Estima-se que no Brasil 76 milhões de homens e mulheres tenham problemas para dormir
Estima-se que no Brasil 76 milhões de homens e mulheres tenham problemas para dormir | Foto: Shutterstock


Já se sabe que quem não desfruta de uma boa noite de sono irá pagar essa "conta" com o passar do tempo. Ganho de peso, cansaço excessivo, falta de memória e concentração são consequências de noites mal dormidas. A auxiliar administrativo Ivanete de Lourdes Lopes, 38, viveu por quase sete meses alguns desses prejuízos. Ela conta que despertava cerca de quatro a cinco vezes na madrugada e quando se levantava para trabalhar sentia apenas cansaço e indisposição.
"Ficava o dia inteiro com sono e na hora do almoço aproveitava para tirar um cochilo. Isso começou há um ano e demorei para entender que era um problema", revela Lopes, que buscou ajuda médica e iniciou um tratamento com remédio.

Ela agora toma apenas metade do comprimido. "A ideia é que daqui um mês o remédio seja suspenso, porque dormindo a noite toda já estou trabalhando melhor, recuperei a disposição para fazer atividade física, estou diminuindo o estresse e a ansiedade. Tudo isso está ajudando muito", ressalta.

A neurologista Rosa Hasan lembra que os problemas de sono sempre foram uma queixa médica comum entre a população. "A questão é que antes não se diagnosticava tão bem como hoje. Percebo que a população tem se conscientizado mais que o problema é sério e de saúde", aponta.

No Instituto do Sono, em São Paulo, cerca de 77 atendimentos são realizados diariamente. A maioria dos pacientes se queixa de insônia, dificuldade para dormir, apneia do sono, entre outros.

Para pesquisadores no tema, a falta da tão "sonhada" noite de sono para muitas pessoas – estima-se que no Brasil 76 milhões de homens e mulheres tenham problemas para dormir - se deve especialmente à incidência de doenças neurodegenerativas, apneia obstrutiva do sono e comportamentos da vida moderna.

Para Monica Andersen, diretora do Instituto do Sono, os dispositivos eletrônicos mudaram o cenário no mundo inteiro. "Até os mais novos estão adaptados a esse ritmo. Há crianças com mais de cinco horas de consumo diário de internet", destaca.

Ela, que é docente na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) na área de Psicobiologia, cita que trabalhos nos Estados Unidos revelam que quanto maior a privação de sono de uma cidade, de um estado ou um país, maior é o seu desenvolvimento econômico. "Isso mostra que a cidade que não dorme é uma cidade que se desenvolve, porque ela vira uma sociedade que os americanos denominam 24/7, ou seja, que funciona 24 horas por dia, sete dias da semana. O maior prejudicado acaba sendo o sono. Hoje, somos uma sociedade de sonolência excessiva diurna", afirma.

Esse estado de alerta constante é, para a médica pesquisadora do Instituto do Sono, Helena Hachul, outro desencadeador da insônia. "É difícil a pessoa que é super tranquila ter insônia. Diferente daquela que está constantemente em estado de alerta, que não consegue relaxar e entrar no que chamamos de gate (portão) do sono", diz.

Hachul vem conduzindo linhas de pesquisa sobre os efeitos de práticas não farmacológicas sobre a insônia. "Fizemos estudos com diferentes modalidades, como ioga, acupuntura, massagem e agora vamos testar a aromaterapia. Vimos que todas elas foram superiores aos grupos controles e elas melhoraram sim a qualidade do sono", resume.

Hasan, que coordena o Ambulatório de Sono do IPQ (Instituto de Psquiatria) do HCFM (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina) da USP (Universidade de São Paulo), ressalta que não há estatísticas de que os problemas de sono vêm aumentando por conta de hábitos errados, mas destaca algumas doenças que têm relação direta.

"A população está envelhecendo e apresentando doenças neurodegenerativas, como Parkinson, Alzheimer, que pioram os problemas de sono. A insônia e a apneia são as queixas mais prevalentes", afirma. Atualmente, o ambulatório do sono também conduz pesquisa de base não farmacológica para insônia, como a psicoterapia.

Imagem ilustrativa da imagem 'Somos uma sociedade de sonolência excessiva diurna'



Mais ansiedade e alterações psíquicas
Fisiologicamente, o ser humano nasce com 16 horas de sono por dia e oito horas de vigília. Na faixa etária dos 30 a 40 anos, o ideal é que se durma cerca de sete horas e meia; já a partir de 65 anos, cinco ou seis horas de sono são suficientes.

"Fisiologicamente, a gente vai perder sono ao longo da vida. No entanto, com a avançar da idade, as pessoas ganham peso, mais ansiedade, mais alterações físicas e psíquicas que culminam em dormir com uma menor qualidade", sustenta Monica Andersen, do Instituto do Sono, em São Paulo.

Para ela, uma consequência bastante preocupante é a obesidade. "A privação de sono faz com que as pessoas engordem porque ela modifica um hormônio que diminui a saciedade e aumenta o apetite por comidas calóricas", explica.

O sobrepeso, além de aumentar o risco para doenças crônicas como diabetes e hipertensão, é a principal causa da apneia obstrutiva do sono. Um trabalho do Instituto do Sono mostrou que 32.9% da população de São Paulo sofrem da doença. Em outros dados, isso representa um em cada três adultos.

O otorrinolaringologista e médico do sono em Londrina, André Toshio Matsuda, explica que o ganho de peso faz com que a gordura se instale também na musculatura da língua e região do pescoço. "Tudo isso acaba colaborando para um maior relaxamento da musculatura da faringe, levando ao fechamento das vias aéreas à noite. Se esse relaxamento for total, a pessoa vai parar de respirar e ter um microdespertar", diz.

Quem tem um quadro grave repete esse movimento a noite toda e por isso o sono não é reparador. De acordo com Andersen, a apneia aumenta o risco de infarto, derrame, disfunção erétil, acidentes, diabetes, hipertensão, entre outros.

Além do sobrepeso, a apneia pode ter origem genética, por anomalias craniofaciais, indivíduos com queixo um pouco mais retraído ou com amígdalas ou adenoides grandes.

O diagnóstico é confirmado com o exame de polissonografia e o tratamento em crianças consiste em cirurgia, enquanto para adultos o principal recurso é o uso de um dispositivo de pressão positiva. "É um aparelho conectado a uma máscara nasal, que solta ar enquanto a pessoa dorme, abrindo as vias aéreas", aponta. Matsuda cita que há estudos em andamento, mas que ainda não há nenhuma medicação para tratamento de apneia.

Andersen acrescenta que os homens têm predestinação para serem apneicos. "É uma determinação genética, já as mulheres só vão ficar apneicas na menopausa porque são protegidas pelos hormônios femininos."