O número de pessoas recuperadas da Covid-19 em Londrina se aproxima dos 30 mil registros. Considerando que novos casos continuam em aceleração no município, o índice de curados também deverá ter um aumento expressivo. Fato que requer dos serviços de saúde da rede pública um planejamento a curto e longo prazo para a promoção de tratamentos em diferentes especialidades.

Estudos estão em andamento para entender os efeitos secundários dessa infecção no organismo dos indivíduos, mas o que se sabe até o momento é que muitas pessoas que tiveram a doença podem apresentar a chamada Síndrome Pós-Covid, com sequelas que podem ser respiratórias, olfativas e degustativas, complicações musculoesqueléticas, alterações psicoemocionais, entre outras.

Em Londrina, o secretário municipal de Saúde, Felippe Machado, afirmou que a rede pública de saúde, especialmente as UBSs (Unidades Básicas de Saúde), ainda não registram sobrecarga nos atendimentos pós-Covid. “O número de pessoas que têm necessidade de um suporte, de um apoio pós-Covid, não nos preocupa neste momento. Entretanto, a gente não sabe como é que vai se desenhar isso até o fim”, considera.

Ele cita que o HU (Hospital Universitário) já possui um ambulatório para atender os pacientes com sequelas mais graves e que recentemente foi solicitado ao Cismepar (Consórcio Intermunicipal de Saúde do Médio Paranapanema) a montagem de uma estrutura para atender a região. “Até porque isso vai acabar sendo uma situação regional, abrangendo outros municípios também”, avalia.

LONDRINA E REGIÃO

A diretora de Planejamento e Atenção em Redes de Saúde do Cismepar, Rossana Baduy, comenta que o ambulatório de Pneumologia, também chamado de Ambulatório Pós-Covid, passou a ser referência no atendimento aos pacientes recuperados da doença no início de dezembro de 2020.

“Temos apenas um pneumologista para casos que precisam de uma atenção especializada, mas a partir do início de março teremos mais dois especialistas. Eles estão agora na fase de credenciamento porque acreditamos que vai aumentar a procura. Inclusive, essa ampliação foi uma demanda dos 21 municípios que compõem o Consórcio”, diz.

O ambulatório já atendeu 18 pacientes até o dia 20 de janeiro, encaminhados pelas UBSs. “Temos outras especialidades que podem dar suporte também aos pacientes, mas vale lembrar que não atendemos demanda espontânea. Quem precisa do serviço deve passar pela Atenção Primária”, destaca.

SEQUELAS GRAVES

No HU da UEL (Universidade Estadual de Londrina), o Ambulatório Pós-Covid começou a atender pacientes com sintomas persistentes de maior gravidade desde outubro de 2020. Eles são monitorados quanto às sequelas respiratórias através do acompanhamento especializado e exames de imagem e função pulmonar.

O pneumologista Alcindo Cerci, que atua no ambulatório, diz que por semana são realizados cerca de 20 atendimentos e que a demanda aumenta proporcionalmente ao número de internações. “É importante esclarecer que essa nossa iniciativa é voltada para pacientes que estão internados no hospital e já têm insuficiência respiratória com comprometimento pulmonar”, afirma.

No entanto, ele ressalta que um indivíduo que teve a infecção, mesmo não precisando de internação, pode desenvolver a Síndrome Pós-Covid. “É importante que essas pessoas também sejam acompanhadas. O número de recuperados da doença segue crescendo e não sabemos como será o cenário a longo prazo, mas a curto prazo podemos afirmar que muitos pacientes não conseguem voltar ao trabalho, têm que fazer adequações em casa, precisam de auxílio nos afazeres diários e precisarão de uma atenção maior do poder público, não só do ponto de vista médico, mas social também”, comenta.

DEMANDA ESPONTÂNEA

A Clínica de Fisioterapia da Unifil também está atendendo casos de reabilitação pós-Covid em Londrina. Os atendimentos acontecem de segunda a sexta, das 8h30 às 11h30. A professora Heloísa Freiria Tsukamoto, coordenadora do Curso de Fisioterapia, explica que os atendimentos são agendados conforme os encaminhamentos, mas há a possibilidade de atender demandas espontâneas, mediante comprovação do diagnóstico.

