Conviver com um período tão longo de tensão mostra um lado muitas vezes oculto da pandemia do novo coronavírus: o da saúde mental. Preocupações, exigências de mudança, números e vidas se misturam, causando o impacto de um “novo” que poucas vezes foi visto na história. “O ser humano, de modo geral, tem um movimento de surpresa diante do novo, tentativa de sobrevivência. Gera insegurança, medo do que desconhecemos e não temos controle da situação. O humano sempre busca controlar situações”, apontou a psicóloga Eliane Belloni, de Londrina. Nesta segunda-feira (17) faz cinco meses que foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 no município.

O isolamento é um desafio singular para uma população acostumada com a se movimentar e ocupar os espaços
O isolamento é um desafio singular para uma população acostumada com a se movimentar e ocupar os espaços | Foto: Isaac Fontana/Frame Photo/Folhapress

Em um período de um estresse extremo diante de um vírus que se apresentou de repente ao mundo e transformou o que conhecíamos como realidade, os impactos aparecem, segundo a docente do curso de psicologia da Unifil, em três grandes dimensões na sociedade: biológica, psicológica e sociológica. “Do ponto de vista psicológico, as pessoas estão desenvolvendo, em função do controle limitado, um nível de ansiedade que poucas vezes viveram. Comportamentos de descontrole da ansiedade estão aparecendo com mais frequência, levando a quadros de síndrome do pânico, estresse pós-traumático.”

O isolamento é um desafio singular para uma população acostumada a se movimentar e ocupar os espaços. “Não tivemos uma tensão sociológica tão grande igual estamos passando agora. Isso obriga um contato consigo mesmo. O ser humano é social por natureza e isolamento vai contra a sua própria natureza. É uma tensão que faz adoecer, não só biologicamente, mas psicologicamente”, ponderou. Procurar um especialista pode ser uma saída para o encontro do equilíbrio.

LUTO

Muito dos transtornos de humor acabam sendo provocados pelo intenso sentimento de luto. São perdas de histórias de vida, sonhos e planos. “Luto é o processo de sofrimento vivenciado pela perda não só de pessoas. Muitas pessoas estão perdendo perspectivas. A sensação de inconformabilidade coloca o homem e a mulher em contato com aquilo que é. Mostra a condição limitada que temos”, citou. A convivência tem sido outro obstáculo a ser superado. “Temos que desenvolver a tolerância”, lembrou.

Todo este quadro de severidade gerado pela Covid-19, com a vivência diária com informações sobre infectados, mortos e curados, ainda pode provocar a perda da empatia, causando uma espécie de letargia. “Há uma tendência em construirmos nossas próprias regras para lidarmos com problemas cotidianos e, muitas vezes, repetimos formas de agir e pensar, uma vez que as situações podem se assemelhar. Podemos dizer que há uma certa banalização em meio a esse contexto”, destacou Belloni, que é mestre em psicologia e sociedade.

REORGANIZAÇÃO

Para atravessar esta fase, a principal orientação, além de continuar seguindo as medidas profiláticas, é encarar o momento como de transformação. “A vida obedece a uma sequência de fatos. Em outros momentos históricos a humanidade encontrou meios de sobrevivência. Temos que entender que estamos nos reorganizando para viver o que ainda não foi vivido. Somos capazes de transpor muitas dificuldades. É preciso exercer sobre nós uma certa tolerância de não exigir tanto de si. O momento pede um novo olhar a sobre a vida, diferente sobre a nossa convivência”, refletiu.