Se livrar de amarras e inseguranças em relação à estética quase nunca é fácil, especialmente quando os padrões de beleza impostos pela sociedade ditam padrões a serem seguidos. Os cabelos cacheados e crespos sempre foram os principais alvos dessa conduta, que hoje vem mudando. A transição capilar, processo de retirar a química do cabelo para voltar ao aspecto natural, ganhou força nos últimos cinco anos e tem conquistado cada vez mais jovens e adultos. Agora, a moda é ser natural.

Imagem ilustrativa da imagem Transição capilar ajuda a devolver saúde aos fios
| Foto: Roberto Custódio

A tendência é vista com bons olhos pela médica dermatologista e tricologista em Londrina, Flávia Gorini Jacob. “Para o fio é muito mais saudável que não exista agressão química. O cabelo afro e crespo é muito belo e, na maioria das vezes, é tão agredido por química que a mulher até perde a sua identidade, perde a noção do que é a característica real do cabelo dela”, aponta. “Para a saúde, a redução dessa química com certeza é um benefício”, acrescenta.

Processo pelo qual Keveli Conrado, 19, passou, optando pela alternativa da química ainda muito nova, aos 12 anos de idade. “Desde pequena eu vivi no mundo em que o cabelo bonito era o liso. Para me sentir à vontade, eu pedi a minha mãe para me deixar alisar. Aos 12 anos eu fiz o meu primeiro relaxamento”, conta. O pedido não é incomum para muitas mães, que também passaram pela mesma situação.

No entanto, todo esse ritual do alisamento lhe trouxe benefícios que hoje ela considera superficiais. “Eu me senti melhor, porque as pessoas me achavam bonita, eu estava agradando as pessoas, mas não sentia que era eu”, acrescenta. Uma adolescência baseada em horas no salão e riscos. “Era demorado, o olho ardia, mas eu achava o máximo, ficava lá o tempo que fosse preciso para ficar ‘bonita’”, revela.

AGRESSÃO TECIDUAL

Conrado conta que os procedimentos levavam em torno de seis horas no salão e durante o processo sentia ardência no nariz e coceira no couro cabeludo. “Isso é sinal de agressão tecidual. Ardência no couro cabeludo se dá por uma reação de sensibilidade do produto, um processo inflamatório”, indica a dermatologista.

“Há quadros alérgicos mais severos, as substâncias são voláteis, na grande maioria das vezes são derivadas do formol, que além da irritação no couro cabeludo faz irritação de via aérea, pode desenvolver quadros respiratórios, tem até formação de câncer via respiratória, principalmente para a pessoa que está manipulando isso diariamente. Mas a ardência nos olhos e no couro cabelo são sinais de irritação”, acrescenta.

A vendedora passou a repensar a questão tóxica à saúde (física e mental) aos 15 anos, quando saiu de Curitiba até Londrina e encontrou pessoas que já estimulavam a reflexão sobre padrões estéticos. “Eu tenho uma prima aqui que sempre teve cachos, eu a achava linda, mas não achava que aquilo era para mim”, aponta.

Mesmo assim, passou a considerar a deixar a química. A decisão veio com força depois de passar por um processo que trouxe prejuízos. “Fiz relaxamento em um salão. Em casa, no banho, eu sentia que meu cabelo estava caindo muito e depois eu já não conseguia mais pentear, eu choquei: ‘vou ficar careca’, pensava”, recorda.

Embora a ideia lhe parecesse repugnante, quando a jovem chegou no salão especializado em cabelos afro na tentativa de recuperar os fios, sentiu-se mais confiante. “Eu vi todas as mulheres se achando o máximo, aquilo me deixou com vontade de saber como era. Eu falei: ‘raspa’. Vou deixar meu cabelo crescer livre”, recorda. A assertividade veio aos 16 anos.

Hoje, aos 19, desfila os cachos como expressão de sua personalidade. “Agora sim eu sinto que sou eu, que eu posso ser o que eu quero, posso sair na chuva, entrar na piscina, meu cabelo agora é ele, virou um símbolo”, afirma.

