Após uma crise de sonambulismo uma fisioterapeuta de 27 anos caiu do terceiro andar de um hotel no Rio de Janeiro. O caso foi noticiado pelo UOL recentemente e, após o acidente, ela foi internada no Hospital Israelita Albert Sabin. O transtorno é marcado por atividades motoras em que a pessoa não possui consciência plena de seus atos, já que uma porção de suas funções cerebrais continua adormecida, em um estado de transição entre o sono e a vigília. Isso explica o motivo pelo qual os sonâmbulos não se recordam do que ocorreu durante a noite ou, se há alguma lembrança, é muito pouco.

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A neurologista Mônica Marcos de Souza, do Laboratório do Sono, em Londrina, explicou que o sonambulismo ocorre com mais frequência em crianças, mas pode atingir também jovens adultos. “No HU (Hospital Universitário) de Londrina vi alguns casos de alunos que foram sonâmbulos na infância e, como internos no hospital, passaram novamente por sonambulismo. É uma patologia pediátrica e pode voltar no adulto jovem quando passa por situações de estresse ou privação do sono”, destaca.

Ela acredita que no caso da fisioterapeuta, foi o que ocorreu, já que a jovem é coordenadora de uma UTI no Hospital São Mateus e também em um pronto-socorro de Cuiabá que atende casos de Covid-19. Essa situação pode ter levado a jovem a uma situação de estresse.

A neurologista explica que existe a questão sonambulismo e também os distúrbios que ocorrem durante o sono, como a insônia, a apneia obstrutiva do sono e a síndrome das pernas inquietas. “O sonambulismo é um distúrbio do sono chamado parassonia, que ocorre no estágio 3 e 4 do sono, ou seja, quando ele está profundo. A pessoa não está consciente, porque os atos motores do sono ocorrem em uma estrutura subcortical. A pessoa vai andar e eventualmente pode abrir a porta, abrir a janela e subir no parapeito da janela ou na sacada.

SEM ACORDAR

Se os pais ou outras pessoas estiverem presentes nessa crise, a neurologista recomenda conduzir essa pessoa para a cama sem acordá-la, por causa do susto que o sonâmbulo pode levar. “Se estiver em um parapeito ou em uma janela, esse risco é muito grande. É preciso tirar a pessoa dessa situação insegura ou perigosa”, reforça.

Souza ressaltou que se a pessoa tem antecedente de sonambulismo, é importante adequar as condições do ambiente onde fica a cama. “Se tiver uma cama alta, é preciso colocar um apoio, um colchão no chão. Como prevenção é preciso evitar objetos que podem machucar. Se no criado mudo tiver um abajur, é melhor removê-lo. Outros objetos na beirada da cama também podem fazer com que a pessoa se machuque. Tem que se preocupar com a segurança mesmo e tirar tudo em que a pessoa possa tropeçar”, detalha.

'TUDO ISSO É REAL'

Segundo ela, é preciso travar a porta, colocar um cadeado na janela que dá acesso ao parapeito, guardar facas e tesouras, além de remover objetos de vidro, pratos, copos e tudo o que possa quebrar e ferir a pessoa. Para crianças que dormem em beliches, recomenda-se que o paciente com sonambulismo durma na parte mais baixa.

“Tudo isso é real e precisa ser planejado", reforça a especialista, explicando que as pessoas podem ter atos motores mais complexos no sonambulismo, como cortar pão. "Tanto é que existem diagnósticos diferenciais que devem ser feitos pelo neurologista. Um dos episódios é a crise epiléptica no sono, na qual o paciente realiza movimentos automáticos que devem ser diferenciados de uma crise de sonambulismo. Neste caso o tratamento deve ser com anticonvulsivante”, destaca.

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FATOR GENÉTICO

Segundo a médica, o sonambulismo pode ter explicação genética ou hereditária, mas nem sempre. “Na família pode ter algum distúrbio ou patologia do sono quando se fala de ronco ou apneia do sono, mas no sonambulismo não propriamente pode ser hereditário”, informou.

