São Paulo - Os casos de trombose após vacinação com os imunizantes contra a Covid-19 da AstraZeneca/Oxford e da Janssen no mundo são raríssimos. Apesar disso, médicos brasileiros têm receitado anticoagulantes para prevenir a trombose, mesmo sem estudo que comprove a eficácia da medida ou indicação de autoridades de saúde para uso dos remédios associados à vacina. Outras pessoas têm decidido tomar anticoagulantes por conta própria, o que é ainda mais arriscado.

Imagem ilustrativa da imagem Remédio  para 'prevenir' trombose pós-vacina pode aumentar risco de complicações
| Foto: Alfredo Estrella - AFP

Especialistas alertam que o uso desses remédios sem indicação específica, na verdade, tem o efeito oposto: pode aumentar riscos de complicações, como o surgimento de sangramentos inesperados. De acordo com Seleno Glauber Silva, cirurgião vascular no Hospital de Clínicas de Itajubá (MG), alguns médicos têm feito a prescrição de uso preventivo de anticoagulantes e antiplaquetários sem base científica. "Tenho visto um esquema passado pelos médicos para tomar os remédios dez dias antes e dez dias depois da vacina, mas não existe essa indicação formal", afirma.

Nas redes sociais, pessoas relatam que tomam anticoagulantes como ASS e Xarelto. Umas, se automedicando. Outras, por indicação de clínicos gerais a cirurgiões vasculares. "Eu tomei vacina da AstraZeneca e hoje acordei com câimbra na panturrilha. Vou tomar um Xarelto", escreve uma. Outro disse que iria em busca do mesmo remédio "por via das dúvidas".

Mais um relato: "Não tive orientação, tomei a vacina na coragem. Calculei os riscos, segurei na mão do Xarelto e fui".

Outro afirma que teve prescrição médica: "por indicação de um cirurgião vascular, eu tomei AAS por 15 dias depois da primeira dose da AstraZeneca. Vou repetir quando tomar a segunda dose".

Uma trombose ocorre quando um coágulo se forma nos vasos sanguíneos e funciona como uma barreira que impede a circulação adequada do sangue pelo local. Os anticoagulantes, então, agem para deixar o sangue mais fluido e facilitar a passagem pelas veias. Mas, um dos efeitos adversos desses remédios é o sangramento exacerbado. Além disso, a trombose causada pela vacina é diferente de outros tipos, que podem ser tratados, nos casos leves, com anticoagulantes.

A trombose rara após a imunização é conhecida como trombocitopenia trombótica induzida por vacina (VIIT, na sigla em inglês) e acontece por uma reação autoimune –isto é, o organismo cria anticorpos contra si mesmo, explica Glauber Silva.

"Não há nenhuma base fisiológica para dizer que o anticoagulante pode prevenir essa trombose. O uso de drogas que agem diretamente no sistema de coagulação não possui fundamento científico para prevenir a trombose induzida por vacina", afirma.

"Esses casos muito raros de trombose ligados à vacina são completamente diferentes da trombose que vemos normalmente, é um evento imunomediado [relacionado ao sistema imune]", afirma a médica Joyce Annichino, hematologista e professora do Departamento de Clínica Médica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

"O uso de anticoagulantes requer muita cautela. Mesmo no caso de doses baixas, se o paciente tiver uma úlcera desconhecida no estômago ou um aneurisma cerebral, pode ter um sangramento facilitado pelo remédio", diz Kenji Nishinari, cirurgião vascular do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo.

PESSOAS MAIS JOVENS

Estimativas apontam que ocorrem de 1 a 4 casos da VIIT para cada milhão de doses de vacinas aplicadas. Os casos acontecem geralmente com pessoas mais jovens, que são as que produzem reações imunes mais intensas.

Ainda assim, em maio deste ano, o governo do Reino Unido sugeriu que pessoas com menos de 40 anos de idade dessem preferência a outros imunizantes que não o da AstraZeneca –mas somente se isso não causasse atraso na vacinação, pois os riscos de permanecer sem a vacina são muito maiores do que o risco de desenvolver a trombose.

Em abril, os EUA suspenderam o uso da Janssen depois da detecção de seis casos de acidentes vasculares raros. Mas o imunizante já voltou a ser aplicado.

LEIA TAMBÉM:

- Londrina muda regra para vacinação contra Covid em gestantes

EM GESTANTES

No Brasil, está suspensa a aplicação da vacina da AstraZeneca em gestantes. Isso porque a gravidez, assim como o uso de pílula anticoncepcional e o cigarro, traz um risco bem mais alto para a trombose do que a vacina.

Mas, mesmo que esse risco de ter uma trombose relacionada à vacina seja extremamente baixo, Annichino diz que é importante procurar um médico se sinais de coagulação aparecerem após a primeira dose do imunizante.

Manchas roxas pelo corpo (que indicam sangramento interno), dores muito fortes e inchaço nas pernas, dor de cabeça muito acima do normal, náusea e perda de equilíbrio devem acender o alerta.

POR SUPOSIÇÃO

Para Silva, a pandemia evidenciou uma deficiência do meio médico brasileiro de indicar terapias usando apenas a suposição, como o chamado tratamento precoce, que incluiu remédios que não funcionam contra a doença, como a cloroquina e a ivermectina.

O uso de anticoagulantes, atualmente, é feito pelos médicos em pacientes hospitalizados com a Covid moderada e grave para evitar os coágulos que podem surgir em decorrência da infecção pelo vírus.

Quem recebe a vacina pode ter algumas reações esperadas, como dores pelo corpo e febre. Os médicos afirmam que medicamentos como antitérmicos e analgésicos podem ser usados para aliviar esses sintomas, mas não devem ser consumidos como forma de prevenção.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1