Se para um adulto já é difícil encarar um ambiente hospitalar e compreender diagnósticos e procedimentos, imagine para uma criança. O fato de não entender o que está se passando com ela e não saber expressar sentimentos pode transformar esse evento em um grande trauma. A não ser que o hospital e equipes médicas utilizem práticas que a ajudem neste momento. Pensando nisso, o HCL (Hospital do Câncer de Londrina) firmou uma parceria com o complexo de assistência pediátrica Johns Hopkins Children's Center, de Baltimore, Maryland (EUA). Durante cinco dias, uma equipe multiprofissional participou de um curso em Londrina, que é um módulo introdutório para as práticas de Child Life. O conceito é amplamente difundido nos Estados Unidos, mas é a primeira vez que foi apresentado na América Latina.

Os especialistas nesta área atuam com equipes que lidam com crianças e seus familiares. A ideia é que cada vez mais, os profissionais se atentem às necessidades emocionais das crianças e utilizem abordagens que as ajudem a entender o que está acontecendo com elas no ambiente hospitalar, além de prepará-las para os procedimentos. Para isso, o lúdico se torna uma ferramenta de entendimento e comunicação.

Durante as visitas ao setor pediátrico do HCL, as três especialistas em Child Life que vieram dos EUA conheceram Kaio César de Souza Silva, 2. No colo da mãe Bruna Souza de Rocha, ele se interessou pelos brinquedos de seringa, estetoscópio, termômetro digital e o medidor de pressão arterial. E, apesar de o pequeno paciente ainda não formular frases, ele reproduziu espontaneamente a funcionalidade de cada um deles em um boneco.

Essa noção é porque todos esses materiais passaram a fazer parte do seu dia a dia. Ele ficou uma semana internado no Hospital do Câncer para a primeira sessão de quimioterapia para o tratamento de neuroblastoma (tipo de câncer infantil, que atinge principalmente os tecidos da glândula suprarrenal). "Utilizamos também material médico de verdade e um boneco sem rosto para que a criança desenhe, expressando sua emoção e até apontando os locais de dor. Fazemos um plano para cada faixa etária, o que pode incluir respiração profunda, jogos, brincadeiras e conversa", explica a especialista em Child Life, Nilu Rahman, graduada em Desenvolvimento Humano e Estudos em Família.

Rahman informa que o trabalho pode envolver desde recém-nascidos até pacientes de 25 anos. Ela esteve em Londrina na semana passada, com a também especialista Caroline Potter e Patrice Brylske, coordenadora do serviço de Child Life do Johns Hopkins. "Quando se trata de bebês, as pessoas têm a ideia de que não sentem dor, mas sentem sim. E essas experiências de dor na primeira infância podem ser um gatilho mais para frente", afirma Brylske.

O HCL atende cerca de 135 pacientes pediátricos por mês, incluindo internações e atendimento ambulatorial. A média é de 10 casos novos a cada mês, sendo os mais incidentes os chamados "tumores moles", como leucemias, linfomas e tumores no encéfalo. Além do tratamento efetivo que pode durar cerca de um ano e meio, esses pacientes são acompanhados durante cinco anos. Isso torna ainda mais relevantes as práticas de Child Life, pois também englobam aqueles que fazem parte da vida do paciente.

"É sempre bom poder conversar sobre minha experiência como paciente, compreender melhor tudo o que está acontecendo", afirma Samuel Oliveira, ao lado da especialista   Nilu Rahman
"É sempre bom poder conversar sobre minha experiência como paciente, compreender melhor tudo o que está acontecendo", afirma Samuel Oliveira, ao lado da especialista Nilu Rahman | Foto: Gina Mardones



"A partir do momento que a gente entende o procedimento, até as nossas ações como acompanhantes mudam. A gente parece ter mais preparo psicológico e até as expectativas são diferentes", conta Marciane Carvalho Oliveira. Ela é mãe de Samuel Oliveira, 17, que está há um mês internado no HCL em tratamento de leucemia e recebeu a visita das especialistas. O adolescente diz que hoje a comunicação com a equipe do hospital já é diferente de um ano e meio atrás, quando começou o tratamento. "A gente já se conhece, mas é sempre bom poder conversar sobre minha experiência como paciente, compreender melhor tudo o que está acontecendo", afirma.

Nos Estados Unidos, essa atuação é devidamente certificada por graduação e/ou especialização em Child Life. A gestora de Ações Estratégicas e Projetos do HCL, Mara Fernandes, comenta que há uma expectativa de firmar parcerias entre instituições de ensino no Brasil e Estados Unidos, para um projeto piloto de formação nessa área.