São Paulo - Todos nós já deixamos uma tarefa importante para depois. Seja estudar para uma prova na época do colégio, preparar um relatório para entregar para o chefe no trabalho ou mesmo iniciar um projeto pessoal que demanda muita dedicação. A procrastinação faz parte do processo de tomada de decisão, conta o neurocientista Andrei Mayer, professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e administrador do canal do Youtube A culpa é do cérebro.

"Por algum motivo, a pessoa decide empurrar aquela atividade mais para frente. É algo natural, que fazemos o tempo todo, mas é preciso ficar atento quando isso começa a prejudicar a pessoa profissionalmente ou mesmo em suas relações sociais", diz Mayer.

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O neurocientista explica que o nosso cérebro está o tempo todo fazendo uma avaliação de custo-benefício de todas as nossas ações. Desde coisas simples e diárias, como lavar a louça e escovar os dentes, a elaboração de projetos mais complexos, como mudar os hábitos alimentares ou economizar dinheiro para comprar um imóvel.

"O custo para alcançar um objetivo é o tempo e o esforço que você terá que aplicar naquilo. O benefício é a recompensa que você vai obter no final, ou seja, o prazer e o sentimento de realização", afirma.

NÃO É PREGUIÇA

Mayer enfatiza que tanto a procrastinação como a preguiça estão relacionadas à motivação, mas são comportamentos diferentes. "A preguiça é uma desmotivação geral. A pessoa não tem vontade de fazer nada, não tem energia mental nem física para desenvolver qualquer atividade", afirma. "Já a procrastinação se refere a uma tarefa específica. Por algum motivo, você deixa de fazer uma tarefa para fazer outra."

As duas, no entanto, podem ser desencadeadas por questões fisiológicas e psicológicas, como estresse e sono irregular. "Dormir mal afeta todos os sistemas do cérebro, inclusive os envolvidos com a motivação. Se a pessoa dorme mal ela se sente menos motivada e procrastina mais, fica preguiçosa. Com o estresse é a mesma coisa. O estresse muda a forma de como o cérebro vai calcular o custo-benefício das tarefas, fica mais difícil ter motivação."

SISTEMA DE RECOMPENSA

Assim como qualquer processo de tomada de decisão, muitas partes do nosso cérebro estão envolvidas na procrastinação. "As principais são o córtex pré-frontal, que funciona como um grande gerente, um planejador dentro da nossa cabeça, e o chamado sistema de recompensa, que é o circuito que processa as informações relacionadas às sensações de prazer, à satisfação", ressalta Mayer.

"As informações sobre o esforço que você vai ter que fazer para conquistar essa recompensa chegam até o gerente, que é o córtex pré-frontal, que vai ajudar você a tomar a decisão."

E o que acontece quando a gente procrastina? "Basicamente, é o seu cérebro chegando à conclusão de que não vale a pena executar essa tarefa agora, e você acaba deixando para mais tarde. Ele avalia que não vale a pena investir energia física e mental naquele momento. Isso é procrastinar. É quando o gerente chega a essa conclusão."

Mayer destaca que os quatro componentes básicos que o cérebro leva em consideração para tomar essa decisão são: a recompensa (o que você vai ganhar com aquilo), o esforço físico e mental para resolver aquela tarefa, o tempo que você terá que dedicar e, finalmente, a probabilidade de dar certo ou não.

"Ou seja, qualquer coisa que tenha pouco benefício, ou que a recompensa esteja muito longe, que o custo seja muito alto, tem que se esforçar muito, a tendência é de a gente procrastinar mais", conclui. "Por exemplo, para fazer uma dieta o esforço é muito grande e a recompensa, que é melhorar a saúde ou perder peso, está longe. Outro exemplo é estudar para prova que vai acontecer daqui a um ano e você não sabe se vai passar, mesmo estudando muito", diz.

ANSIEDADE

A insegurança quanto ao resultado de uma tarefa é uma das causas da procrastinação. Afinal, por que investir tanto esforço e tempo em algo que pode dar errado? "Pessoas ansiosas tendem a procrastinar mais certas tarefas, já que a ansiedade é uma resposta de um medo que a gente tem no presente em relação a alguma coisa que vai acontecer no futuro. “

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ESTRATÉGIAS PARA SUPERAR

O primeiro passo é identificar o que está causando a procrastinação. Lembra dos quatro componentes que o cérebro leva em conta para executar uma tarefa? A recompensa (o que você vai ganhar com aquilo), o esforço físico e mental para resolver aquela atividade, o tempo que você terá que dedicar e, finalmente, a probabilidade de dar certo ou não.

