São Paulo - A gentileza deveria ser um hábito, mas, na agitação do cotidiano, ela acaba sendo engolida pela pressa e pelo individualismo. No entanto, é muito saudável colocar em prática o exercício de ser gentil, pois a ação beneficia quem recebe o gesto e quem o oferece. Dizer bom dia, ceder o lugar no transporte coletivo, pedir licença, agradecer, oferecer um sorriso... Essas são algumas ações que podem fazer toda a diferença nas relações interpessoais.

Imagem ilustrativa da imagem Ser gentil melhora a saúde mental e até física
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"Quando recebemos uma gentileza numa cena do cotidiano, mesmo vindo de um estranho, desperta em nós uma sensação de reconhecimento e respeito. Gera, por consequência, um comportamento respeitoso com o outro. Cria-se uma corrente invisível", afirma Rose Paim, doutora e pós-doutora em Psicanálise e Educação e docente na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

De acordo com um estudo publicado pelo Springer Science, a gentileza consegue, por exemplo, ajudar a afastar a ansiedade porque ações gentis e interações sociais positivas elevam a autoestima e melhoram o bem-estar emocional. Aliás, muitos estudos apontam para os benefícios em ser gentil para a saúde física e mental. Confira alguns deles:

1. Alivia a ansiedade

Em 2015, um estudo realizado na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), pacientes que estavam em tratamento para a ansiedade foram convidados a praticar um ato de gentileza por dia. Após quatro semanas, todos os pacientes estavam mais relaxados, com os níveis de dopamina e serotonina (hormônios da felicidade) mais elevados. "A gentileza provoca uma certa excitação muito benéfica e a pessoa acaba ficando mais relaxada", diz a psicóloga Eliana Melcher Martins, mestre e doutoranda em vivências pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

2. Aumenta a sensação de felicidade

Ser gentil ajuda a estabelecer laços, pois cria uma ordem mais afetiva com os outros. "Uma sequência de reações amistosas gera um ambiente acolhedor provocando uma sensação de bem-estar", diz Claudio Paixão, doutor em Psicologia Social e professor da Escola de Ciência da informação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Por isso, a gentileza tende a deixar as pessoas mais felizes. E uma pesquisa desenvolvida pela Harvard Business School, que avaliou a felicidade em 136 países, apontou que as pessoas altruístas são as mais felizes em geral. Esse estudo mostrou que a satisfação sentida após um ato gentil tem efeito consistente na felicidade pois gestos de gentileza acionam a liberação de dopamina que promove euforia positiva.

3. Contribui no tratamento de outros quadros

O estudo conduzido na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), que pediu aos para praticar um ato de gentileza por dia, apontou também que houve redução de isolamento social, até mesmo naqueles que apresentavam fobia social. "Na medida em que estamos envolvidos e comprometidos com o bem do outro, saímos da esfera do individualismo e egoísmo promovendo nosso próprio bem. Isso é entendido também como sinônimo de saúde mental", confirma Paim. Portanto, exercitar o ato de gentil pode ser uma ótima maneira de minimizar os efeitos da depressão, ajudando a enfrentar os sintomas da doença.

4. Garante mais energia

"Quando as pessoas praticam a gentileza toda gama de energia e positividade pode se tornar constante e dar motivação para uma qualidade de vida melhor", diz Martins. Por isso, um estudo publicado no International Journal of Behavioral Medicine sobre a gentileza apontou que, após ajudar os outros, uma pessoa tende a se sentir mais forte e com mais energia. Para Paixão, o ato gentil também cria um efeito potencializador criando um entorno mais positivo.

5. Melhora a sensação de dor

A prática de ações gentis e solidárias promovem a produção de endorfina, um analgésico natural do organismo. Por isso, quem é gentil regularmente pode sofrer menos dores. E um estudo clínico realizado pela Universidade de Sheffield, no Reino Unido, notou que pacientes que apresentavam dores musculares conseguiram uma boa melhora após receberem a indicação de serem mais gentis com os profissionais de saúde que o atendiam. "Considerando que gentileza é uma forma de atenção e cuidado no trato com o outro, o desenvolvimento e prática dessa qualidade relacional desencadeia sentimentos muito positivos", confirma Paim.

6. Beneficia a saúde do coração

Segundo um estudo realizado pela Universidade de Miami, nos Estados Unidos, as pessoas gentis têm uma produção aumentada de oxitocina, um hormônio dos vínculos emocionais. Isso pode ajudar a baixar a pressão arterial beneficiando a saúde cardiovascular. A oxitocina também pode ser produzida quando nos apaixonamos, portanto, tende a diminuir os níveis de cortisol responsável pelo estresse, um dos grandes vilões para a saúde do coração.