Segundo ela, em um jovem adulto, por exemplo, esses episódios podem ocorrer por ingestão de álcool, privação do sono e situação de estresse. “Tudo isso pode provocar alterações do sono e provocar uma crise de sonambulismo. Atualmente as pessoas têm usado muito computadores, tablets, celulares antes de dormir e esses hábitos podem provocar o sonambulismo.”

Ela aponta que tudo o que for estímulo para o cérebro, como a tensão de jogos pela internet, serve como psicoestimulante ou foto estimulante e pode eventualmente deflagrar um quadro de sonambulismo, ou de fazer com que a pessoa fale dormindo, entre outros distúrbios.

USO DE MEDICAMENTOS

“Outra coisa importante que tem ocorrido é o caso de pacientes que fazem uso de medicamentos de tarja preta (controlados) ou indutores do sono que adquirem sob prescrição médica, mas que usam doses a mais do que foi prescrito. A gente já teve pacientes que já saíram dirigindo o carro dormindo por esse tipo de situação, porque alguns indutores do sono podem promover um estado de sonambulismo”, alerta.

ORIENTAÇÕES

Uma das orientações para quem sofre desse distúrbio, segundo Souza, é respeitar as horas de sono e o intervalo antes de ir para a cama. “Antes de dormir é preciso desligar computador, celular e TV muito tempo antes de dormir, porque se a pessoa for exposta a tudo isso demora para adormecer e ter um sono adequado, pois todos são fotoestimulantes”, explica.

A alimentação é um item também importante. A refeição deve ser leve, pois uma pesada provoca pesadelos e gera um sono inquieto, mal dormido, em que a pessoa se mexe muito. “É preciso respeitar o horário da alimentação. Se alguém vai em um jantar por volta das 23h ou meia-noite, come churrasco e ingere bebidas alcoólicas ou uma bebida cafeinada, pode precipitar uma crise de sonambulismo, ou eventualmente ter pesadelo, um quadro de respiração anormal, refluxo gastroesofágico, uma noite mal-dormida.”

Sobre a necessidade da prática de atividade física, ela diz que é essencial. “Essa atividade promove uma hipertrofia do sono profundo, das etapas 3 e 4, que é um sono reparador. Ela faz com que o indivíduo tenha profundidade do sono e de muita qualidade”, enaltece.

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PEQUENAS MEDIDAS

Para o otorrinolaringologista e especialista em medicina do sono, Fernando César Mariano, de Curitiba, se o sonambulismo surgir em crianças, a tendência é diminuir conforme a pessoa for envelhecendo. “Algumas pessoas constroem uma teoria de que esse sonambulismo é típico do amadurecimento cerebral da criança”, destaca.

“Tenho registro de alguns comportamentos em que a pessoa tenta arrumar o lençol ou a coberta da cama, mas não se lembra de ter feito isso, porque as ondas e as funções cerebrais estão adormecidas”, destaca. Ele também já ouviu relatos de pais, cujos pacientes ameaçaram sair do quarto e ir para a cozinha. “A gente tem que reforçar as dicas e os cuidados para proteger essa pessoa, como trancar a porta da cozinha e do quarto”, aponta.

Ele aconselha a manter o ambiente calmo para dormir e manter as atividades físicas regulares. “Geralmente com essas pequenas medidas já se evitam os maiores problemas e transtornos”, aconselha. Ele também orienta a realizar técnicas de relaxamento ou até procurar ajuda da psicoterapia ou com outros profissionais para diminuir a ansiedade.

“Geralmente isso já dá conta de minimizar essas alterações. Um último detalhe é que crianças que roncam ou possuem alguma alteração respiratória também aumentam a chance de ter esse sonambulismo. O especialista deve investigar isso”, aconselha.