RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - O dia 16 de junho de 2020 jamais será esquecido por Flaviana Maria de Jesus Favaro, 38. Após não conseguir dormir durante a noite e com muitas dificuldades respiratórias, foi levada pelo marido ao hospital em Campinas. Diagnosticada com Covid-19, a solução encontrada pela equipe médica era intubá-la imediatamente. Mas havia um "detalhe".

.
. | Foto: Arquivo Pessoal

Grávida de sete meses de seu terceiro filho, Flaviana precisou passar por uma uma cesariana de urgência, para que o bebê recebesse a menor quantidade possível dos medicamentos ministrados para a intubação.

Tanto a data não será esquecida que, no último final de semana, a celebração do aniversário de um ano de Vitor Leonardo teve como tema "Meus Heróis da Vida Real". Ao lado de bonecos de heróis como Homem-Aranha, Hulk, Capitão América e Thor, cartazes listavam os nomes de médicos, enfermeiros e profissionais que atenderam a família no hospital.

A criança se chamaria Leonardo Luis, mas a família decidiu trocar para Vitor por considerá-lo um vitorioso em meio a tudo o que aconteceu com ele e com a mãe.

Intubada, Flaviana não soube do nascimento do filho, e a família temeu que ela nunca o conhecesse. A Covid-19 se agravou, comprometeu pulmões e ela precisou ser pronada na Vera Cruz Casa de Saúde, ou seja, ficar de barriga para baixo, para que os pulmões pudessem se expandir com mais eficiência. Foi assim por 13 dias, além de outros 9 destinados à fisioterapia.

Enquanto isso, Vitor, que tinha nascido "roxinho", nas palavras da mãe, recebeu adrenalina, massagem cardíaca e chegou a ser intubado também, mas se recuperava bem na ala pediátrica do hospital.

Sem a mãe, na UTI, a criança também não podia receber as visitas de familiares, já que todos tinham sido diagnosticados com o coronavírus.

"No dia, cheguei às 8h ao hospital, eu afogava no seco, de tanta dificuldade para respirar. Fizeram exames e monitoravam se eu melhoraria ou não. Como não melhorei, optaram pela intubação e o parto. Chorei muito. Meu pulmão ficou preto, e não sou fumante. Meu marido fala que estou viva por Deus e pelo atendimento dos médicos e enfermeiros do hospital", conta Flaviana.

O parto foi feito às 20h daquele dia, mas ela só conheceu o filho 23 dias depois de ter sido internada. Oito dias antes, pôde vê-lo por fotos, pelo celular.

.
. | Foto: Pixabay

"O tempo que fiquei dormindo [intubada] ele ficou lá me esperando. A enfermeira falou que era para irem visitá-lo, para ele sentir a família, mas ninguém podia ir por causa do vírus. Eu só pude amamentar depois de um mês e cinco dias, quando os exames passaram a dar negativo para Covid." Os familiares que foram contaminados não precisaram de hospitalização.

Marido de Flaviana, o agricultor Humberto Luiz Favaro, 40, conta que outra dificuldade enfrentada pela família foi cuidar de Nicole, 6, que é muito apegada à mãe. O casal tem ainda o filho Nicolas, 14.

"Hoje, relembrando, vejo que não foi nada fácil, mas acabou bem, graças a Deus. Isolamento [pela Covid-19], não poder sair, a mulher naquela situação, e o bebê lá, tendo nascido prematuro", disse ele, que produz alface no sítio da família.

Por isso, chegar à mesma data em 2021 foi o motivo encontrado pela família para comemorar a recuperação de Flaviana e o aniversário de Vitor. Qual seria o tema? Super-heróis, mas os "reais", como conta a mãe.

Médicos, equipe de enfermagem, fisioterapeutas e profissionais de limpeza do hospital estão entre as pessoas que seriam convidadas para o aniversário, mas por causa da pandemia, optaram por fazer uma celebração restrita, para cerca de dez pessoas, incluindo os cinco membros da família.

"A alternativa foi lembrar de todos eles com faixas, e assim fizemos. Enviei para os números de WhatsApp de quem eu tinha e minha cunhada colocou em rede social, aí o pessoal do Vera Cruz viu também."

Nos cartazes e faixas constam os nomes de sete médicos, além de outros 26 profissionais de enfermagem.

Entre eles está o médico André Arruda, coordenador da área de ginecologia e obstetrícia do Vera Cruz e responsável pelo parto.

"Estávamos esperando no centro cirúrgico com aquela parafernalha toda. Naquele momento tínhamos dificuldades sobre os riscos, era aquela roupa de astronauta. Só me apresentei para ela, que já foi intubada. Ela ficou mal mesmo, teve riscos depois da cirurgia. Um dia, do nada, ela bateu na minha porta porque queria conhecer quem a tinha ajudado. Foi emocionante, porque a criança estava com ela", disse.

Coincidentemente, e isso só foi descoberto posteriormente, a mulher de Arruda era a pediatra dos outros dois filhos de Flaviana.

O parto de Flaviana foi o primeiro da equipe do médico na pandemia, mas depois já houve outros três em situação semelhante. Nesta quinta (24), uma paciente grávida de 26 semanas estava na UTI, e os médicos travam uma batalha para tentar postergar o parto.

"O nenê está com 600 gramas, muito pequenininho. Hoje temos um pouco mais de segurança de segurar as gestações, evitando risco de cirurgia e processo inflamatório", afirmou o médico.

Vitor, que nasceu com 2 quilos, hoje tem 9,8 quilos e desenvolvimento normal para a idade, sem nenhuma sequela pela prematuridade.