'Essa energia passa para outras pessoas'

O pregador urbano brasileiro José Datrino, conhecido como "Profeta Gentileza", já dizia que "Gentileza gera gentileza". Ele escrevia frases nos pilares do viaduto do Gasômetro, no Rio de Janeiro, sempre transmitindo palavras de amor, bondade e respeito ao próximo.

A palavra gentileza deriva do latim gentilis e significa “da mesma família ou clã”, trazendo uma ideia de nobreza, de bem-tratar os outros. Gens, entre os romanos, eram as pessoas de uma mesma linhagem. Por isso muitas pessoas dizem que educação vem de berço. Hoje a palavra superou esse conceito e tem uma relação muito maior com o conceito de praticar a humanidade com o outro, de ter empatia. É o ato de tentar compreender sentimentos e emoções do outro. A empatia leva as pessoas a ajudarem umas às outras.

A auxiliar administrativa Izabella Aparecida, 24, trabalha no Centro de Londrina e reforça esse conceito de empatia. Ela diz que procura sempre se colocar no lugar do outro. "Quem faz o bem
tem uma alegria no coração. E a pessoa que recebe esse tratamento também fica bem-humorada", destaca. "É difícil explicar. Você não fica deprimida, não sente muita dores e é mais fácil ter boa convivência com outras pessoas sendo gentil", acrescenta.

Izabella Aparecida, auxiliar administrativa: "Quem faz o bem tem uma alegria no coração"
Izabella Aparecida, auxiliar administrativa: "Quem faz o bem tem uma alegria no coração" | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

A proprietária de uma cafeteria no Calçadão, Kedma de Oliveira Carvalho, 33, diz que procura seguir os passos do pai, que era conhecido como "Gente Boa", porque sempre procurava atender bem os clientes. "Vira uma corrente do bem, essa energia passa para outras pessoas. Presencio isso todos os dias. A pessoa que se sente bem recebida tem até aquela sensação de alívio da ansiedade. Já atendi bem um cliente e ele ficou emocionado a ponto de chorar. Devido à correria muitas pessoas acabam deixando de lado isso", afirma.

Kedma de Oliveira Carvalho, proprietária de uma cafeteria, ressalta que a gentileza vira uma corrente do bem
Kedma de Oliveira Carvalho, proprietária de uma cafeteria, ressalta que a gentileza vira uma corrente do bem | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

O artesão Edmundo Oberle, 64, ressalta que a gentileza representa ter uma convivência mais feliz com outras pessoas. E diz que ao praticar um ato de gentileza se sente útil. "A gente vê que a outra pessoa fica satisfeita, que fica contente com o que aconteceu com ela", afirma. "O que mais gosto é a cordialidade", destaca Oberle. Aliás, a palavra deriva do latim medieval cordialis, que significa “referente ao coração, ao afeto”. "Quando a pessoa vem com um sorriso nos lábios é terapêutico. A gente vive outra vida", observa.

"Quando a pessoa vem com um sorriso nos lábios é terapêutico. A gente vive outra vida", observa o artesão Edmundo Oberle
"Quando a pessoa vem com um sorriso nos lábios é terapêutico. A gente vive outra vida", observa o artesão Edmundo Oberle | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

O serralheiro aposentado Luiz Ramazotti, 60, também percebe que a prática da gentileza influencia no humor. "Sinto isso quando trato bem as outras pessoas e recebo a retribuição do outro. Isso é importante. Quando pratico ato de gentileza dá sensação de bem-estar, parece que a gente fica aliviado", destaca. Ele reforça que o ser humano, por ter contato com outras pessoas constantemente, precisa respeitar o próximo.

Luiz Ramazotti, serralheiro aposentado: sensação de bem-estar
Luiz Ramazotti, serralheiro aposentado: sensação de bem-estar | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

Uma pessoa que tem contato com várias pessoas e com diferentes estados de humor é a motorista de aplicativo Solange Genari da Rocha, 51. "Pego muitos clientes e sinto essa energia. Tem cliente que fico torcendo para a corrida acabar logo, porque a pessoa é mal-humorada. Desce do carro e bate a porta. Eu não sei o problema que ela tem para descarregar na gente", destaca. Ela relata que o passageiro bem-humorado geralmente senta na frente, começa a conversar e conta o dia dele animadamente. "Acabei de pegar um segurança que trabalhou a noite inteira. Ele falou que iria dormir só duas horas e iria para outro serviço, mesmo assim estava bem-humorado", ressalta. "Eu tento me policiar e procuro sempre ser gentil, ajudar o máximo."