Quando um familiar desenvolve uma doença que necessita de cuidados, os olhares de todos se voltam para ele. O fato é compreensível, já que é difícil ver que um ente pode ter uma doença sem expectativa de cura. Entretanto, os olhares também precisam recair para a pessoa que assume a responsabilidade por esses cuidados, sendo na maioria das vezes um familiar sem preparo físico ou emocional. Sem a devida atenção, esse cuidador pode acabar desenvolvendo doenças como ansiedade e depressão por conta de toda a bagagem que vem junto com a “função”.

Ao ministrar a palestra ‘Cuidando de quem cuida: a importância do bem-estar dos cuidadores’, a psicóloga e professora Solange Mezzaroba explica que quando há um familiar doente, seja com Alzheimer ou outro tipo de demência, o foco e a prioridade sempre vão estar sobre ele, mas que também é necessário voltar os olhos para as pessoas que assumem a posição de cuidadores, principalmente quando essa função é designada por um membro da família. “Cuidar de um idoso, de um doente, vai exigir uma série de habilidades que ele não tem e que vai ter que desenvolver”, aponta.

Ela detalha que essas novas “atribuições” sobrecarregam esse familiar tanto na questão da força de trabalho, já que muitos doentes usam fraldas e não conseguem tomar banho sozinhos, quanto de forma subjetiva. Segundo ela, as preocupações com a evolução da doença e os sentimentos de raiva, de culpa e de tristeza são pontos que, muitas vezes, não são tratados da forma correta por esses familiares.

De acordo com dados do Renade (Relatório Nacional Sobre Demências no Brasil), 83,6% dos cuidadores de pessoas que vivem com algum tipo de demência são familiares, sendo que, dentre esse grupo, 86% são mulheres. Mezzaroba pontua que o tipo de relação prévia dessa mulher com o doente é muito importante. “Se ela teve uma relação saudável, amistosa, isso ocorre de forma mais tranquila. Entretanto, pode ser um marido autoritário, um marido violento, um pai abusador ou violento também”, detalha.

Essas questões, segundo ela, "pegam" bastante e vão além da atividade de cuidado, podendo comprometer a saúde física e psicológica dessa cuidadora. “Ela se vê revoltada por não ter laços afetivos fortalecidos na vida pregressa e, agora, ela se vê no cuidado dessa pessoa que, no passado, não foi muito legal com ela”, aponta. Nesse caso, a professora reforça que é fundamental a busca de auxílio através de terapias, já que a mistura de sentimentos e a “obrigação” de ter que cumprir esse trabalho de cuidado pode levar a casos de depressão ou ansiedade.

O número alto de cuidadores familiares tem como principal razão as condições financeiras da família. “O trabalho de um cuidador profissional exige um poder aquisitivo que consiga custear [as despesas]”, explica, apontando ainda que, na maioria das vezes, a renda também precisa ser revertida para a compra de remédios. “Dependendo da doença, como o Alzheimer, não há estimativa de por quantos anos isso vai ser prolongado”, ressalta.

A partir de todos esses desafios, Solange Mezzaroba afirma que é essencial que os cuidadores saiam do “piloto automático” e passem a focar no “aqui e agora”. Segundo ela, os cuidadores podem fazer atividades e ações simples, mas que fazem a diferença no bem-estar, como comer algo que gostam de forma tranquila, sentindo todos os sabores, texturas e aromas. “São coisas que o cuidador pode fazer no período em que ele vai almoçar ou no período em que o doente está dormindo”, explica, complementando que um celular também pode ser útil para que a pessoa possa conversar com amigos ou assistir um vídeo de algo que ele gosta.

Cuidado em tempo integral

Há dois anos cuidando da mãe, de 86 anos, que tem Alzheimer, Marlene de Oliveira Lisboa, 67, relata que a mãe ainda apresenta um quadro leve da doença. Logo após o diagnóstico, ela explicou que precisou ir morar com a mãe, já que os irmãos moram longe e ela teve que assumir a frente. Nos dois meses pós-diagnóstico que passou na casa da mãe, ela admite que foram momentos tensos, já que eram 24 horas de atenção voltadas à mãe. "Eu emagreci, caiu o meu cabelo, foi terrível", relembra.