A Clínica cobra uma taxa administrativa, mas há uma triagem com o serviço social para atender pacientes com dificuldades econômicas. “Neste momento da pandemia estamos atendendo muitos pacientes pós-Covid com isenção”, afirma. Entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, a unidade atendeu cerca de 20 pacientes. “Temos uma lista de espera no momento, com novas vagas para fevereiro”.

De acordo com ela, as principais queixas são falta de ar, fadiga e fraqueza muscular, e o período médio para alta do tratamento tem sido de 45 a 60 dias. “Cerca de 20% dos pacientes apresentaram quadro com maiores complicações e precisaram permanecer mais tempo em atendimento”, diz.

Serviço: Mais informações sobre a Clínica de Fisioterapia da Unifil, através dos telefones: (43) 3357-7280 ou (43) 99141-8852 (WhatsApp)

Mais da metade dos pacientes têm alguma sintoma persistente

A UEL (Universidade Estadual de Londrina) conduz em parceria com a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), um estudo para avaliar a qualidade de vida de pacientes londrinenses que tiveram a Covid-19.

Das 446 pessoas consultadas após um, dois, seis e 12 meses do diagnóstico de infecção pelo coronavírus, 61,2% relataram algum tipo de sintoma persistente. Dentre os principais estão: fadiga (24,4%); perda de olfato (21,3%); dor de cabeça (16,4%), dores no corpo (13,7%) e falta de ar (8,5%).

“Como é uma doença nova, sistêmica, precisamos conhecer um pouco mais sobre ela, mas temos percebido sintomas gerais e respiratórios nos pacientes recuperados como queixas de dores musculares, fadiga, tosse, alteração do olfato e paladar, mas também outros menos comuns, como perda da memória, manchas pelo corpo e perda de cabelo”, cita a professora do curso de fisioterapeuta da UEL e coordenadora da pesquisa, Celita Salmaso Trelha.

Em entrevista recente à FOLHA, o cardiologista em Londrina, Laércio Uemura, citou que um estudo realizado na Alemanha com 100 pacientes que se curaram da Covid-19, mostrou que 78% apresentaram algum comprometimento cardíaco em menor ou maior grau. A avaliação foi feita por meio de exames de ressonância magnética. Outra dado impressionante é que do total de pacientes, 67% não chegaram a ser hospitalizados e 18% eram assintomáticos.

A coordenadora da pesquisa da UEL ressalta que os sintomas podem persistir por meses após a alta médica e por isso o acompanhamento multiprofissional tem se mostrado essencial.

“No caso da fisioterapia, ela irá promover independência, melhorar as incapacidades funcionais como a parte respiratória, pois muitos têm queixa de dispneia (falta de ar)”, afirma.

A pesquisa “Avaliação clínica funcional e qualidade de vida de pacientes após 1, 2, 6 e 12 meses do diagnóstico de infecção por SARS-CoV-2 no município de Londrina-PR” integra o Projeto PAPCov e os resultados apresentados são parciais. A análise completa será concluída no segundo semestre deste ano, já que os pacientes precisam responder o questionário até 12 meses do diagnóstico da doença.

Os pacientes que participam da pesquisa também recebem uma cartilha com orientações e exercícios, desenvolvida pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e traduzida por profissionais da UEL e SMS. (Veja infográfico)

Imagem ilustrativa da imagem Serviços de saúde atendem pacientes com sequelas da Covid-19 em Londrina
| Foto: Folha Arte

Vendedora começou a melhorar após quatro meses do diagnóstico

O número de seguidores de uma página no Facebook sobre sequelas pós-Covid-19 cresce a cada dia e o perfil está próximo de alcançar sete mil membros. A ideia do grupo é reunir depoimentos de quem teve ou está enfrentando a doença para troca de informações.

