ocupacional, fonoaudiologia e acompanhamento psicológico. É muito importante falarmos do diagnóstico precoce, mas também temos que lutar por mais políticas públicas”, conta.

ABRIL AZUL

A visibilidade que o tema vem ganhando nos últimos anos, ampliando o conhecimento entre a população a respeito do transtorno, é o foco da campanha “Abril Azul”, que tem a data de 2 de abril estabelecida pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como Dia Mundial de Conscientização do Autismo.

Dados do Instituto Pensi apontam que uma em cada 58 crianças no mundo nasce dentro do espectro autista. “Hoje a Ciência tem certeza que a herdabilidade genética é a causa do autismo. Não é culpa da mãe, não é culpa do pai, é uma questão genética. Hoje a ciência já mapeou mais de mil genes que podem predispor ao TEA”, afirma o psicólogo Maicon Almeida

'NÃO EXISTE RÓTULO'


Ainda de acordo com o psicólogo Maicon Almeida, quanto mais cedo se inicia o tratamento, melhor as questões de neuroplasticidade da criança. “Ou seja, ela pode nascer predisposta a não ter muito interesse e motivação social, porém a gente pode ensiná-la ao longo do tempo, olhando para aquela pessoa especificamente que o social é sim, motivador. Que ela pode iniciar interações. Por isso a importância do diagnóstico precoce exatamente por essa neuroplasticidade que acontece”, destaca.

Reunião com profissionais da Rede Intersetorial de Serviços, em Londrina
Reunião com profissionais da Rede Intersetorial de Serviços, em Londrina | Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

Ele é especialista também em tratamento ABA (Applied Behavior Analysis, em português Análise do Comportamento Aplicada), único tratamento que possui evidência científica suficiente para ser considerado eficaz, conforme a ciência do Tratamento do Autismo dos Estados Unidos.

“Precisamos pensar em práticas efetivas para inclusão porque nisso a gente ainda encontra muitas dificuldades. Não existe rótulo, não existe padrão, mas essas crianças quando não acolhidas e atendidas podem apresentar comportamentos desafiadores e de agressão. Elas precisam de um profissional qualificado e professores com conhecimento sobre o transtorno, pois muitas vezes são os professores que encaminham para o neuropediatra”, explica.

NÍVEIS DE SUPORTE

Quanto aos níveis de suporte dentro do TEA, o psicólogo esclarece que o nível 3 é o mais grave, quando a criança normalmente não desenvolve a comunicação e apresenta comportamentos desafiadores. “No nível 2 temos pessoas que já apresentam dificuldades na comunicação, mas podem ter uma melhora nesse processo. E o nível 1, geralmente são pessoas que têm uma dificuldade maior em interação social”, resume.

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