Uma tática para realizar tarefas longas, quando a recompensa está lá longe, é quebrar essas atividades em micro-objetivos ou metas. "É importante fazer um planejamento e traçar metas diárias, semanais e mensais. Isso serve para o cérebro entender que cada meta atingida significa que você está chegando mais perto do grande objetivo", revela o neurocientista Andrei Mayer.

"Essa tática é muito importante para conseguir manter a pessoa motivada. É como se a gente transformasse o projeto num jogo em que cada meta alcançada é uma fase que a pessoa superou. E aí o simples fato de passar a primeira fase já é recompensador. Você ganha quando conquista o resultado almejado", compara.

PLANEJAMENTO DETALHADO

Outra estratégia que Mayer indica é fazer um planejamento detalhado - para isso é possível lançar mão de diários ou planners. "É preciso ter sempre uma agenda antecipada com todas as atividades que você deve fazer, aí você só precisa seguir a programação. Tomar decisões em cima da hora pode ser uma armadilha e tirar o foco", observa.

Mayer também indica a técnica dos cinco minutos. "A ideia é, quando você estiver sem vontade nenhuma para fazer algo, comece fazendo por apenas cinco minutos. Se você não quiser continuar depois desse tempo, você para. Mas estudos mostram que só de iniciar uma tarefa a sua motivação para conclui-la já aumenta significativamente. Então é bem provável que, depois de dar esse pontapé, você chegue até o fim."

ANALISAR O COMPORTAMENTO

O psicólogo Bruno Farias reforça que também é preciso analisar o comportamento. "A pessoa que procrastina tem tempo para o lazer? Ela dorme bem? Se alimenta bem? Seu cotidiano faz sentido para ela? Ela está passando por uma dificuldade pessoal intransponível no momento? Ela precisa de ajuda? Essas são perguntas muito importantes que devem ser feitas para si mesmo", afirma.

Quando a desmotivação é muito grande, Farias ressalta a necessidade de passar por uma avaliação médica para fazer exames e verificar se está tudo bem com a saúde e com a nutrição do corpo.

A terapia cognitivo-comportamental, destaca o psicólogo, pode ajudar a pessoa a entender suas reações e atitudes diante dos acontecimentos e evitar hábitos prejudiciais, como a procrastinação.

BUSCADOR, EVITADOR E INDECISO

O neurocientista Andrei Mayer conta que é possível separar os procrastinadores em três grupos, embora seja comum uma pessoa se encaixar em todos eles.

"Os buscadores são aqueles que procrastinam tarefas importantes para executar outras que geram prazer imediato", diz. "Isso pode acontecer, por exemplo, quando a pessoa está deprimida ou estressada. Ela deixa para depois algo importante que precisa fazer e dá preferência para devorar uma caixa de chocolate ou ver um filme que gosta na televisão, pois são coisas que satisfazem rapidamente", afirma.

Também existem os evitadores. "É quando a pessoa evita tarefas importantes com medo do resultado. É comum os ansiosos se enquadrarem nesse grupo", observa Mayer.

Já os indecisos são aqueles que não sabem como concluir uma atividade. "Um dos fatores envolvidos no cálculo que o cérebro faz é a chance de concluir ou não a tarefa. Se o cérebro avaliar que a probabilidade é pequena, ele não vai encontrar motivação."

TOC

O psicólogo Bruno Farias explica que a procrastinação de tarefas importantes também pode acontecer em pacientes com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). "O TOC é um quadro caracterizado por pensamentos obsessivos. O paciente se sente tão perturbado com os pensamentos intrusivos que realiza diversos rituais na tentativa desesperada de se sentir melhor", conta Farias.

Alguns exemplos citados pelo psicólogo são conferir várias vezes se trancou mesmo a porta de casa ou checar se o gás da cozinha está desligado. "Com isso, a pessoa perde tempo e não consegue se concentrar para resolver tarefas importantes", afirma.

"São pacientes que precisam da nossa compreensão e acolhimento, além de serem encaminhados para profissionais de saúde mental sérios para que possam fazer um tratamento adequado", ressalta.

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