Como o marido também enfrentou um problema de saúde, ela conta que a solução encontrada foi levar a mãe para morar com o casal, o que aliviou um pouco a rotina pesada de antes. Apesar de já ser aposentada, ela afirma que precisou abrir mão de todas as atividades que fazia e gostava. "Embora ela ainda não me dê tantos problemas como muitas dão, mas você precisa estar ali 24 horas", explica, complementando que quando precisa sair, o marido fica responsável pelos cuidados, mas que sempre tem que voltar o mais rápido possível. Ela admite que o que mais sente falta é de um tempo para si e para fazer as coisas que gosta, como fazer crochê ou ler um livro, que são os “escapes” da rotina.

A melhor aposta é sempre a prevenção

Cofundadora do Instituto Não Me Esqueças e presidente da Febraz (Federação das Associações Brasileiras de Alzheimer), Elaine Mateus explica que o Alzheimer é uma doença reconhecida há pouco mais de 100 anos, mas que vem ganhando mais destaque nas últimas décadas por conta dos avanços no diagnóstico.

O Alzheimer, segundo ela, está inserido dentro de um conjunto de doenças que comprometem as funções neurológicas e cognitivas, chamado de demência. “A doença de Alzheimer é a mais comum, [sendo que] 60%, 70% dos casos de demência são causados pela doença de Alzheimer”, aponta.

Ela afirma que a função do Instituto Não Me Esqueças é trabalhar em prol do diagnóstico dos tipos de demência e do acesso aos tratamentos disponíveis. A informação sobre a doença, segundo Mateus, é fundamental para que as pessoas busquem ajuda ao notar alguns sintomas. “As pessoas não devem olhar para as mudanças do processo de envelhecimento como sendo todas naturais”, aponta, complementando que algumas mudanças são normais, como a lentidão de movimentos e de raciocínio conforme o passar dos anos.

Entretanto, tudo aquilo que afeta a rotina e difere da forma que sempre foi merece uma atenção. “Se a gente tem uma dor nas contas constante, uma dor de cabeça constante, se a gente percebe qualquer alteração física, a gente procura um médico que vai nos dizer se isso é um problema ou se não é nada”, reforça. Por outro lado, ela afirma que as pessoas não tomam o mesmo cuidado com o cérebro. “A gente percebe mudanças, confusão, inquietação, depressão e a gente não vai atrás”, explica, afirmando que, na maioria das vezes, esse tipo de problema é relacionado com a idade de forma errônea.

Muito se relaciona a demência ao fato de esquecer alguma coisa, mas que nem sempre esse sintoma pode estar presente ou aparecer logo no início. Por isso, alguns sinais para ficar alerta são: alterações de humor e confusão relacionada ao tempo e espaço.

“Se não tem cura é melhor a gente não ter”, pontua Mateus, complementando que não é possível falar em prevenção quando se trata da demência, mas sim na redução das chances de desenvolver alguma doença que vai comprometer as funções neurológicas e cognitivas. Dentre os fatores de risco, a baixa escolaridade é um dos mais importantes, mas que, de acordo com a presidente da Febraz, é algo que depende de políticas públicas de acesso à educação.

Entretanto, alguns fatores de risco podem ser reduzidos através de mudanças no estilo de vida, como sedentarismo, obesidade, colesterol, diabete, tabagismo, alcoolismo, dentre outros. “Esses são fatores de risco que podem levar, sim, à demência”, alerta. Dentre os fatores descobertos há pouco tempo, a perda auditiva também pode estar relacionada a casos futuros de Alzheimer ou de outras demências. “Quanto mais você elimina esses riscos, mais você vai diminuindo as suas chances de ter [a demência]”, afirma.