Assumir a naturalidade tornou a rotina mais simples, saudável e autêntica. “Antes, se eu tivesse que ficar seis horas no salão, acabar com meu cabelo e minha saúde, mas as pessoas me achassem bonita, eu topava. Foi uma mudança. Hoje eu sei que não preciso disso para me sentir bem.”

EXPRESSÃO DA PERSONALIDADE

A plasticidade do cabelo permite múltiplas possibilidades de expressão da personalidade. No entanto, é preciso tomar cuidado, conforme orienta a médica dermatologista e tricologista em Londrina, Flávia Gorini Jacob. “Você pode fazer inúmeras coisas com o cabelo, mas precisa ter cuidado, porque existem incompatibilidade entre determinados tratamentos”, afirma.

Uma delas é a combinação entre alguns alisantes e tintura, além do uso de substâncias proibidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), como o formol. “A Sociedade Brasileira de Dermatologia é completamente contra o uso do formol, que é um dos alisante mais usados no Brasil. Há um risco real, quadros de dermatite, processos alérgicos, quadros graves e, principalmente, o risco de câncer, pois é uma substância cancerígena”, aponta. Veja as orientações no site da Anvisa: http://portal.anvisa.gov.br/alisantes.

A dermatologista conta que já atendeu muitos pacientes que tiveram problemas com procedimentos químicos. “Chegam pacientes com 70 a 80% do cabelo que sofreu o corte químico, isso não é incomum no consultório. Tive pacientes que falaram ‘fiquei nove horas no salão para descolorir o cabelo’, é até incompatível imaginar que um cabelo sofreu agressão química em um período tão longo”, menciona. O corte químico é a agressão capaz de desagregar completamente a estrutura química do cabelo gerando uma fratura em grande volume dos fios.

PARA FAZER A TRANSIÇÃO

Para quem opta por deixar os produtos químicos, a dermatologista indica acompanhamento para o trato dos fios. “Esse cabelo tem que ser muito bem tratado para que a paciente consiga fazer a transição, porque quando se faz a química as cutículas ficam irregulares. Quando se faz alisamento ou tintura, há um desarranjo dessa cutícula, então você trata o cabelo, faz hidratação do córtex e regulariza a cutícula, o que vai dar maciez e elasticidade a esse cabelo”, indica.

CABELOS SEM QUÍMICA

Já para os cabelos que não sofreram contato com a química, o tratamento vai depender das condições de cada um e em alguns casos, os próprios cosméticos comuns do mercado podem resolver. “Interessante é tentar usar os produtos de uma mesma linha, porque vai trabalhar com a mesma linha de proteína e isso vai dar um resultado estético para o fio mais quebrado. A escolha vai depender do que se busca e das características do cabelo”, afirma.

CABELO AFRO EXIGE MAIS CUIDADO

Jacob explica que o cabelo afro precisa de mais cuidado por ser mais frágil e sensível. “É um cabelo que exige muito mais cuidado, então a hidratação, reposição dos lipídeos, incluir proteínas de boa qualidade, reestruturar esse córtex e uniformizar essa cutícula é muito importante.”

TRANSFORMAÇÃO COM SEGURANÇA

Atualmente, há inúmeros tratamentos e procedimentos que permitem a transformação do cabelo em segurança, no entanto, voltar à naturalidade também é uma alternativa. “O Brasil é o terceiro país que mais consome produtos cosméticos, então é realmente cultural. Em relação a assumir o cabelo, é uma opção extremamente bem-vinda, porque o cabelo cacheado é muito belo, o cabelo afro bem cuidado e tratado é lindíssimo”, defende.

ASSUMIR VAI ALÉM DA ESTÉTICA

Diante desse cenário, a médica avalia que assumir os cachos vai além da estética. “É muito importante até para assumirem a identidade delas, assumir as qualidades e defeitos do próprio cabelo”, argumenta. Para aquelas que desejam continuar se transformando, aponta que tanto a cosmética quanto a área médica tiveram avanços para melhorar a qualidade dos fios e trazer liberdade e segurança para quem deseja se transformar. (Com Folhapress)