Imagem ilustrativa da imagem O que importa para você?
| Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Tassia Lani, psicóloga: “Nossa ideia é proporcionar o máximo de acolhimento para que essa experiência seja menos dolorosa e traumática possível"

Um ramo da ciência denominado psiconeuroimunologia estuda as relações entre as emoções, o sistema nervoso e as funções orgânicas, como a imunidade. O termo foi introduzido por Robert Ader, em 1981, mas desde a antiguidade existe essa associação entre a mente e o corpo, como publicou o poeta romano Décimo Júnio Juvenal, entre os séculos 1 e 2 depois de Cristo: “Uma mente sã em um corpo são”.

Foi pensando nisso que em 2010 foi criado o movimento internacional What Matters to You ( O que importa para você?). Trata-se de uma iniciativa de melhoria da qualidade para enaltecer o cuidado em hospitais focado nas pessoas. Com isso, a equipe de um hospital deixa de centrar as atenções “no que está errado com você” para voltar-se “para o que importa para você”.

A empresária Márcia Fiori Grotti, 50, sentia dores de cabeça intensas e os remédios não faziam efeito até que o médico pediu que ela realizasse uma tomografia e constatou que ela havia sofrido um AVC ( acidente vascular cerebral). Ela ficou quase dois meses na UTI e 20 dias internada em um quarto. Mesmo em um ambiente hospitalar, ela disse ter se sentido acolhida, por causa do cuidado que os profissionais tinham durante os procedimentos. “Eu percebia o carinho da equipe, o amor e a paciência deles; me sentia bem com a forma que eles me tratavam. A dedicação que eles tiveram comigo não tem preço”, afirma.

Márcia Fiori Grotti: “Eu percebia o carinho e a paciência deles"
Márcia Fiori Grotti: “Eu percebia o carinho e a paciência deles" | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Márcia é uma das pacientes atendidas dentro desse programa introduzido em Londrina pelo hospital Evangélico, e a mudança na forma de suporte também atingiu os familiares. O marido dela, o arquiteto Auro Grotti, destaca que sentiu diferença no serviço em relação ao que viu quando familiares foram hospitalizados em outras ocasiões. “A gente nota a diferença. Não que nas outras vezes não éramos atendidos, mas era algo mais técnico, mais frio. Hoje não. Além do tratamento clínico, cirúrgico e pós-operatório, na parte de recuperação tem toda uma humanização. A gente nota uma diferença no carinho de todas as pessoas, que vai além da parte clínica”, destaca.

Grotti conta que o contato não se resume ao ambiente hospitalar. “A gente fez amigos com a equipe do hospital. Trocamos mensagens pelo WhatsApp, adicionamos no Facebook e eles acompanham a evolução na recuperação da Márcia”, destaca. Diante do quadro pré-operatório pessimista, a recuperação de Márcia surpreende pela evolução boa e rápida.

A PASSOS PEQUENOS

A psicóloga Tassia Lani trabalha no Evangélico há quatro anos. Ela afirma que poucos hospitais atuam hoje com esse projeto. “Infelizmente esse processo de humanização caminha a passos pequenos no Brasil. Seria ideal que todos os hospitais adotassem esse trabalho, mas a gente vê que ainda é muito incipiente de maneira geral. Em alguns lugares mais desenvolvidos, como São Paulo, isso já está mais difundido. A gente espera que isso se espalhe por todos os hospitais e a área da saúde como um todo”, destaca.

Lani observa que não é fácil passar por procedimentos dolorosos em um ambiente hospitalar, o que por si só gera um desgaste emocional muito grande. “Nossa ideia é proporcionar o máximo de acolhimento para que essa experiência seja menos dolorosa e traumática possível. A maneira como o profissional se comporta em relação ao paciente faz toda a diferença”, avalia.

Segundo a psicóloga, o projeto foi adaptado à realidade do hospital. “Ele é particular e filantrópico, ou seja, atende tanto por convênios como pelo Sistema Único de Saúde, mas temos mais demandas sociais no SUS”, observa. Ela conta o caso de uma moradora de rua, que chegou ao hospital com uma fratura na perna. “As equipes de psicologia, assistência social, enfermagem, além do corpo médico, tomaram cuidado não só da parte física, mas olharam todas as outras necessidades dela. Hoje ela está em um lar de idosos e vivendo mais tranquila do que antes de chegar no hospital. Após a alta dela do hospital, fizemos um trabalho de reinserção dela na sociedade e vemos que ela está bem”, afirma.

RECONHECIMENTO

De acordo com a psicóloga Tássia Lani, a equipe do Hospital Evangélico se sente mais grata em relação ao atendimento que está sendo feito quando percebe fazendo parte da vida do paciente. “O paciente agradece mais a equipe, que por sua vez se sente mais reconhecida. Isso serve de estímulo, para ver que está fazendo o trabalho certo”.

A profissional relata o caso de um paciente tetraplégico. “Ele ficou cinco meses internado e muito tempo dentro de uma UTI, conectado a um respirador com ventilação mecânica. Ele queria ver o sol e em princípio visitou o solário no 7º andar, uma operação que mobilizou vários profissionais. Foi um momento muito mágico com todo mundo. Ele ficou em um estado contemplativo, de emoção. Uma coisa que é simples para a gente significava muita coisa para ele, porque ele estava privado disso há muitos meses”, aponta. Outro desejo dele foi comer hambúrguer de uma famosa rede de fast-food. “Ele comeu vários, mas de acordo com a avaliação do médico e da nutricionista”, ressalta.

“A gente tenta ser o mais acolhedor possível. Assim conseguimos ter proximidade melhor com a família”, aponta a psicóloga. Ela destaca a importância da comunicação não verbal nesse processo. “A maneira como o profissional olha o paciente, o tom de voz que usa, a maneira que se aproxima e toca essa pessoa para realizar qualquer procedimento, a maneira dele se apresentar e dizer o que vai fazer. Tudo faz com que o paciente se sinta mais acolhido e mais seguro. E isso dá mais confiança na equipe que está cuidando dele”, aponta.

Outro exemplo de tratamento realizado com base nos princípios desse programa foi a permissão para que uma paciente, após 70 dias de internação, recebesse a visita de uma cachorrinha. Um elevador foi preparado para receber o animal, que foi transportado no colo até o solário, onde encontrou a paciente.

A assessora de marketing do hospital, Gielli Oliveira, acompanhou essa visita e relatou que ao ver tantas pessoas de branco Duda estranhou e começou a latir bastante e só se acalmou quando entrou em contato com a paciente. “Uma ala inteira do hospital teve de ser interditada para que a visita fosse realizada. Depois foi feita a limpeza do elevador e por onde a cachorra passou e a paciente também teve de tomar um banho”, destaca Oliveira.

MAIS ALEGRE

A supervisora de ouvidoria do hospital, Angela Maria de Souza Thomaz, explica que o projeto foi implantado visando movimentar essa intenção de poder se doar e identificar histórias de setores diferentes, com profissionais de áreas variadas se cruzarem. “A gente vê o pessoal mais alegre, mais animado. A cada história dos profissionais de evolução dos pacientes a gente percebe essa euforia , porque a rotina do dia a dia em um hospital é pesada e desgastante. Quando proporciona esses momentos, eles ficam mais animados”, destaca.

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