Karen Evangelista:  “Acho importante compartilhar a minha experiência porque ainda é difícil para todo mundo entender todo o processo de recuperação"
Karen Evangelista: “Acho importante compartilhar a minha experiência porque ainda é difícil para todo mundo entender todo o processo de recuperação" | Foto: Micaela Orikasa - Grupo FOLHA

Foi assim que a vendedora Karen Evangelista, 34, compreendeu que poderia estar entre as milhares de pessoas que têm sequelas da infecção. A londrinense conta que em agosto de 2020 teve sintomas leves como perda de paladar e incômodos que mais pareciam um quadro de rinite.

“Com o teste positivo para Covid-19 fiquei em quarentena, mas depois de duas semanas comecei a sentir dor nas costas, na altura dos pulmões, e falta de ar. Passei por consultas médicas e fiz uma série de exames, mas a resposta que eu recebia era de que estava tudo bem”, lembra.

Em poucos dias, as dores foram piorando e qualquer esforço que Evangelista fazia, o cansaço era imenso. “Até para falar eu me cansava. Eu que era uma pessoa ativa, praticava atividade física regularmente, não conseguia fazer mais nada. Um médico tinha até me receitado um antidepressivo porque ele disse que o que eu estava sentindo era psicológico. Foi aí que resolvi ir para as redes sociais e passei a conversar com outras pessoas que estavam passando pela mesma situação”, diz.

No grupo, alguns profissionais voluntários davam dicas de exercícios respiratórios e Evangelista também passou a conversar com uma psicóloga em sessões on-line. “Era uma angústia e a gente fica com trauma. Você fica pensando se contaminou alguém, se a doença vai voltar e se você nunca mais retornará ao que era antes. Os sintomas passavam e quando eu achava que tinha acabado, voltavam”, desabafa. A jovem também relata alterações no ciclo menstrual e no apetite.

Quatro meses depois do diagnóstico, Evangelista começou a melhorar. Hoje, ela conta que já está retornando até à rotina de exercícios. “Acho importante compartilhar a minha experiência porque ainda é difícil para todo mundo entender todo o processo de recuperação. Ainda é tudo muito novo para todos”, conclui.

Compartilhar o sofrimento emocional é parte da recuperação

Já se sabe que as sequelas emocionais também demandam uma atenção profissional. Uma boa parcela das pessoas que se recuperaram da Covid-19 ou mesmo, que tiveram familiares acometidos pela doença, precisam compartilhar o sofrimento emocional para seguir em frente.

Pensando nesse público, a UEL (Universidade Estadual de Londrina) criou o Projeto Suporte Psicológico Covid-19, para oferecer atendimento psicológico gratuito às pessoas que apresentam sofrimento psicológico em função da pandemia, e para isso há mais de 70 psicólogos voluntários, além de professores e alunos da UEL.

A psicóloga clínica Vanessa Ximenes, membro do projeto, comenta que aqueles que se recuperaram da doença relatam sentimentos como alívio e gratidão por estarem vivos, mas por outro lado, ela cita muitas queixas relacionadas ao luto, ao medo de se contaminar e contaminar outras pessoas, medo de morrer, ansiedade, esgotamento emocional, dificuldades interpessoais, entre outros.

Até o momento, o projeto já atendeu 85 pessoas, sendo a maioria do sexo feminino e 32 deles, profissionais da saúde. “Passar por situações frequentes de ameaça à vida pode trazer um impacto emocional significativo como medo acentuado de morrer, prejuízos na realização das atividades diárias, pois a pessoa deixa de realizá-las tentando evitar que algum mal aconteça, além de estresse pós-traumático, quadros graves de ansiedade, e outros danos à saúde mental”, afirma.

O projeto tem duração de três anos e a iniciativa é da PROPPG (Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPPG) em parceria com professores do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento, da Residência em Psiquiatria e do Design Gráfico. O grupo conta com o apoio da Proex (Pró-Reitoria de Extensão).

“Para nós, a situação de pandemia é inédita e a previsão é que esse impacto emocional se estenda mesmo que todos estejam vacinados, justamente pelo o que está acontecendo agora, com pessoas que não conseguem se despedir de familiares internados, por exemplo. Isso deixa uma marca muito grande e as pessoas terão que lidar com essas questões ao longo da vida”, pontua.

Serviço: O telefone para agendamento no Projeto Suporte Psicológico COVID-19 da UEL é (43) 99625- 5345.