A história da curitibana Larissa Strapasson, 30, está sendo bastante compartilhada nos últimos dias por fazer parte de um importante passo no tratamento do diabetes tipo 1 no Brasil. Ela é a primeira paciente no País a utilizar uma tecnologia, homologada e aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que faz a leitura do nível de glicose e libera a insulina automaticamente.

Larissa Strapasson com o médico André Vianna
Larissa Strapasson com o médico André Vianna | Foto: Divulgação

O mecanismo é o mesmo que vem sendo utilizado há mais de uma década, com as chamadas bombas de insulina. “A diferença está na tecnologia. É um algoritmo que ‘aprende’ com o organismo da pessoa. Ele é capaz de entender as flutuações dos níveis de glicose, faz um autoajuste e fica liberando insulina 24 horas por dia, como um pâncreas humano. Ele identifica quando a pessoa terá um quadro de hipoglicemia e hiperglicemia, aumentando ou reduzindo as doses de insulina ou até suspendendo se necessário as aplicações de forma automática”, explica o médico endocrinologista André Vianna.

Vianna tem acompanhado Strapasson, que teve o equipamento instalado no dia 31 de janeiro. O resultado, segundo ela, é imediato. “Eu já havia testado outra bomba anteriormente, mas não era automática e eu não estava tendo um controle adequado. Agora essa nova experiência tem sido perfeita por fazer as correções automáticas”, conta.

AOS 17 ANOS

A jovem tinha 17 anos quando descobriu o diabetes. “Eu sentia uma sede incontrolável que me levava a acordar a noite inteira para tomar água e ir ao banheiro. Esse comportamento gerou uma desconfiança na minha mãe, que acabou de me levando para fazer um teste de glicemia. Da farmácia, fui direto para o endocrinologista”, lembra.

Strapasson começou o tratamento com as canetas de aplicação de insulina e chegava a acordar de madrugada, até quatro vezes por semana, para fazer o controle da glicemia. “Nos dias em que eu acabava comendo alimentos mais gordurosos no jantar, como uma pizza, eu tinha que colocar o despertador para acordar durante a noite e fazer a correção. Fui perdendo muita qualidade de vida”, relata.

O TEMPO TODO

De acordo com o especialista, uma pessoa com diabetes tipo 1 tem que tomar decisões o tempo todo e fazer a contagem de carboidratos. “O paciente chega a tomar mais de 100 decisões por dia em relação ao diabetes e isso gasta, em média, cinco horas por dia. E quando falamos que essa tecnologia é inovadora é porque ela reduz de 100 para 18 decisões por dia e o tempo de cinco horas passa a ser de minutos”, destaca.

Strapasson teve que pagar o valor de R$ 24 mil pela bomba de insulina automatizada, que se assemelha a um pâncreas artificial híbrido, desenvolvido pela multinacional Medtronic. O Sistema MiniMed 780 G já é utilizado na Europa e foi registrado na Anvisa em 2021. No Brasil, ele passou a ser comercializado neste ano. “Essa nova tecnologia me trouxe mais liberdade e autonomia, essenciais para a minha qualidade de vida”, diz.

COMO FUNCIONA

Para instalar o equipamento, o paciente não passa por cirurgia. O médico ressalta que o procedimento é bem simples e indolor. “Um cateter é instalado no paciente, na região abdominal ou na região dos braços, na coxa. Há diferentes regiões do corpo onde ele pode ser aplicado e o paciente também pode fazer trocas. Através de um sensor que se conecta via bluetooth com a bomba, ocorre a medição de glicemia e a infusão de insulina”, detalha.

É possível acompanhar todos os dados do sistema através de um smartphone, além de conseguir compartilhar com até cinco cuidadores. A troca do reservatório de insulina pode ser feita em casa, pelo paciente, a cada três dias. E a bomba, cujo tamanho é menor que um aparelho celular, pode ser carregada no cinto da calça, no bolso ou até mesmo no sutiã.

Strapasson detalha que a rotina diária tem sido bem tranquila com o novo tratamento. “Na hora do banho, coloco um tipo de tampa para suspender a insulina. Posso ficar sem a bomba por até uma hora, o que me permite, por exemplo, entrar na piscina ou no mar. O equipamento é à prova d’água, mas a remoção nos deixa mais à vontade”, comenta.

QUALIDADE DE VIDA

O médico endocrinologista André ViannaVianna, diretor do Departamento de Educação e da Regional do Paraná da Sociedade Brasileira de Diabetes, diz que a informação é o melhor caminho para que equipamentos direcionados ao tratamento de doenças como o diabetes fiquem mais acessíveis à população e para que todos entendam a importância que têm, justamente por melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

“Esse aparelho pode aumentar muito o tempo que o paciente mantém controlada a glicemia, mesmo em pacientes descompensados, evitando complicações crônicas que podem afetar órgãos como olhos, rins, fígado, coração e sistema vascular”, diz Vianna, que coordena o Centro de Diabetes de Curitiba, localizado no Hospital Nossa Senhora das Graças.

Vale lembrar que o sistema automatizado não dispensa o suporte e acompanhamento médico, além de orientação de educadores em diabetes, já que o usuário ainda precisa contar carboidratos e manter uma boa alimentação.

DIABETES TIPO 1 E 2

O médico endocrinologista explica que o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune. O paciente perde rapidamente a função de parte do pâncreas, responsável por produzir insulina, que é um hormônio vital para o metabolismo do açúcar. “Dessa forma, o corpo vai ficando sem energia necessária para sobrevivência. Sem insulina, o paciente precisa de múltiplas injeções por dia, podendo chegar até 10 aplicações por dia”, afirma.

O tipo 2 é o mais comum, atingindo cerca de 90% dos pacientes com diabetes. “O tipo 2 começa por uma dificuldade do funcionamento da insulina, especialmente pelo acúmulo de gordura na região abdominal. No início, a gente trata com medicamentos para melhorar a ação da insulina e perda de peso, mas as injeções também podem ser indicadas para alguns pacientes”, diz.

Dados do Atlas do Diabetes da Federação Internacional de Diabetes apontam que a doença já atinge 537 milhões de adultos, com idades entre 20 e 79 anos, sendo 32 milhões nas Américas do Sul e Central. A previsão é que esse número aumente para 643 milhões em 2030 e 784 milhões em 2045.

O Brasil é o 6º país com o maior número de adultos entre 20 e 79 anos diagnosticados com o diabete mellitus, somando aproximadamente 16,8 milhões de pessoas. Cerca de 10% possuem diabete tipo 1. Os dados colocam o Brasil também no ranking entre os países em que há maior prevalência e despesas com tratamento. O custo estimado do diabetes no Brasil é de 42,9 bilhões de dólares, ficando atrás apenas da China e Estados Unidos, com US$165,3 bi e US$ 379,5 bi, respectivamente.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.