Não é possível enquadrar o TEA (Transtorno do Espectro Autista) em características específicas, pois esse distúrbio no desenvolvimento do cérebro - que afeta a capacidade de relacionamento com pessoas e o ambiente - se apresenta em intensidades e situações diferentes em cada indivíduo. No autismo leve, muitos sinais podem passar despercebidos na infância e, com o passar dos anos, o indivíduo tem mais chances de ter comorbidades como depressão, fobia social, esquizofrenia, distúrbios de sono e de sensibilidade auditiva e visual, TDAH, entre outros.

Maria Lina Moreira Griggio: “Quem me vê superficialmente conhece uma Maria falante, extrovertida, engraçada, bem humorada, líder, inteligente e focada. Como eu poderia dizer que achava que era autista?”
Maria Lina Moreira Griggio: “Quem me vê superficialmente conhece uma Maria falante, extrovertida, engraçada, bem humorada, líder, inteligente e focada. Como eu poderia dizer que achava que era autista?” | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Mais de 85% dos autistas adultos têm outros problemas psiquiátricos associados que podem aparecer em vários momentos durante o ciclo de vida”, aponta o neurologista infantil do Instituto Neurosaber, Clay Brites. Ele, que é doutor em ciências médicas pela Unicamp e vice-presidente da Abenepi (Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e profissões afins) capítulo Paraná, cita que o autismo é um fator de risco e que, por isso, é importante ser descoberto o quanto antes.

A CADA DEZ DIAS

Hoje, o conhecimento sobre o TEA está muito mais presente no dia a dia das pessoas, em pesquisas científicas, protocolos e consensos internacionais. E todas essas informações vêm sendo amplamente disseminadas nas redes sociais nos últimos três anos. Isso tem levado não só crianças, mais muitos jovens e adultos aos consultórios.

Brites, que atua em Londrina e em São Paulo, afirma que a cada dez dias tem feito um diagnóstico de autismo em adultos. “O maior desafio é que essas pessoas vão criando mecanismos de compensação ao longo dos anos e o profissional que não tem um olhar clínico apurado não vai identificar”, afirma.

A pedagoga especializada em Autismo e diretora do Ieac (Instituto de Educação e Análise do Comportamento) em Goiânia (GO), Michelli Freitas, também conversou com a FOLHA e reforçou que a maioria dos adultos com autismo, que viveu parte da vida sem o diagnóstico, aprendeu a disfarçar os sinais.

"E a falta dele (diagnóstico) leva as pessoas a se sentirem, muitas vezes, culpadas por serem diferentes ou terem certas dificuldades de desenvolvimento e relacionamento. Elas não compreendem a razão de não encaixarem nos padrões”, diz.

Estima-se que mais 70 milhões de pessoas estão vivendo com o TEA em todo o mundo. O Brasil não tem um levantamento oficial, mas especialistas acreditam que esse número esteja perto de dois milhões de pessoas.

AUTOAVALIAÇÃO

Freitas aponta que, diferentemente de crianças, que são conduzidas pelos pais, os adultos necessitam, antes de tudo, perceber que há algo de errado e fazer uma autoavaliação. O próximo passo deve ser procurar um especialista.

O diagnóstico é feito pela análise comportamental. O profissional irá considerar situações de infância, interação com o indivíduo, a relação com a família e até condições de saúde física ou mental.

“Com uma anamnese boa, incluindo o uso de escala de triagem, entrevista direcionada e instrumentos de avaliação neuropsicológica, as chances de fechar o diagnóstico é de 98%”, completa Brites, um dos idealizadores do ConAutismo (Congresso Nacional On-line de Autismo).

FACETAS

Especialistas afirmam que o autismo leve é mais difícil de ser diagnosticado no sexo feminino. Uma das explicações é a habilidade das mulheres em se ajustar às regras sociais. Isto é, elas conseguem “moldar” o comportamento social com maior facilidade em comparação com o sexo oposto.

“A condição feminina, tanto genética quanto biológica, é um fator de proteção contra o desenvolvimento de sintomas mais proeminentes de autismo. As mulheres são mais afetuosas, veem mais amplamente as necessidades sociais à sua volta e podem ter formas de atenuação dos sinais mais eficazes. Com isso, o autismo fica, às vezes, mais mascarado nessas pessoas”, explica o neurologista Clay Brites.

PRESENTE

Ao descobrir que o filho de três anos é autista, Maria Lina Moreira Griggio, 36, iniciou uma busca incessante por respostas sobre TEA (Transtorno do Espectro Autista). Foi justamente nesses achados que ela se percebeu dentro de algumas características e descobriu que a condição tem outras facetas no sexo feminino.

“Quem me vê superficialmente conhece uma Maria falante, extrovertida, engraçada, bem humorada, líder, inteligente e focada. Como eu poderia dizer que achava que era autista?”, conta a relações públicas, que após conversas com o marido, buscou ajuda médica e teve o diagnóstico de TEA em maio de 2019, aos 35 anos.

A notícia foi descrita por Griggio como um alívio, porque ela finalmente entendeu alguns comportamentos, o que também lhe trouxe uma outra compreensão sobre o desenvolvimento do filho. “O meu diagnóstico foi um presente do meu filho porque depois de tantos anos passei a entender o que acontecia comigo”, comenta.

Para aprender a lidar com as situações que a desestabilizam, Griggio teve indicação para fazer terapia. A pedagoga especializada em Autismo e diretora do Ieac (Instituto de Educação e Análise do Comportamento), Michelli Freitas, explica que a psicoterapia especializada para adultos autistas é importante para o processamento das emoções, “e se for o caso, até mesmo um psiquiatra poderá indicar uma medicação para ajudar esse cérebro que trabalha de uma forma diferente”.

A psicóloga Adriana Von Stein, que tem uma experiência de 13 anos com pessoas com TEA em Londrina, destaca que a psicoterapia em adultos é essencial para ajudar os autistas na questão comportamental e também na orientação dos familiares. “A família acaba também entendendo melhor o comportamento. A gente busca também trabalhar a questão da flexibilidade, pois a pessoa com TEA leva muito a sério um combinado e a partir do momento que ela consegue entender o porquê dessa rigidez, a gente começa a trabalhar isso”, ressalta.

Imagem ilustrativa da imagem O autismo na vida adulta
| Foto: Folha Arte